Por Ana Luíza Matos de Oliveira, no site Brasil Debate:
Um dos grandes desafios da esquerda brasileira é pensar um projeto de país para a redução das desigualdades, dada a atual realidade do Brasil. Para além de recuperar os princípios da nossa tão atacada Constituição Federal de 1988 (aquela chamada de Constituição Cidadã) e os avanços nas políticas públicas desde a redemocratização, a sociedade brasileira já mostrava, em 2013, que queria mais do que aquilo que enxergava: nesse ano, auge dos governos petistas e com o desemprego atingindo mínimos históricos, as pessoas já almejavam mais, muito mais do que o que estava sendo feito: saúde, educação, mobilidade urbana “padrão FIFA”.
Porém, de 2013 a 2018 muito mudou e, em especial, se deteriorou a capacidade do Estado em fazer política pública: o choque recessivo em 2015 e a constitucionalização da austeridade fiscal com a Emenda Constitucional (EC) 95 reduziram muito o espaço fiscal e impedem que o Brasil cumpra as aspirações das brasileiras e brasileiros de acesso aos direitos sociais de forma digna e mais igualitária.
Além da restrição fiscal, nesses dois anos de golpe também ocorreu o desmonte de políticas públicas (associado à restrição fiscal, mas também a novas prioridades do governo) e a ampliação da influência privada nas decisões estatais, com um redirecionamento dos esforços do Estado. A título de exemplo, houve um aumento da influência dos ruralistas com novas regulamentações/desregulamentações no campo, contra os indígenas e contra a saúde pública (como a redução das informações disponíveis sobre transgênicos ou a pressão para reduzir as restrições a agrotóxicos); também cresceu a influência de grandes empresários na educação e na saúde (como mostram as agendas dos ministros das pastas, a composição de certas pastas de segundo escalão e os indicados a agências reguladoras).
O desafio é imenso, dado um Estado completamente diferente do que era antes do golpe e com menos instrumentos para realizar gasto social voltado à redução das brutais desigualdades no Brasil. Por isso, é cada vez mais importante retomar que a relação dicotômica entre a “questão social” e a “economia” (que vemos nos meios de comunicação diariamente) é falsa. Os especialistas que ganham espaço na mídia têm defendido com frequência que o Brasil precisa “cortar na carne” (carne dos mais pobres sempre, diga-se de passagem), que em nome da “economia” é preciso cortar aposentadorias e morrer trabalhando; que em nome da “economia” é preciso perder direito trabalhista; que em nome da “economia” o gasto social precisa ser reduzido.
Mas não é verdade que os dois sejam necessariamente opostos: o gasto social e a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro não são impeditivos para o crescimento econômico ou para as contas do governo serem “sadias”. Na verdade, a virtuosidade do gasto social é um aspecto que quase nunca é abordado na grande mídia: Não se defende aqui o gasto sem limite ou perdulário, sem se importar com a eficiência e o bom uso dos recursos públicos, mas uma questão que nunca aparece é que, por exemplo, o gasto social pode ser muito benéfico para o crescimento econômico: tal gasto amplia a produtividade, a renda disponível das famílias e ainda tem impacto direto na renda dos mais pobres, que têm uma propensão marginal a consumir mais que os mais ricos (ou seja, gastam maior porcentagem da renda recebida que os ricos).
Em simulações com dados de 2006, Fagnani e Calixtre (2017) mostram que o gasto em educação pública tem alto efeito sobre o crescimento do PIB, bem como os gastos em saúde pública e com o Programa Bolsa Família. Além disso, tais gastos têm alto impacto na redução marginal do índice de Gini, que mede a concentração da renda no Brasil. Por outro lado, gastos com juros da dívida pública provocam efeitos completamente contrários, pouco impulsionando o crescimento e concentrando renda. Desta forma, o gasto social, em geral reduz as desigualdades no Brasil, tem um papel fundamental no desenvolvimento regional (pois enquanto o investimento produtivo privado tende a se concentrar no Sul/Sudeste, o investimento social pode alavancar outras regiões e, particularmente, cidades pequenas e médias) e ainda “aquece” a economia, podendo ser um dos motores do crescimento econômico, que, por sua vez, aumentará a arrecadação do governo.
Também, os investimentos públicos (como em saneamento, infraestrutura, mobilidade, habitação etc.) podem se articular com compras públicas, políticas de conteúdo local, tecnologias nacionais e empresas privadas domésticas, não só para gerar mais empregos no Brasil, mas também para desenvolver pesquisas e melhorar a nossa estrutura produtiva.
As brasileiras e os brasileiros precisam ter claro que a economia precisa estar a serviço delas. O projeto de país que está sendo implementado pelo atual governo e cristalizado com a EC 95 não é benéfico à grande maioria da população. Ao impedir, mesmo que o PIB cresça, o crescimento real do gasto social (ou determinar a queda do gasto social per capita pelo aumento da população brasileira), a EC 95 prejudica mais os pobres, prejudica mais as mulheres, prejudica mais os negros e essa é uma pauta que precisa ser debatida, inclusive dentro dos movimentos identitários. A austeridade fiscal amplia as desigualdades no Brasil por impedir o crescimento e a melhoria das políticas públicas. Aliás, diga-se de passagem, a EC 95 age no congelamento dos gastos primários do governo (que inclui os gastos sociais), mas não coloca limite ao gasto financeiro do governo, mostrando quais interesses podem ser contrariados e quais não.
Para essa luta contra a austeridade e em prol de um projeto de país onde caibam todos (e não só os ruralistas, os rentistas e os grandes empresários), é preciso muito apoio popular, pois, para redirecionar o Estado para a redução das desigualdades, qualquer presidenta/e progressista que chegue ao Planalto em 2019 (assumindo que tenhamos eleições este ano) vai precisar de muito apoio para realizar reformas fiscais, além das mais que necessárias reformas tributária, urbana, agrária, política, entre outras.
Um dos grandes desafios da esquerda brasileira é pensar um projeto de país para a redução das desigualdades, dada a atual realidade do Brasil. Para além de recuperar os princípios da nossa tão atacada Constituição Federal de 1988 (aquela chamada de Constituição Cidadã) e os avanços nas políticas públicas desde a redemocratização, a sociedade brasileira já mostrava, em 2013, que queria mais do que aquilo que enxergava: nesse ano, auge dos governos petistas e com o desemprego atingindo mínimos históricos, as pessoas já almejavam mais, muito mais do que o que estava sendo feito: saúde, educação, mobilidade urbana “padrão FIFA”.
Porém, de 2013 a 2018 muito mudou e, em especial, se deteriorou a capacidade do Estado em fazer política pública: o choque recessivo em 2015 e a constitucionalização da austeridade fiscal com a Emenda Constitucional (EC) 95 reduziram muito o espaço fiscal e impedem que o Brasil cumpra as aspirações das brasileiras e brasileiros de acesso aos direitos sociais de forma digna e mais igualitária.
Além da restrição fiscal, nesses dois anos de golpe também ocorreu o desmonte de políticas públicas (associado à restrição fiscal, mas também a novas prioridades do governo) e a ampliação da influência privada nas decisões estatais, com um redirecionamento dos esforços do Estado. A título de exemplo, houve um aumento da influência dos ruralistas com novas regulamentações/desregulamentações no campo, contra os indígenas e contra a saúde pública (como a redução das informações disponíveis sobre transgênicos ou a pressão para reduzir as restrições a agrotóxicos); também cresceu a influência de grandes empresários na educação e na saúde (como mostram as agendas dos ministros das pastas, a composição de certas pastas de segundo escalão e os indicados a agências reguladoras).
O desafio é imenso, dado um Estado completamente diferente do que era antes do golpe e com menos instrumentos para realizar gasto social voltado à redução das brutais desigualdades no Brasil. Por isso, é cada vez mais importante retomar que a relação dicotômica entre a “questão social” e a “economia” (que vemos nos meios de comunicação diariamente) é falsa. Os especialistas que ganham espaço na mídia têm defendido com frequência que o Brasil precisa “cortar na carne” (carne dos mais pobres sempre, diga-se de passagem), que em nome da “economia” é preciso cortar aposentadorias e morrer trabalhando; que em nome da “economia” é preciso perder direito trabalhista; que em nome da “economia” o gasto social precisa ser reduzido.
Mas não é verdade que os dois sejam necessariamente opostos: o gasto social e a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro não são impeditivos para o crescimento econômico ou para as contas do governo serem “sadias”. Na verdade, a virtuosidade do gasto social é um aspecto que quase nunca é abordado na grande mídia: Não se defende aqui o gasto sem limite ou perdulário, sem se importar com a eficiência e o bom uso dos recursos públicos, mas uma questão que nunca aparece é que, por exemplo, o gasto social pode ser muito benéfico para o crescimento econômico: tal gasto amplia a produtividade, a renda disponível das famílias e ainda tem impacto direto na renda dos mais pobres, que têm uma propensão marginal a consumir mais que os mais ricos (ou seja, gastam maior porcentagem da renda recebida que os ricos).
Em simulações com dados de 2006, Fagnani e Calixtre (2017) mostram que o gasto em educação pública tem alto efeito sobre o crescimento do PIB, bem como os gastos em saúde pública e com o Programa Bolsa Família. Além disso, tais gastos têm alto impacto na redução marginal do índice de Gini, que mede a concentração da renda no Brasil. Por outro lado, gastos com juros da dívida pública provocam efeitos completamente contrários, pouco impulsionando o crescimento e concentrando renda. Desta forma, o gasto social, em geral reduz as desigualdades no Brasil, tem um papel fundamental no desenvolvimento regional (pois enquanto o investimento produtivo privado tende a se concentrar no Sul/Sudeste, o investimento social pode alavancar outras regiões e, particularmente, cidades pequenas e médias) e ainda “aquece” a economia, podendo ser um dos motores do crescimento econômico, que, por sua vez, aumentará a arrecadação do governo.
Também, os investimentos públicos (como em saneamento, infraestrutura, mobilidade, habitação etc.) podem se articular com compras públicas, políticas de conteúdo local, tecnologias nacionais e empresas privadas domésticas, não só para gerar mais empregos no Brasil, mas também para desenvolver pesquisas e melhorar a nossa estrutura produtiva.
As brasileiras e os brasileiros precisam ter claro que a economia precisa estar a serviço delas. O projeto de país que está sendo implementado pelo atual governo e cristalizado com a EC 95 não é benéfico à grande maioria da população. Ao impedir, mesmo que o PIB cresça, o crescimento real do gasto social (ou determinar a queda do gasto social per capita pelo aumento da população brasileira), a EC 95 prejudica mais os pobres, prejudica mais as mulheres, prejudica mais os negros e essa é uma pauta que precisa ser debatida, inclusive dentro dos movimentos identitários. A austeridade fiscal amplia as desigualdades no Brasil por impedir o crescimento e a melhoria das políticas públicas. Aliás, diga-se de passagem, a EC 95 age no congelamento dos gastos primários do governo (que inclui os gastos sociais), mas não coloca limite ao gasto financeiro do governo, mostrando quais interesses podem ser contrariados e quais não.
Para essa luta contra a austeridade e em prol de um projeto de país onde caibam todos (e não só os ruralistas, os rentistas e os grandes empresários), é preciso muito apoio popular, pois, para redirecionar o Estado para a redução das desigualdades, qualquer presidenta/e progressista que chegue ao Planalto em 2019 (assumindo que tenhamos eleições este ano) vai precisar de muito apoio para realizar reformas fiscais, além das mais que necessárias reformas tributária, urbana, agrária, política, entre outras.
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