Por Pedro Rafael Vilela, no jornal Brasil de Fato:
Não há mais dúvidas sobre o enorme poder de influência que plataformas digitais como Facebook, Google e aplicativos de mensagens, como Whatsapp e Telegram, terão nas eleições de outubro. A produção e distribuição e larga escala de conteúdo por meio dessas redes tem gerado uma verdadeira avalanche de notícias, áudios, vídeos, fotos e memes na internet.
Essa montanha de informações, no entanto, também carrega muitos conteúdos manipulados, quando não completamente falsos, as chamadas “Fake News” (notícias falsas, em inglês) e que podem contribuir para promover incitação ao ódio, difamação e até mesmo indução de decisões cruciais numa democracia, como a definição do próprio voto.
O tema, extremamente sensível, porque mexe com uma questão fundamental, que é a garantia da liberdade de expressão em uma democracia – ainda mais em meio a um processo eleitoral –, foi tema de debate na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), nesta quinta-feira (10), em um evento promovido pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Social (Frentecom).
A Frente, composta por parlamentares e entidades da sociedade civil, produziu recentemente um documento, que foi entregue ao Conselho de Comunicação Social (CCS) do Senado, para subsidiar o debate em torno das Fake News. Há um forte movimento no meio político, apoiado também por setores da mídia empresarial, para a aprovação de projetos que, sob o argumento de combater a difusão de Fake News, podem acabar implantando um sistema de censura automática ao compartilhamento de conteúdos na internet.
Segundo o advogado Paulo Rená, do Instituto Beta – Internet e Democracia, há cerca de 20 projetos de lei em tramitação no Congresso, “a maioria problemático”, com claro viés de censura, e que inclui a criação de novo tipo penal: compartilhamento de notícias falsas. “Um dos projetos [PL 6812/17] fala em criminalizar quem produzir notícia ‘prejudicialmente incompleta’. O que é isso? Não vai poder publicar notícia prejudicial?”, questiona.
Ele cita outro exemplo de projeto que prevê punição para conteúdos que possam distorcer a verdade. “Então não precisa nem distorcer, basta só aquilo que possa distorcer?”, critica. Para o especialista, os projetos em curso usam “terminologias ruins” e impõem deveres aos intermediários [veículos e plataformas] da informação.
“Previsão de remoção imediata de conteúdo sob pena de multa [como propõem alguns projetos], o que vai acontecer? Tudo vai ser removido, tudo. Vai ser a eleição mais chapa branca de todos os tempos, todo mundo vai querer remover as notícias ruins sobre alguém e só vai ficar as notícias boas. Se isso não é um problema para a democracia, não sei o que é”, afirma o advogado.
Como combater?
Em um dos casos recentes de maior repercussão de notícias falsas no país, mensagens de ódio e informações inverídicas sobre a vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, foram propagadas em grande escala após o seu brutal assassinato, na capital carioca, no começo de março.
Numa verdadeira força-tarefa jurídica, uma equipe de advogadas do partido iniciou uma campanha de denúncia e responsabilização legal das pessoas, incluindo personalidades públicas que compartilharam os conteúdos caluniosos contra a honra e a imagem da parlamentar morta.
“Nós recebemos mais de 22 mil e-mails com denúncias de Fake News contra a Marielle. Nas imagens que chegavam, era possível perceber que os denunciantes comentavam nas postagens falsas informando ao usuário que compartilhou de que a informação era criminosa e alertando sobre acionamento judicial. Muitas pessoas excluíram as publicações antes mesmo da ordem judicial. A campanha serviu como espaço pedagógico e foi importante para que essa circulação [de notícias falsa sobre a Marielle] diminuísse", explica Samara Castro, advogada do PSOL que atua no caso Marielle.
No documento sobre Fake News, a Frentecom reforça o entendimento consagrado no Marco Civil da Internet que estabelece a necessidade do Poder Judiciário, por meio de ordem judicial, ser o balizador sobre a retirada de conteúdos na internet.
“Qualquer tentativa de regular a questão deve, portanto, passar pelo crivo judicial, que é quem tem as melhores condições de avaliar se houve danos na veiculação de um determinado conteúdo”. (…) decisões tomadas a posteriori por juízes (e não pelas plataformas) permite o contraditório e a ampla defesa em juízo, respeitando os padrões internacionais do exercício da liberdade de expressão. Vale lembrar que a legislação brasileira já tem tipificado os crimes de calúnia e difamação, assim como o direito de resposta, cuja análise passa pelo Poder Judiciário”, diz um trecho da contribuição.
“A internet não inaugurou as notícias falsas no mundo”, afirma o advogado e ativista Paulo Rená, do Instituto Beta – Internet e Democracia. Ele cita que a própria mídia tradicional, historicamente, foi portadora de falsas informações, como no caso do debate das eleições presidenciais de 1989, quando a TV Globo montou o vídeo para prejudicar o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva para favorecer o seu adversário da época, Fernando Collor de Mello, que acabou vencendo aquele pleito.
Além de considerar a legislação brasileira já em vigor para combater a propagação de notícias falsas, tendo o Judiciário como moderador, a Frente Parlamentar pelo Direito à Comunicação sugere medidas para impedir filtros automatizados e pouco transparentes de plataformas como Facebook e Google, que, mesmo sem ordem judicial, acabam por prejudicar a livre expressão na rede.
“Uma regulação que poderia caminhar neste sentido seria a garantia da neutralidade das plataformas, evitando um controle editorial algorítmico das linhas do tempo. Outro regramento seria assegurar transparência sobre conteúdos pagos, obrigando as plataformas a manterem registros de anúncios e postagens impulsionadas, valores, anunciantes e alcance. Especialmente nas eleições, estes mecanismos são essenciais para evitar o abuso de propaganda paga na internet”, aponta o documento.
Notícias falsas também podem ser combatidas, segundo prevê a Frente, com políticas públicas de educação para a mídia e promoção de práticas de “empoderamento digital”. Já em termos legislativos, a única iniciativa, na visão da Frentecom, é a aprovação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no país.
“A produção e direcionamento das chamadas Fake News hoje são fruto da coleta e tratamento massivos e indiscriminados de dados pessoais. Por isso, como já recomendou a Comissão Europeia, quanto maior a proteção e o controle dos usuários sobre suas informações, menor a incidência de intermediários e da dinâmica que estimula a promoção das chamadas notícias falsas, seja por motivação política por meio de de conteúdos impulsionados, seja para fins de monetização por meio da busca de likes [curtidas] e compartilhamentos”, aponta o relatório parlamentar, que será distribuído entre deputados e senadores para fomentar o debate mais profundo sobre o tema.
Não há mais dúvidas sobre o enorme poder de influência que plataformas digitais como Facebook, Google e aplicativos de mensagens, como Whatsapp e Telegram, terão nas eleições de outubro. A produção e distribuição e larga escala de conteúdo por meio dessas redes tem gerado uma verdadeira avalanche de notícias, áudios, vídeos, fotos e memes na internet.
Essa montanha de informações, no entanto, também carrega muitos conteúdos manipulados, quando não completamente falsos, as chamadas “Fake News” (notícias falsas, em inglês) e que podem contribuir para promover incitação ao ódio, difamação e até mesmo indução de decisões cruciais numa democracia, como a definição do próprio voto.
O tema, extremamente sensível, porque mexe com uma questão fundamental, que é a garantia da liberdade de expressão em uma democracia – ainda mais em meio a um processo eleitoral –, foi tema de debate na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), nesta quinta-feira (10), em um evento promovido pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Social (Frentecom).
A Frente, composta por parlamentares e entidades da sociedade civil, produziu recentemente um documento, que foi entregue ao Conselho de Comunicação Social (CCS) do Senado, para subsidiar o debate em torno das Fake News. Há um forte movimento no meio político, apoiado também por setores da mídia empresarial, para a aprovação de projetos que, sob o argumento de combater a difusão de Fake News, podem acabar implantando um sistema de censura automática ao compartilhamento de conteúdos na internet.
Segundo o advogado Paulo Rená, do Instituto Beta – Internet e Democracia, há cerca de 20 projetos de lei em tramitação no Congresso, “a maioria problemático”, com claro viés de censura, e que inclui a criação de novo tipo penal: compartilhamento de notícias falsas. “Um dos projetos [PL 6812/17] fala em criminalizar quem produzir notícia ‘prejudicialmente incompleta’. O que é isso? Não vai poder publicar notícia prejudicial?”, questiona.
Ele cita outro exemplo de projeto que prevê punição para conteúdos que possam distorcer a verdade. “Então não precisa nem distorcer, basta só aquilo que possa distorcer?”, critica. Para o especialista, os projetos em curso usam “terminologias ruins” e impõem deveres aos intermediários [veículos e plataformas] da informação.
“Previsão de remoção imediata de conteúdo sob pena de multa [como propõem alguns projetos], o que vai acontecer? Tudo vai ser removido, tudo. Vai ser a eleição mais chapa branca de todos os tempos, todo mundo vai querer remover as notícias ruins sobre alguém e só vai ficar as notícias boas. Se isso não é um problema para a democracia, não sei o que é”, afirma o advogado.
Como combater?
Em um dos casos recentes de maior repercussão de notícias falsas no país, mensagens de ódio e informações inverídicas sobre a vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, foram propagadas em grande escala após o seu brutal assassinato, na capital carioca, no começo de março.
Numa verdadeira força-tarefa jurídica, uma equipe de advogadas do partido iniciou uma campanha de denúncia e responsabilização legal das pessoas, incluindo personalidades públicas que compartilharam os conteúdos caluniosos contra a honra e a imagem da parlamentar morta.
“Nós recebemos mais de 22 mil e-mails com denúncias de Fake News contra a Marielle. Nas imagens que chegavam, era possível perceber que os denunciantes comentavam nas postagens falsas informando ao usuário que compartilhou de que a informação era criminosa e alertando sobre acionamento judicial. Muitas pessoas excluíram as publicações antes mesmo da ordem judicial. A campanha serviu como espaço pedagógico e foi importante para que essa circulação [de notícias falsa sobre a Marielle] diminuísse", explica Samara Castro, advogada do PSOL que atua no caso Marielle.
No documento sobre Fake News, a Frentecom reforça o entendimento consagrado no Marco Civil da Internet que estabelece a necessidade do Poder Judiciário, por meio de ordem judicial, ser o balizador sobre a retirada de conteúdos na internet.
“Qualquer tentativa de regular a questão deve, portanto, passar pelo crivo judicial, que é quem tem as melhores condições de avaliar se houve danos na veiculação de um determinado conteúdo”. (…) decisões tomadas a posteriori por juízes (e não pelas plataformas) permite o contraditório e a ampla defesa em juízo, respeitando os padrões internacionais do exercício da liberdade de expressão. Vale lembrar que a legislação brasileira já tem tipificado os crimes de calúnia e difamação, assim como o direito de resposta, cuja análise passa pelo Poder Judiciário”, diz um trecho da contribuição.
“A internet não inaugurou as notícias falsas no mundo”, afirma o advogado e ativista Paulo Rená, do Instituto Beta – Internet e Democracia. Ele cita que a própria mídia tradicional, historicamente, foi portadora de falsas informações, como no caso do debate das eleições presidenciais de 1989, quando a TV Globo montou o vídeo para prejudicar o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva para favorecer o seu adversário da época, Fernando Collor de Mello, que acabou vencendo aquele pleito.
Além de considerar a legislação brasileira já em vigor para combater a propagação de notícias falsas, tendo o Judiciário como moderador, a Frente Parlamentar pelo Direito à Comunicação sugere medidas para impedir filtros automatizados e pouco transparentes de plataformas como Facebook e Google, que, mesmo sem ordem judicial, acabam por prejudicar a livre expressão na rede.
“Uma regulação que poderia caminhar neste sentido seria a garantia da neutralidade das plataformas, evitando um controle editorial algorítmico das linhas do tempo. Outro regramento seria assegurar transparência sobre conteúdos pagos, obrigando as plataformas a manterem registros de anúncios e postagens impulsionadas, valores, anunciantes e alcance. Especialmente nas eleições, estes mecanismos são essenciais para evitar o abuso de propaganda paga na internet”, aponta o documento.
Notícias falsas também podem ser combatidas, segundo prevê a Frente, com políticas públicas de educação para a mídia e promoção de práticas de “empoderamento digital”. Já em termos legislativos, a única iniciativa, na visão da Frentecom, é a aprovação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no país.
“A produção e direcionamento das chamadas Fake News hoje são fruto da coleta e tratamento massivos e indiscriminados de dados pessoais. Por isso, como já recomendou a Comissão Europeia, quanto maior a proteção e o controle dos usuários sobre suas informações, menor a incidência de intermediários e da dinâmica que estimula a promoção das chamadas notícias falsas, seja por motivação política por meio de de conteúdos impulsionados, seja para fins de monetização por meio da busca de likes [curtidas] e compartilhamentos”, aponta o relatório parlamentar, que será distribuído entre deputados e senadores para fomentar o debate mais profundo sobre o tema.
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