Por Paulo Nogueira Batista Jr., na revista CartaCapital:
A Argentina está sob ataque dos mercados e acabou tendo de recorrer ao FMI. O Banco Central foi levado a aumentar a taxa básica de juros para 40% ao ano (em comparação com taxas em torno de 6% a 8% na maioria das principais economias emergentes).
A esperança é de que essa pancada nos juros e o apoio do FMI desativem a corrida contra o peso argentino, a moeda que mais tem sofrido com a onda de desvalorizações provocada pela alta das taxas de juro nos Estados Unidos.
O que aconteceu? A Argentina era celebrada nos mercados desde a posse do presidente Mauricio Macri em fins de 2015. O FMI vinha fazendo avaliação basicamente positiva da política econômica desse país, ainda que com a ressalva de que o ajuste fiscal era excessivamente gradual.
Não é a primeira (nem será a última) vez que economias celebradas pelo mercado dão com os burros n’água. Paradoxalmente, a própria celebração pode ser uma das causas da crise. O otimismo dos mercados abre possibilidades de financiamento externo e aumenta a oferta de capitais estrangeiros para o país. Muitos governos não resistem à tentação e seguem a linha de menor resistência, o caminho do endividamento no exterior.
No passado recente, a Argentina acumulou considerável vulnerabilidade externa. Não é por acaso que ela aparece como caso extremo entre os emergentes na conjuntura atual. Não é por acaso que ela caiu nos braços do FMI.
Bem sei, leitor, que estatística mata qualquer conversa. Mas peço a sua paciência para mostrar alguns indicadores macroeconômicos que revelam duas coisas importantes: 1. A posição argentina é muito precária. 2. Ela é bem pior do que a brasileira.
Na Argentina, o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui comércio de bens, serviços, juros e outras rendas do capital) cresceu rapidamente e se aproximou da marca perigosa de 5% do PIB. Parte pequena desse déficit vinha sendo coberta por investimentos diretos (uma forma geralmente mais estável de ingresso de capital).
O grosso do financiamento vinha do endividamento externo, principalmente do setor público. Entre 2015 e 2017, a dívida externa da Argentina aumentou de 28% para 36% do PIB.
O rápido crescimento do déficit externo resultou da retomada gradual da economia argentina (que levou a um aumento da demanda por importações) e de certa apreciação do peso argentino (que diminuiu a competitividade das exportações e barateou as importações). Em dezembro de 2017, o FMI estimava a sobrevalorização do peso entre 10% e 25%, dependendo da metodologia de cálculo.
Para agravar o quadro, as reservas internacionais da Argentina são relativamente baixas, apesar de certa recuperação no passado recente. Em dezembro, as reservas brutas alcançaram 50 bilhões de dólares, o equivalente a apenas sete meses de importação de bens e serviços. Comparadas ao tamanho da economia argentina, as reservas do país são baixas: menos de 9% do PIB, em comparação com 20% no caso do Brasil e 15% no do México.
Mesmo esse dado pode ser um pouco enganoso. As reservas líquidas eram da ordem de 40 bilhões de dólares, uma vez que há obrigações de 10 bilhões no quadro de um acordo de swap bilateral com o Banco Central da China.
As autoridades argentinas tinham consciência do problema e chegaram a anunciar um plano de acumulação de reservas com o intuito de aumentá-las para o equivalente a 15% do PIB, nível mais próximo do que se observa em outros países da América Latina. Estranhamente, o FMI desencorajava esse plano. Apesar de apontar a sobrevalorização do peso e o aumento do desequilíbrio externo, o staff do FMI recomendava adiar a acumulação de reservas com o argumento de que isso pressionaria a taxa de câmbio nominal e dificultaria o combate à inflação.
Como fica o Brasil? A nossa posição é claramente mais forte. O déficit de balanço de pagamentos em conta corrente é pequeno, inferior a 0,5% do PIB nos 12 meses até março. A entrada de investimentos diretos supera 3% do PIB no mesmo período. Ainda que a recuperação da atividade leve a um aumento do déficit, dificilmente nos aproximaríamos de níveis perigosos no horizonte visível. Além disso, as reservas internacionais brutas são altas, como mencionado, e o estoque de swaps cambiais é de apenas 24 bilhões de dólares, segundo o Banco Central.
As reservas internacionais de cerca de 380 bilhões de dólares constituem uma herança positiva do período Lula e, em menor medida, do período Dilma. O Brasil começou a acumular reservas para valer a partir de 2006, e isso tem nos proporcionado tranquilidade importante em momentos de turbulência.
Na época em que o nosso país começou a reforçar a sua posição de reservas, eu era diretor-executivo no FMI pelo Brasil e outros países. Posso testemunhar que o staff do FMI sempre foi crítico desse nosso esforço de autoproteção. Insistiam em argumentar que o nível de reservas estava acima do requerido e que não valia a pena incorrer no custo em mantê-las.
Compreensível. O que seria do FMI se todos os países fossem prudentes?
A Argentina está sob ataque dos mercados e acabou tendo de recorrer ao FMI. O Banco Central foi levado a aumentar a taxa básica de juros para 40% ao ano (em comparação com taxas em torno de 6% a 8% na maioria das principais economias emergentes).
A esperança é de que essa pancada nos juros e o apoio do FMI desativem a corrida contra o peso argentino, a moeda que mais tem sofrido com a onda de desvalorizações provocada pela alta das taxas de juro nos Estados Unidos.
O que aconteceu? A Argentina era celebrada nos mercados desde a posse do presidente Mauricio Macri em fins de 2015. O FMI vinha fazendo avaliação basicamente positiva da política econômica desse país, ainda que com a ressalva de que o ajuste fiscal era excessivamente gradual.
Não é a primeira (nem será a última) vez que economias celebradas pelo mercado dão com os burros n’água. Paradoxalmente, a própria celebração pode ser uma das causas da crise. O otimismo dos mercados abre possibilidades de financiamento externo e aumenta a oferta de capitais estrangeiros para o país. Muitos governos não resistem à tentação e seguem a linha de menor resistência, o caminho do endividamento no exterior.
No passado recente, a Argentina acumulou considerável vulnerabilidade externa. Não é por acaso que ela aparece como caso extremo entre os emergentes na conjuntura atual. Não é por acaso que ela caiu nos braços do FMI.
Bem sei, leitor, que estatística mata qualquer conversa. Mas peço a sua paciência para mostrar alguns indicadores macroeconômicos que revelam duas coisas importantes: 1. A posição argentina é muito precária. 2. Ela é bem pior do que a brasileira.
Na Argentina, o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui comércio de bens, serviços, juros e outras rendas do capital) cresceu rapidamente e se aproximou da marca perigosa de 5% do PIB. Parte pequena desse déficit vinha sendo coberta por investimentos diretos (uma forma geralmente mais estável de ingresso de capital).
O grosso do financiamento vinha do endividamento externo, principalmente do setor público. Entre 2015 e 2017, a dívida externa da Argentina aumentou de 28% para 36% do PIB.
O rápido crescimento do déficit externo resultou da retomada gradual da economia argentina (que levou a um aumento da demanda por importações) e de certa apreciação do peso argentino (que diminuiu a competitividade das exportações e barateou as importações). Em dezembro de 2017, o FMI estimava a sobrevalorização do peso entre 10% e 25%, dependendo da metodologia de cálculo.
Para agravar o quadro, as reservas internacionais da Argentina são relativamente baixas, apesar de certa recuperação no passado recente. Em dezembro, as reservas brutas alcançaram 50 bilhões de dólares, o equivalente a apenas sete meses de importação de bens e serviços. Comparadas ao tamanho da economia argentina, as reservas do país são baixas: menos de 9% do PIB, em comparação com 20% no caso do Brasil e 15% no do México.
Mesmo esse dado pode ser um pouco enganoso. As reservas líquidas eram da ordem de 40 bilhões de dólares, uma vez que há obrigações de 10 bilhões no quadro de um acordo de swap bilateral com o Banco Central da China.
As autoridades argentinas tinham consciência do problema e chegaram a anunciar um plano de acumulação de reservas com o intuito de aumentá-las para o equivalente a 15% do PIB, nível mais próximo do que se observa em outros países da América Latina. Estranhamente, o FMI desencorajava esse plano. Apesar de apontar a sobrevalorização do peso e o aumento do desequilíbrio externo, o staff do FMI recomendava adiar a acumulação de reservas com o argumento de que isso pressionaria a taxa de câmbio nominal e dificultaria o combate à inflação.
Como fica o Brasil? A nossa posição é claramente mais forte. O déficit de balanço de pagamentos em conta corrente é pequeno, inferior a 0,5% do PIB nos 12 meses até março. A entrada de investimentos diretos supera 3% do PIB no mesmo período. Ainda que a recuperação da atividade leve a um aumento do déficit, dificilmente nos aproximaríamos de níveis perigosos no horizonte visível. Além disso, as reservas internacionais brutas são altas, como mencionado, e o estoque de swaps cambiais é de apenas 24 bilhões de dólares, segundo o Banco Central.
As reservas internacionais de cerca de 380 bilhões de dólares constituem uma herança positiva do período Lula e, em menor medida, do período Dilma. O Brasil começou a acumular reservas para valer a partir de 2006, e isso tem nos proporcionado tranquilidade importante em momentos de turbulência.
Na época em que o nosso país começou a reforçar a sua posição de reservas, eu era diretor-executivo no FMI pelo Brasil e outros países. Posso testemunhar que o staff do FMI sempre foi crítico desse nosso esforço de autoproteção. Insistiam em argumentar que o nível de reservas estava acima do requerido e que não valia a pena incorrer no custo em mantê-las.
Compreensível. O que seria do FMI se todos os países fossem prudentes?
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