quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A estranha obsessão de Olavo de Carvalho

Por Mário Magalhães, no site The Intercept-Brasil:

Leitor bissexto de Olavo de Carvalho, eu supunha que o escritor paulista tivesse superado a fase anal do desenvolvimento psicossexual. É aquela que, estabelece certa literatura psicanalítica, encerra-se aos três ou quatro anos de vida. O engano findou quando assisti ao vídeo de sua recente entrevista ao repórter Fred Melo Paiva, da CartaCapital. Ao falar da confiança de Jair Bolsonaro em ações policiais virtuosas, Carvalho provocou: “Isso é fascismo? Fascismo é o cu da sua mãe”.

Depois de uma carreira discreta como jornalista e astrólogo, Carvalho reencarnou na pele de autoproclamado filósofo. Ministrou cursos online para milhares de alunos e colecionou 533 mil seguidores no Facebook. Atribui-se a ele a indicação dos nomes ou a inspiração para a escolha de dois ministros pelo presidente eleito: o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Seria o guru ou o ideólogo mais prestigiado pela família Bolsonaro.

“Ideólogo”, preferiu numa edição a Folha de S. Paulo. Carvalho vituperou: “Atenção, ô chefe da fôia: Ideólogo é o cu da sua mãe”.

Louvaminheiros o cultuam como um pensador. Numa nota repetitiva, ele pronuncia incessantemente o substantivo com uma sílaba e duas letras que o Houaiss enuncia como “orifício na extremidade inferior do intestino grosso, por onde são expelidos os excrementos”.

Lacrador, gracejou: “Em breve só restarão duas religiões no mundo: maconha e cu”.

Interpretou o Brasil, do alto da condição de dono de “uma perspectiva geopolítica mais ampla” e “mais profunda” do que a “de Donald Trump” e “seu secretário de Estado”: “O cu do mundo é aí [o Brasil]”; “e olha que é um cuzão”; “vocês estão que nem aquele sujeito que estava limpando o cu do elefante, e o elefante decidiu sentar, e o cara ficou lá dentro, atolado”.

Negacionista das mudanças climáticas, sofisticou o argumento: “Combustível fóssil é o cu da sua mãe. Não existe combustível fóssil porra nenhuma. Isso é uma farsa, uma palhaçada”.

Confrontado com o pensamento divergente, nocauteou: “Ora, moleque, vai tomar no olho do seu cu”.

Autor de livros “aplaudidos pelas maiores inteligências do mundo”, a confiar em sua declaração à repórter Beatriz Bulla, de O Estado de S. Paulo, Carvalho especulou no passado sobre palavrões: “Segundo entendo, foram inventados precisamente para as situações em que uma resposta delicada seria cumplicidade com o intolerável”.

Seria intolerável um urso que o escritor matou numa caçada aparentemente legal nos Estados Unidos, onde se radicou há 13 anos? Ao lado de um animal abatido, ele disparou: “Fui buscar hoje a minha Henry Big Boy [rifle] cal. 45-70. Pau no cu dos ursos”.

Não trai cumplicidade, e sim receio, ao se referir a contendores políticos: “Os caras vêm com uma piroca deste tamanho e põem no nosso cu”. Uma variante, físico-erótico-estética: “Toda piroca se torna invisível ao entrar no seu cu”.

Carvalho se embrenhou na dialética do fiofó: “Esquerdistas são pessoas que lutam pelo direito de dar o rabo sem ser discriminadas, ao mesmo tempo em que protestam para reclamar que só tomam no cu”.

Assim como a peroração sobre “cumplicidade com o intolerável” se desmancha com o exemplo do urso, o ex-astrólogo que se apresenta como “escritor de envergadura universal” derrapa na aula de história. “Não se pode vencer uma guerra dando o cu”, pontificou. Do além, guerreiros gregos de outrora gargalham com a ignorância do professor.

‘O estado das pregas’

A obsessão pelo furico alheio não é comportamento merecedor de considerações morais, e sim um mistério da alma de Carvalho. Ela a expressa contra os suspeitos de sempre: “Quando um esquerdista brasileiro chama você de fascista, ele não quer dizer que você defendeu alguma ideia fascista. Ele só quer dizer o seguinte: ‘Ai, meu cu’”.

E nas dissensões da confraria reaça, como neste tuíte endereçado ao economista Rodrigo Constantino: “Só não digo que seita fechada é o seu cu porque não averiguei o estado das pregas”.

É o próprio Olavo de Carvalho, 71, quem associa xingamentos e prazer: “A velhice é uma delícia: você não precisa respeitar mais ninguém, pode mandar todo mundo tomar no cu. É uma libertação”.

Esse papo “libertário” já está qualquer coisa? O sábio cultivado por Bolsonaro dá de ombros: “O que essa palavrinha está fazendo aí em cima? Nada de mais. Apenas avisando que só pararei de falar de cus quando pararem de ensinar as criancinhas a dar os seus”.

Até para falar de cu Carvalho apela a palavras sem lastro nos fatos: lições para “criancinhas” darem “os seus” é invencionice.

O ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, hoje convertido ao ultradireitismo, proporcionou um discurso mais envernizado a legiões de extremistas de direita semiletrados. Jogada certeira do instrutor com formação autodidata: identificou uma necessidade e saciou-a. Mas não foi mais importante para o desenlace eleitoral do que, numa só menção, Edir Macedo. O que não significa que influencie menos do que o bispo na composição do futuro governo – ocorre o contrário.

O dito filósofo que se pavoneia como portador de “consciência da vida intelectual como ninguém mais tem”, recorre a pressupostos ilusórios para formular sínteses. Ao ouvir o nome da exposição Queermuseu, comentou: “Tava lá a menininha mexendo no pinto do homem”.

Isso, sabidamente, não aconteceu.

Carvalho chuta: “O empresariado brasileiro está vinculado à esquerda há mais de 50 anos”.

Eu penso: que o diga a coalizão, também empresarial, que derrubou Dilma Rousseff.

Relata: “As Farc têm o monopólio praticamente da distribuição de cocaína no Brasil”.

Pobre planeta: foi engambelado, em 2016, pela extinção da anacrônica guerrilha colombiana e sua decisão de depor armas.

Numa de suas satisfações supremas, historiar o jornalismo brasileiro, ensinou: “Durante o governo militar, os esquerdistas já dominavam a mídia inteira. Você não tinha um jornal chefiado por um cara de direita; nenhum”.

Trata-se de impiedosa injustiça com Boris Casoy, que chefiou a Folha durante anos, em plena ditadura. E com tantos outros editores de direita.

Em agosto de 2016, o guru de Bolsonaro concluiu, sobre o então presidente dos EUA: “Hoje em dia acredito mesmo que o Obama é um agente russo plantado na política americana”. Olavo de Carvalho é autor do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”.

Com alicerce de fantasias, fica fácil erguer catedrais fictícias. Seria como eu alinhavar o balanço futebolístico do Flamengo neste ano considerando-o campeão nacional de 2018. Que tentação.

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