Por Augusto C. Buonicore, no site da Fundação Maurício Grabois:
Desde o início da Revolução de 1917 o antissemitismo foi usado contra o bolchevismo. Os “exércitos brancos”, apoiados pelo imperialismo, afirmavam que a Revolução de Outubro era mais uma página da conspiração judaica universal e organizavam pogroms. Lênin declarou: “Apenas as pessoas totalmente ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas contra os judeus (...). Os inimigos dos trabalhadores não são os judeus, e sim os capitalistas”. O governo soviético reconheceu-os como nação, com direito a uma língua, uma cultura e território próprios. Criminalizou o racismo e o antissemitismo. Algumas décadas depois o Exército Vermelho, comandado por Stalin, derrotou as hordas nazifascistas, salvando milhões de judeus. A própria criação e sobrevivência do Estado de Israel se deve, em grande parte, aos soviéticos.,
A relação entre o socialismo soviético e o judaísmo deu a base para inúmeras afirmações, no mínimo, paradoxais. Um livro de Isaias Golcher chegou a afirmar: “Stalin teve em mente completar a obra que seu aliado Hitler não pode concluir: fazer uma Europa ‘expurgada de judeus’ (...). Depois de Hitler, o maior inimigo do povo judeu foi Stálin (...). Stalin (...) compartilhava do ódio bestial de Hitler contra os judeus”. Contraditoriamente, “ele passou a vida toda como vigoroso adversário do antissemitismo.” E, em sua feroz campanha antissemita, “jamais mencionava o nome ‘judeu’ e chegava mesmo a fazer referências condenatórias ao judeofobismo”. Opinião disseminada amplamente durante a Guerra Fria.
Trotsky, em Termidor e antissemitismo (1937), lembrava que em apenas 20 anos era impossível superar um preconceito enraizado entre os setores mais atrasados da população. Escreveu: “A Rússia era conhecida não apenas por seus pogroms, mas também pela existência de um número considerável de publicações antissemitas (...). A metade mais velha da população foi educada sob o czarismo. A metade mais jovem herdou muito dos mais velhos (...). É impossível que preconceitos nacionais e chauvinistas, particularmente o antissemitismo, não tenham persistido fortemente entre as camadas atrasadas da população”. Existia, porém, outra razão para o antissemitismo continuar existindo na sociedade soviética: “os judeus ocupavam um lugar desproporcionalmente grande entre a burocracia (...). O ódio dos camponeses e trabalhadores pela burocracia é um fato fundamental da vida soviética”. E conclui que esse ódio, “assumiria uma cor antissemita”. A afirmação de Trotsky testemunha o quão longe a URSS estava da Alemanha nazista. Esta proibia os judeus de ocupar cargos públicos e de exercerem várias profissões, além de organizar pogroms contra eles. Em breve começariam as deportações em massa e a construção dos campos de extermínios. Mais de seis milhões de judeus morreriam nas mãos dos nazistas e seus aliados.
Os judeus e a revolução social
Na tradição marxista o papel desempenhado pelos judeus era, em geral, considerado positivo. Kautsky, principal teórico da II Internacional pós-Engels, afirmou: “Os judeus tornaram-se um eminente fator revolucionário”. O líder da Revolução Russa, Lênin, falou dos “nobres traços universalmente progressistas da cultura judaica: o seu internacionalismo e a sua adesão aos movimentos progressistas. (...) O percentual dos judeus aderentes aos movimentos democráticos e proletários é, em toda parte, mais alto do que o percentual dos judeus na população em geral”. Isso açulava ainda mais a propaganda contrarrevolucionária, sempre procurando associar marxismo e judaísmo.
As mitologias de uma conspiração judaica mundial são bem antigas e foram muito utilizadas pelas igrejas cristãs e pelos setores mais reacionários da sociedade desde o feudalismo. Na Rússia, a tentativa de ligar os judeus aos movimentos revolucionários teve como um dos seus marcos o assassinato do Czar Alexandre II, realizado pelo grupo Vontade do Povo, em março de 1881. O atentado tornou-se o álibi para a realização de pogroms em Kiev, Odessa e outras dezenas de localidades. O antissemitismo tornou-se uma arma ideológica contra a oposição ao czarismo, especialmente os socialistas.
O sucessor ao trono, Alexandre III, era ainda mais conservador. Seu reinado durou até 1894, quando assumiu Nicolau II. Segundo Trotsky, no início do século 20, existiam cerca de 650 leis limitando os direitos cívicos dos judeus russos. Os jovens foram praticamente excluídos das universidades e de várias profissões, aproximando-os de posições revolucionárias.
Uma nova onda de pogroms estalou em 1903. O mais famoso ocorreu em Kichinev, capital da Bessarábia, no qual morreram mais de 50 pessoas e 500 ficaram feridas. No mesmo ano forjou-se nos porões da polícia secreta a mais importante obra do antissemitismo: Os protocolos dos sábios do Sião, tratando de uma mirabolante conspiração judaica visando dominar o mundo. O seu maior divulgador nos Estados Unidos foi o industrial Henry Ford. Descobriu-se a fraude em 1921, mas de nada adiantou, pois ela continuou sendo utilizada pelos antissemitas e nazifascistas. No seu Main Kampf, escrito entre 1925-1926, Hitler afirmou: “Os Protocolos dos Sábios do Sião, tão detestado pelos judeus, mostram, de uma maneira incomparável, a que ponto a existência desse povo é baseado numa mentira ininterrupta. ‘Tudo é falsificado’, geme sempre o Frankfurter Zeltung, o constitui mais uma prova de que tudo é verdade”. No Brasil a obra foi publicada em 1937, traduzida e divulgada pelo líder integralista Gustavo Barroso.
Pressionado pela revolução, em outubro de 1905, o Czar Nicolau II promulgou o Manifesto Constitucional, garantindo alguns poucos direitos democráticos. A direita pró-absolutismo respondeu com novos pogroms. Escreveu o Czar: “Logo após o Manifesto (constitucional) os maus elementos levantaram a cabeça, logo se produziu uma forte reação, e toda massa de homens fiéis se pôs de pé. O resultado foi naturalmente o mesmo que o de costume: o povo ficou exasperado pela audácia dos revolucionários e dos socialistas, e como nove décimo são judeus, toda cólera se voltou contra eles – daí os pogroms. É surpreende constatar com que unanimidade explodiram imediatamente em todas as cidades da Rússia.” Na verdade, por trás desses massacres “espontâneos” estavam agentes policiais e grupos de extrema-direita.
Às vésperas da I Guerra Mundial, os bolcheviques apresentaram ao parlamento um projeto de lei propondo abolir todas as restrições legais existente contra as minorias nacionais. “Mas ele, afirmou Lênin, se detém particularmente nas restrições contra os judeus. O motivo disso é bastante compreensível: nenhuma nação na Rússia é tão oprimida e perseguida quanto a judaica.” Em janeiro de 1917 diria: “Os judeus forneceram uma porcentagem particularmente elevada (...) de líderes do movimento revolucionário (...), comparada a outras nações.” As posições de Lênin começavam a mudar, considerando os judeus enquanto nação.
A contrarrevolução e o antissemitismo
Desde a Revolução de Fevereiro de 1917 o antissemitismo passou a ser usado contra os bolcheviques. Em setembro o Times londrino escrevia: “Os sovietes é composto (...), na maioria dos casos, por típicos judeus internacionais”. Dois meses depois, o mesmo jornal afirmaria: “Lênin e vários de seus confederados são aventureiros de sangue germano-judeu”. Por sua vez o correspondente do Morning Post escreveu: “Os extremistas, dirigidos por personagens de duplo nome, de origem germano-judaica, que se fazem passar por russos, Lênin-Zedeblum, Trotsky-Bronstein e outros da mesma laia, se apoderaram de Petrogrado (...). A imprensa publica numerosas proclamações que denunciam o governo judaico (...). A segunda etapa do grande jogo que aqui se joga é a derrubada do governo judeu”.
Durante a guerra civil os “exércitos brancos”, apoiados pelo Ocidente capitalista, divulgaram cópias de um folheto afirmando ser a Revolução Bolchevique mais uma página da conspiração judaica universal. O Almirante Kolchak, dominador da Sibéria, em fevereiro de 1919, discursou aos camponeses: “Desperta, povo russo, toma o teu bastão e expulsa a canalha judia, que arruína a Rússia”. Nas regiões por eles ocupadas ocorreram cerca de 2 mil pogroms, vitimando mais de 75 mil judeus e causando o êxodo de cerca de um milhão deles. As comunidades judaicas procuravam abrigo junto aos “vermelhos” como forma de garantir suas vidas e propriedades.
Quando as forças britânicas, por sua vez, desembarcaram na Rússia também distribuíram fartamente materiais de propaganda anti-judaicos. O reverendo B. S. Lombard, capelão da sua Marinha, dizia: “(o bolchevismo) é um produto da propaganda alemã e dirigido pelos judeus internacionais.” O futuro primeiro-ministro inglês, Churchill, afirmou em janeiro de 1920: “(os bolcheviques) querem destruir toda fé religiosa que consola e inspira o ânimo humano. Creem no soviete internacional dos judeus russos e polacos. Nós continuamos a crer no Império Britânico”.
No transcurso das revoluções alemã e húngara um falso documento secreto do governo francês, produzido por emigrados russos, circulou por toda a imprensa ocidental: “Os judeus já obtiveram o reconhecimento formal de um Estado judeu na Palestina (através da Declaração Balfour); conseguiram igualmente constituir uma república judaica na Alemanha e na Hungria; são esses os primeiros passos rumo ao futuro domínio mundial pelos judeus, mas não seu último esforço.” O mesmo Churchill escreveria: “Esse movimento entre judeus não é novo. Já desde os dias de Spartakus Weishaupt (os iluminados da Baviera) até os dias de Marx e, depois, de Trotsky (Rússia), de Bela Kun (Hungria), de Rosa de Luxemburgo (Alemanha) e de Emma Goldman (Estados Unidos) se expande essa conspiração mundial pela derrocada da civilização e pela transformação da sociedade (...) numa inveja maléfica e em uma igualdade impossível.”.
Lembramos das palavras do próprio Hitler na sua precoce autobiografia, Mein Kampf (1925), marcada pelo discurso do complô judaico-bolchevismo. Nela está escrito: “É tão impossível à Rússia livrar-se do jugo judaico (...), como ao judeu manter o controle sobre o vasto império ainda por muito tempo. Ele não é um elemento organizador, mas antes um fermento de decomposição. O imenso império está prestes a ruir. O fim do domínio judaico será também o fim da Rússia como Estado. (...) uma catástrofe que será a mais formidável confirmação da verdade da teoria racial”. “Devemos enxergar no bolchevismo russo e tentativa do judaísmo, no século XX, de apoderar-se do domínio do mundo”. O marxismo bolchevista teria como finalidade última “a destruição de todas as nacionalidades não judaicas”. Na Rússia soviética o “judeu com uma ferocidade verdadeiramente fanática, trucidou cerca de 39 milhões de pessoas, algumas por meio das torturas desumanas, outros pela fome, e tudo isso com o fito de assegurar a um lote de judeus literatos e bandidos da bolsa o domínio sobre um grande povo”.
Os bolcheviques contra o antissemitismo e os pogroms
Ao contrário do que faziam os exércitos brancos, em março de 1919, Lênin gravou em disco o discurso “Sobre os pogroms contra os judeus”. Ele era tocado nas aldeias. O objetivo era atingir as massas populares analfabetas, impossibilitadas de ler os panfletos bolcheviques. Discursou Lênin: “A abominável monarquia tzarista, ao viver seus últimos dias, buscava lançar os operários e camponeses ignaros contra eles e organizava pogroms. (...). A hostilidade aos judeus permanece forte apenas onde a dominação dos latifundiários e capitalistas promoveu um obscurantismo entre os operários e camponeses. Apenas as pessoas totalmente ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas contra os judeus (...). Os inimigos dos trabalhadores não são os judeus, e sim os capitalistas de todos os países. (...) Malditos sejam os que semeiam a hostilidade aos judeus e o ódio a outras nações”. (Ouça o discurso completo de Lênin legendado https://www.youtube.com/watch?v=3HL6236mBdU )
O historiador anticomunista, Leonard Schapiro, não escondeu que: “milhares de judeus se aliaram aos bolcheviques (...). No momento da tomada do poder, a participação judaica estava longe de insignificante na cúpula do partido. Cinco dos vinte e um membros titulares do Comitê Central eram judeus.” Entre 1917-1918 o número de judeus bolcheviques subiu para 16%. Eles representavam menos de 5% da população.
Então, Lênin incorpora parte do programa do União Geral Operária Judaica da Lituânia, Polónia e Rússia (Bund), reconhecendo os judeus como nação, com direito a uma língua, uma cultura e território próprios. Foram revogadas todas as legislações contra as minorias nacionais e se criminalizou o antissemitismo. Os bolcheviques constituíram uma seção judaica (Evserskia) no partido e um Comissariado para assuntos judaicos. Reconheceu-se o iídiche como língua oficial dos judeus russos. Em meados da década de 1930 existiam 2.400 escolas judaicas com cerca de 600 mil alunos. No mesmo período foi criada a Região judaica autônoma do Birobidjão. “Pela primeira vez na história do povo judeu está realizando o seu ardente desejo de formar sua Pátria, seu próprio Estado Nacional”. Segundo Arlene Clemesha: “Os primeiros anos da revolução foram marcados por um florescimento, sem precedentes na Rússia, da cultura judaica (...) Na medida em que tiveram uma liberdade jamais vista para a utilização de sua língua, publicação de livros, revistas e jornais, manutenção de escolas onde o idioma era o ídiche, enfim, em todos os aspectos culturais”.
Stalinismo e antissemitismo
Em 1929 o Estado soviético, já sob direção de Stálin, publicou o livro de G. Ledatt intitulado O antissemitismo e os antissemitas: perguntas e respostas numa tiragem de 50 mil exemplares. Nele está escrito: “O micróbio do antissemitismo penetrou mesmo em certos setores atrasados do Partido (...). O incremento do antissemitismo está intimamente ligado à intensificação da luta de classes (...). Numa fábrica um processo contra os antissemitas revelou que antigos agentes policiais e mesmo padres encontraram asilo nesse local. Eles haviam subjugado um grupo de operários fiéis ao passado”. Ocorreram 38 processos por antissemitismo somente em Moscou entre janeiro e setembro de 1928.
Numa entrevista concedida à Agência Telegráfica Judaica, em janeiro de 1931, Stalin afirmou: “O antissemitismo, sendo uma forma extrema de chauvinismo racial, é o remanescente mais perigoso do canibalismo. O antissemitismo é útil para os exploradores (...) para proteger o capitalismo de ser derrubado pelo povo trabalhador. O antissemitismo é um perigo para os trabalhadores; é um caminho errado que os desvia da estrada certa (...). Como internacionalistas, os comunistas não podem deixar de ser inconciliáveis ??e jurarem-se inimigos do antissemitismo”. Não podemos saber o que, no fundo, pensava Stalin. Mas, suas opiniões eram encaradas quase como uma ordem para os comunistas de todo o mundo.
Mas, nem tudo foi tranquilo nesse campo. Nos Processos de Moscou (1936-1938) vários dos principais acusados eram de origem judaica. Isso levou à acusação de antissemitismo, embora nesses processos não tivesse aparecido a acusação de sionismo. Em resposta, o próprio Stálin teria dito: “Lutamos contra Trotsky, Zinoviev e Kamenev não porque são judeus, mas porque são oposicionistas”. Segundo Trotsky, o antissemitismo teria sido usado sub-repticiamente (não oficialmente) a fim de atingir as massas mais atrasadas. Isso estaria demonstrado no fato de se utilizarem os nomes verdadeiros (judeus) pelos quais os acusados não eram conhecidos, como Bronstein (Trotsky). Nestes casos devemos concordar que a condição de judeu não foi um dos motivos para as condenações. Vários judeus poderiam ser numerados entre os carrascos da oposição, como o chefe da polícia secreta Yagoda. Aqui não me aprofundarei nos Processos de Moscou sobre os quais tenho uma visão extremamente crítica.
Quando a Alemanha nazista invadiu à URSS, em novembro de 1941, Stalin fez um contundente discurso perante o Soviete de Moscou: “O regime hitlerista é uma cópia do regime reacionário que existia na Rússia sob o domínio tzarista. É sabido que os hitleristas arrebatam os direitos dos operários e dos intelectuais, como fazia o czarismo; e que organiza também, com satisfação, matanças de judeus, próprias da Idade Média, tal como o regime tzarista. O partido hitlerista é o partido inimigo das liberdades democráticas, o partido reacionário medieval, o partido dos pogroms”. Nenhum grande líder ocidental foi tão duro publicamente contra o antissemitismo nazista. Por isso, Hitler gostava de dizer que por trás de Stalin estavam os judeus.
Um autor insuspeito de stalinismo, Isaac Deutscher, escreveu: “Stalin, pessoalmente, era isento de preconceito racial grosseiro e cuidava de não transgredir abertamente o princípio partidário hostil ao antissemitismo. Os judeus se destacavam bastante entre os que cercavam (...). Litvinov passou mais de dez anos à frente do serviço diplomático soviético; Kaganovitch foi até o fim factotum de Stalin; Meklis era o principal comissário político do Exército; e Zaslavski e Ehrenburg eram os mais populares entre os bajuladores de Stálin”. Continua ele: “Enquanto os exércitos de Hitler avançavam, as autoridades soviéticas fizeram o possível para evacuar os judeus das áreas ameaçadas (...). Com a autorização de Stalin formou-se um Comitê Judaico Antifascista” E, “após a guerra, os soviéticos culpados de colaboração com os nazistas e de perseguição aos judeus foram punidos como traidores”.
O Comitê Judaico Antifascista, criado em 1942, tinha alguns objetivos: “divulgar informações (...) sobre as atrocidades cometidas pelo regime nazista alemão. Deste modo, a acusação soviética no julgamento de Nuremberg pôde dispor de um relatório (‘O livro negro’) sobre as perseguições de judeus por parte dos nazistas.”. Sempre é bom lembrar que o Exército Vermelho foi o principal responsável pela derrota das hordas nazistas e a libertação dos campos de extermínios. Assim, milhões de judeus foram salvos. A vitória de Hitler representaria o seu extermínio completo.
Os comunistas e o Estado de Israel
Durante a II Guerra Mundial os comunistas começaram a mudar sua posição quanto ao problema de um lar judaico na Palestina. O jornal Tribuna Popular, publicou o artigo “A posição dos comunistas em relação à Palestina”, assinada por M. Katz: “Pela primeira vez o PCEUA exprimiu o seu repúdio ao ‘livro branco’ de Chamberlain que proíbe e imigração e colonização judaica, apoiando a exigência do lar nacional judaico palestino. (...) Essa posição foi se formando a partir de 1935. Até então relacionavam a existência de um lar judeu na Palestina com o sionismo”. Os jornais comunistas passaram a publicar matérias denunciando a ação inglesa na Palestina, impedindo a imigração judaica. Os ingleses, por sua vez, pediam que a URSS, Romênia, Tchecoslováquia e Polônia parassem de enviar mais judeus à região. Dominique Vital esclarece: “A URSS apoiou direta ou indiretamente as operações clandestinas de imigração organizadas pela Agência Judaica nos países do Leste Europeu (...). Assim, entre 1948 e 1951, mais de 300.000 judeus da Europa Oriental chegaram a Israel; ou seja, mais da metade do total de imigrantes”, criando um fato consumado.
Andrei Gromyko, vice-ministro das relações exteriores soviético, dirigindo-se à Assembleia Geral da ONU afirmou: “A experiência do passado e especialmente da Segunda Guerra Mundial provou que nenhum dos países da Europa Ocidental tem sido capaz de dar ao povo judeu a ajuda necessária para a defesa de seus direitos e nem mesmo para a proteção de sua existência. Isso explica a aspiração dos judeus pela criação de um Estado para eles”. Mas, disse ser ainda favorável a “criação de um Estado judeu-árabe unificado”. Caso isso não fosse possível – devido as graves divergências entre judeus e árabes - apoiaria a “partilha da Palestina em dois Estados”. Na ocasião, Ben Gurion, futuro primeiro-ministro de Israel, afirmou: “A União Soviética é o único poder que apoia nossa causa.”.
Alguns meses depois, no dia 29 de novembro de 1947, a URSS e sua área de influência votaram favoravelmente pela divisão da Palestina em dois Estados como “único meio de reduzir o banho de sangue”. Poucas horas antes de se esgotar o mandato britânico, em 14 de maio de 1948, declarou-se a “independência” de Israel. O governo de Stalin foi o segundo a reconhecê-lo. A Tchecoslováquia tornou-se a principal fornecedora de armas aos grupos guerrilheiros judeus, incluindo o Hannaga - conhecido por suas práticas terroristas. Ben Gurion diria: “As armas tchecas salvaram o país (…). Foi a ajuda mais importante que obtivemos. Duvido muito que sem elas poderíamos ter sobrevivido aos primeiros meses”.
Em setembro de 1948 chegou à Moscou Golda Meier, a primeira embaixadora do novo Estado. Foi calorosamente recebida na grande sinagoga por 30.000 pessoas. Mobilizações se repetiram no “ano novo judaico” e no Yon Kippur. Numa entrevista ela declarou: “eram dias de ‘lua de mel’, quando nós, israelenses, e os russos éramos grandes amigos”. Esses eventos massivos assustaram as autoridades soviéticas. Começavam a duvidar da fidelidade de alguns líderes russos de origem judaica e suspeitar do excesso de simpatia à Israel. Essas suspeitas eram exageradas e, dentro de alguns anos, levariam à tragédia para muitos comunistas russos.
Enquanto Golda Meir era comemorada em Moscou, o primeiro-ministro David Ben Gurion recebia o embaixador estadunidense dizendo: “Israel saúda o apoio russo nas Nações Unidas. Mas não tolerará qualquer dominação soviética. Não só Israel é ocidental em sua orientação, mas nosso povo é democrata e tem claro que não pode se tornar forte e permanecer livre, exceto através da cooperação com os Estados Unidos”. O governo de Israel, oportunisticamente, namorava os dois lados, mas pendia claramente para o campo do imperialismo estadunidense.
Por qual razão a URSS apoiou a criação de Israel? Primeira é que, durante a grande aliança antifascista, os judeus, especialmente os da Palestina, foram fiéis aliados contra a Alemanha. Parte do mundo árabe, pelo contrário, pensando na sua independência da França e da Inglaterra, penderam para o outro lado. Logo depois da guerra – quando já se anunciava a Guerra Fria - os colonos judeus se colocaram abertamente contrários a Inglaterra. Esta era contrária a criação de um Estado judeu e impedia militarmente a imigração de refugiados para região. Para Stalin, todo adversário do imperialismo inglês poderia ser um aliado em potencial.
Conforme escreveu o jornalista Max Altman: “Os fundadores da nação israelense eram militantes sionistas na Europa nas primeiras décadas do século 20, bastante influenciados pelos ideais do socialismo (...). E isto se refletiu no modelo de país que acabaram formando. Os dois pilares desta construção (...) foram, na cidade, o Histadruth, a poderosa federação de trabalhadores, no campo, os 'kibutzim', fazendas coletivas de forte inspiração socialista (...). Partidos trabalhistas de centro-esquerda e esquerda sionista dominavam o Knesset (parlamento) e o partido da esquerda não sionista que reunia judeus e árabes tinha importante presença na cena política”. As coisas tenderam a piorar dia-a-dia. Nas eleições de 1949, o Partido Comunista obteve apenas 3,5%, e o Mapam, representante da esquerda sionista, conseguiu 15% dos votos.
Israel optou definitivamente pelo campo imperialista anglo-americano durante a Guerra da Coréia (1950-1953). Em fevereiro de 1953 um grupo sionista – em reação às supostas perseguições aos judeus soviéticos – explodiu uma bomba na embaixada da URSS em Israel, deixando três feridos, incluindo a esposa do embaixador. Isso acarretou o rompimento diplomático entre os dois países. A mudança geopolítica consolidou-se a partir de 1955 quando a URSS se voltou para o mundo árabe, concluindo um acordo visando o envio de armas ao governo do Egito, presidido por Nasser, e denunciando mais firmemente o expansionismo israelense na região.
Antissemitismo ou antissionismo na URSS e no Leste Europeu?
Mais do que durante os Processos de Moscou (1936-1938) – no qual foram envolvidos vários dirigentes comunistas de origem judaica, como Trotsky -, os realizados no final da década de 1940 deram margem às acusações de antissemitismo da parte das autoridades da URSS. Essa visão embora não seja inteiramente falsa é exagerada.
Após a Segunda Guerra Mundial muitos militantes de origem judia passaram a exercer cargos importantes nas Democracias Populares e no mundo cultural socialista oriental. Cerca de 1/3 do Comitê Central do PC da Hungria compunha-se de judeus, incluindo Rakosi, governante do país entre 1945 e 1956. Esse mesmo fenômeno ocorreu na Polônia, Romênia e Tchecoslováquia. Na Alemanha Oriental, pela primeira vez desde 1933, os judeus voltaram a assumir cargos no governo, inclusive no importante Ministério de Informação. Bertold Brecht construiu o seu teatro, apoiado pelo adido cultural soviético na Alemanha Oriental, o coronel Alexander Dymshitz (também judeu). O grande cineasta Eisenstein, apesar da censura stalinista, produziu obras importantes como Alexandre Nevsky e Ivan, o terrível. Todos financiados pelo Estado soviético.
Como dissemos, o surgimento de Israel e sua gradual aproximação dos EUA fez aumentar as suspeitas quanto à fidelidade de algumas lideranças de origem judaica à União Soviética. As principais vítimas foram os membros do Comitê Judaico Antifascista, fechado por supostamente já ter cumprido o seu papel político com o final da guerra. O seu ex-presidente, o grande poeta e diretor do Teatro Nacional Judaico, Simon Mikhoels, morreu num acidente misterioso em 1948. Ele era membro do seleto comitê do Prêmio Stalin e já havia sido agraciado pelo seu trabalho literário, como artista do povo, e portava a prestigiada Ordem Lênin. Razão pela qual receberia muitos elogios da imprensa comunista e teria um funeral de Estado.
Neste mesmo ano Andrei Zhdanov desenvolveu uma ampla campanha contra o denominado cosmopolitismo na área cultural, defendendo um realismo socialista estreito e o nacionalismo. A cultura iídiche soviética – considerada a mais desenvolvida do mundo - entrou no index do regime. Jornais, revistas, teatros (como o Teatro Nacional Judeu) acabaram sendo fechados e vários de seus diretores presos, processados e até executados. Cresceu a propaganda e a perseguição aos supostos espiões titoista e sionistas. O Marechal Tito, líder da Iugoslávia, havia acabado de romper com Stalin.
Na noite de 12 para 13 de agosto de 1952, 15 judeus soviéticos, incluindo os mais proeminentes escritores, poetas, e artistas de língua iídiche foram julgados e condenados à morte, acusados de traição, espionagem e nacionalismo burguês. Muitos deles haviam tido participação ativa no Comitê Antifascista Judaico. A imprensa soviética não deu nenhum destaque ao fato.
Logo em seguida abriu-se um novo processo, desta vez com grande estardalhaço. Era o dos “assassinos de bata branca”. Os médicos do Kremlin, grande parte judeus, foram acusados injustamente de terem matado Jdanov e de prepararem assassinatos de outras lideranças militares e políticas, inclusive Stalin. Como no caso anterior, foram acusados de serem agentes do sionismo. Todos foram absolvidos poucos meses depois, logo após a morte de Stalin em março de 1953. Não deixa de ser paradoxal que um “antissemita raivoso” tenha deixado os cuidados de sua saúde (e de seus colaboradores) nas mãos de médicos judeus e a segurança do Estado sob o comando de Béria, também judeu e seu provável sucessor. Naqueles anos havia 20 mil docentes universitários judeus, um número relativamente alto.
Durante a Guerra Fria também ocorreram processos suspeitos nas chamadas Democracias Populares. O caso mais rumoroso foi contra Rudolf Slansky, secretário geral do PC na Tchecoslováquia, ocorrido em 1952, pois dos 13 acusados 10 eram judeus. Aparece com força a acusação de espionagem sionista. A quase totalidade deles foi considerada culpada e executada. O caso Slansky ocorreu justamente no período entre os processos contra os intelectuais/artistas e o dos médicos do Kremlin. Nos três casos os judeus eram maioria entre os acusados. A imprensa comunista – como Stalin havia dito durante o processo de Moscou – afirmava categoricamente que eles haviam sido processados não por serem judeus e sim espiões a serviço dos diversos imperialismos. Mas, nesses últimos casos, o fato de serem judeus pesou na sentença.
Apesar das críticas à URSS – acusada de antissemitismo - quando Stalin morreu houve uma grande comoção entre os judeus do mundo todo, inclusive em Israel. Ao ser anunciada a doença fatal do líder soviético, o rabino da Sinagoga de Moscou realizou um culto especial e pediu jejum e orações para que ele pudesse se recuperar. Todos sabiam que, apesar dos polêmicos processos contra os intelectuais e dirigentes de origem judia, os comunistas soviéticos haviam dado grande – diria a maior - contribuição à salvação dos judeus na Europa.
* Augusto C. Buonicore é historiador e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. Autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.
Bibliografia
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Desde o início da Revolução de 1917 o antissemitismo foi usado contra o bolchevismo. Os “exércitos brancos”, apoiados pelo imperialismo, afirmavam que a Revolução de Outubro era mais uma página da conspiração judaica universal e organizavam pogroms. Lênin declarou: “Apenas as pessoas totalmente ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas contra os judeus (...). Os inimigos dos trabalhadores não são os judeus, e sim os capitalistas”. O governo soviético reconheceu-os como nação, com direito a uma língua, uma cultura e território próprios. Criminalizou o racismo e o antissemitismo. Algumas décadas depois o Exército Vermelho, comandado por Stalin, derrotou as hordas nazifascistas, salvando milhões de judeus. A própria criação e sobrevivência do Estado de Israel se deve, em grande parte, aos soviéticos.,
A relação entre o socialismo soviético e o judaísmo deu a base para inúmeras afirmações, no mínimo, paradoxais. Um livro de Isaias Golcher chegou a afirmar: “Stalin teve em mente completar a obra que seu aliado Hitler não pode concluir: fazer uma Europa ‘expurgada de judeus’ (...). Depois de Hitler, o maior inimigo do povo judeu foi Stálin (...). Stalin (...) compartilhava do ódio bestial de Hitler contra os judeus”. Contraditoriamente, “ele passou a vida toda como vigoroso adversário do antissemitismo.” E, em sua feroz campanha antissemita, “jamais mencionava o nome ‘judeu’ e chegava mesmo a fazer referências condenatórias ao judeofobismo”. Opinião disseminada amplamente durante a Guerra Fria.
Trotsky, em Termidor e antissemitismo (1937), lembrava que em apenas 20 anos era impossível superar um preconceito enraizado entre os setores mais atrasados da população. Escreveu: “A Rússia era conhecida não apenas por seus pogroms, mas também pela existência de um número considerável de publicações antissemitas (...). A metade mais velha da população foi educada sob o czarismo. A metade mais jovem herdou muito dos mais velhos (...). É impossível que preconceitos nacionais e chauvinistas, particularmente o antissemitismo, não tenham persistido fortemente entre as camadas atrasadas da população”. Existia, porém, outra razão para o antissemitismo continuar existindo na sociedade soviética: “os judeus ocupavam um lugar desproporcionalmente grande entre a burocracia (...). O ódio dos camponeses e trabalhadores pela burocracia é um fato fundamental da vida soviética”. E conclui que esse ódio, “assumiria uma cor antissemita”. A afirmação de Trotsky testemunha o quão longe a URSS estava da Alemanha nazista. Esta proibia os judeus de ocupar cargos públicos e de exercerem várias profissões, além de organizar pogroms contra eles. Em breve começariam as deportações em massa e a construção dos campos de extermínios. Mais de seis milhões de judeus morreriam nas mãos dos nazistas e seus aliados.
Os judeus e a revolução social
Na tradição marxista o papel desempenhado pelos judeus era, em geral, considerado positivo. Kautsky, principal teórico da II Internacional pós-Engels, afirmou: “Os judeus tornaram-se um eminente fator revolucionário”. O líder da Revolução Russa, Lênin, falou dos “nobres traços universalmente progressistas da cultura judaica: o seu internacionalismo e a sua adesão aos movimentos progressistas. (...) O percentual dos judeus aderentes aos movimentos democráticos e proletários é, em toda parte, mais alto do que o percentual dos judeus na população em geral”. Isso açulava ainda mais a propaganda contrarrevolucionária, sempre procurando associar marxismo e judaísmo.
As mitologias de uma conspiração judaica mundial são bem antigas e foram muito utilizadas pelas igrejas cristãs e pelos setores mais reacionários da sociedade desde o feudalismo. Na Rússia, a tentativa de ligar os judeus aos movimentos revolucionários teve como um dos seus marcos o assassinato do Czar Alexandre II, realizado pelo grupo Vontade do Povo, em março de 1881. O atentado tornou-se o álibi para a realização de pogroms em Kiev, Odessa e outras dezenas de localidades. O antissemitismo tornou-se uma arma ideológica contra a oposição ao czarismo, especialmente os socialistas.
O sucessor ao trono, Alexandre III, era ainda mais conservador. Seu reinado durou até 1894, quando assumiu Nicolau II. Segundo Trotsky, no início do século 20, existiam cerca de 650 leis limitando os direitos cívicos dos judeus russos. Os jovens foram praticamente excluídos das universidades e de várias profissões, aproximando-os de posições revolucionárias.
Uma nova onda de pogroms estalou em 1903. O mais famoso ocorreu em Kichinev, capital da Bessarábia, no qual morreram mais de 50 pessoas e 500 ficaram feridas. No mesmo ano forjou-se nos porões da polícia secreta a mais importante obra do antissemitismo: Os protocolos dos sábios do Sião, tratando de uma mirabolante conspiração judaica visando dominar o mundo. O seu maior divulgador nos Estados Unidos foi o industrial Henry Ford. Descobriu-se a fraude em 1921, mas de nada adiantou, pois ela continuou sendo utilizada pelos antissemitas e nazifascistas. No seu Main Kampf, escrito entre 1925-1926, Hitler afirmou: “Os Protocolos dos Sábios do Sião, tão detestado pelos judeus, mostram, de uma maneira incomparável, a que ponto a existência desse povo é baseado numa mentira ininterrupta. ‘Tudo é falsificado’, geme sempre o Frankfurter Zeltung, o constitui mais uma prova de que tudo é verdade”. No Brasil a obra foi publicada em 1937, traduzida e divulgada pelo líder integralista Gustavo Barroso.
Pressionado pela revolução, em outubro de 1905, o Czar Nicolau II promulgou o Manifesto Constitucional, garantindo alguns poucos direitos democráticos. A direita pró-absolutismo respondeu com novos pogroms. Escreveu o Czar: “Logo após o Manifesto (constitucional) os maus elementos levantaram a cabeça, logo se produziu uma forte reação, e toda massa de homens fiéis se pôs de pé. O resultado foi naturalmente o mesmo que o de costume: o povo ficou exasperado pela audácia dos revolucionários e dos socialistas, e como nove décimo são judeus, toda cólera se voltou contra eles – daí os pogroms. É surpreende constatar com que unanimidade explodiram imediatamente em todas as cidades da Rússia.” Na verdade, por trás desses massacres “espontâneos” estavam agentes policiais e grupos de extrema-direita.
Às vésperas da I Guerra Mundial, os bolcheviques apresentaram ao parlamento um projeto de lei propondo abolir todas as restrições legais existente contra as minorias nacionais. “Mas ele, afirmou Lênin, se detém particularmente nas restrições contra os judeus. O motivo disso é bastante compreensível: nenhuma nação na Rússia é tão oprimida e perseguida quanto a judaica.” Em janeiro de 1917 diria: “Os judeus forneceram uma porcentagem particularmente elevada (...) de líderes do movimento revolucionário (...), comparada a outras nações.” As posições de Lênin começavam a mudar, considerando os judeus enquanto nação.
A contrarrevolução e o antissemitismo
Desde a Revolução de Fevereiro de 1917 o antissemitismo passou a ser usado contra os bolcheviques. Em setembro o Times londrino escrevia: “Os sovietes é composto (...), na maioria dos casos, por típicos judeus internacionais”. Dois meses depois, o mesmo jornal afirmaria: “Lênin e vários de seus confederados são aventureiros de sangue germano-judeu”. Por sua vez o correspondente do Morning Post escreveu: “Os extremistas, dirigidos por personagens de duplo nome, de origem germano-judaica, que se fazem passar por russos, Lênin-Zedeblum, Trotsky-Bronstein e outros da mesma laia, se apoderaram de Petrogrado (...). A imprensa publica numerosas proclamações que denunciam o governo judaico (...). A segunda etapa do grande jogo que aqui se joga é a derrubada do governo judeu”.
Durante a guerra civil os “exércitos brancos”, apoiados pelo Ocidente capitalista, divulgaram cópias de um folheto afirmando ser a Revolução Bolchevique mais uma página da conspiração judaica universal. O Almirante Kolchak, dominador da Sibéria, em fevereiro de 1919, discursou aos camponeses: “Desperta, povo russo, toma o teu bastão e expulsa a canalha judia, que arruína a Rússia”. Nas regiões por eles ocupadas ocorreram cerca de 2 mil pogroms, vitimando mais de 75 mil judeus e causando o êxodo de cerca de um milhão deles. As comunidades judaicas procuravam abrigo junto aos “vermelhos” como forma de garantir suas vidas e propriedades.
Quando as forças britânicas, por sua vez, desembarcaram na Rússia também distribuíram fartamente materiais de propaganda anti-judaicos. O reverendo B. S. Lombard, capelão da sua Marinha, dizia: “(o bolchevismo) é um produto da propaganda alemã e dirigido pelos judeus internacionais.” O futuro primeiro-ministro inglês, Churchill, afirmou em janeiro de 1920: “(os bolcheviques) querem destruir toda fé religiosa que consola e inspira o ânimo humano. Creem no soviete internacional dos judeus russos e polacos. Nós continuamos a crer no Império Britânico”.
No transcurso das revoluções alemã e húngara um falso documento secreto do governo francês, produzido por emigrados russos, circulou por toda a imprensa ocidental: “Os judeus já obtiveram o reconhecimento formal de um Estado judeu na Palestina (através da Declaração Balfour); conseguiram igualmente constituir uma república judaica na Alemanha e na Hungria; são esses os primeiros passos rumo ao futuro domínio mundial pelos judeus, mas não seu último esforço.” O mesmo Churchill escreveria: “Esse movimento entre judeus não é novo. Já desde os dias de Spartakus Weishaupt (os iluminados da Baviera) até os dias de Marx e, depois, de Trotsky (Rússia), de Bela Kun (Hungria), de Rosa de Luxemburgo (Alemanha) e de Emma Goldman (Estados Unidos) se expande essa conspiração mundial pela derrocada da civilização e pela transformação da sociedade (...) numa inveja maléfica e em uma igualdade impossível.”.
Lembramos das palavras do próprio Hitler na sua precoce autobiografia, Mein Kampf (1925), marcada pelo discurso do complô judaico-bolchevismo. Nela está escrito: “É tão impossível à Rússia livrar-se do jugo judaico (...), como ao judeu manter o controle sobre o vasto império ainda por muito tempo. Ele não é um elemento organizador, mas antes um fermento de decomposição. O imenso império está prestes a ruir. O fim do domínio judaico será também o fim da Rússia como Estado. (...) uma catástrofe que será a mais formidável confirmação da verdade da teoria racial”. “Devemos enxergar no bolchevismo russo e tentativa do judaísmo, no século XX, de apoderar-se do domínio do mundo”. O marxismo bolchevista teria como finalidade última “a destruição de todas as nacionalidades não judaicas”. Na Rússia soviética o “judeu com uma ferocidade verdadeiramente fanática, trucidou cerca de 39 milhões de pessoas, algumas por meio das torturas desumanas, outros pela fome, e tudo isso com o fito de assegurar a um lote de judeus literatos e bandidos da bolsa o domínio sobre um grande povo”.
Os bolcheviques contra o antissemitismo e os pogroms
Ao contrário do que faziam os exércitos brancos, em março de 1919, Lênin gravou em disco o discurso “Sobre os pogroms contra os judeus”. Ele era tocado nas aldeias. O objetivo era atingir as massas populares analfabetas, impossibilitadas de ler os panfletos bolcheviques. Discursou Lênin: “A abominável monarquia tzarista, ao viver seus últimos dias, buscava lançar os operários e camponeses ignaros contra eles e organizava pogroms. (...). A hostilidade aos judeus permanece forte apenas onde a dominação dos latifundiários e capitalistas promoveu um obscurantismo entre os operários e camponeses. Apenas as pessoas totalmente ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas contra os judeus (...). Os inimigos dos trabalhadores não são os judeus, e sim os capitalistas de todos os países. (...) Malditos sejam os que semeiam a hostilidade aos judeus e o ódio a outras nações”. (Ouça o discurso completo de Lênin legendado https://www.youtube.com/watch?v=3HL6236mBdU )
O historiador anticomunista, Leonard Schapiro, não escondeu que: “milhares de judeus se aliaram aos bolcheviques (...). No momento da tomada do poder, a participação judaica estava longe de insignificante na cúpula do partido. Cinco dos vinte e um membros titulares do Comitê Central eram judeus.” Entre 1917-1918 o número de judeus bolcheviques subiu para 16%. Eles representavam menos de 5% da população.
Então, Lênin incorpora parte do programa do União Geral Operária Judaica da Lituânia, Polónia e Rússia (Bund), reconhecendo os judeus como nação, com direito a uma língua, uma cultura e território próprios. Foram revogadas todas as legislações contra as minorias nacionais e se criminalizou o antissemitismo. Os bolcheviques constituíram uma seção judaica (Evserskia) no partido e um Comissariado para assuntos judaicos. Reconheceu-se o iídiche como língua oficial dos judeus russos. Em meados da década de 1930 existiam 2.400 escolas judaicas com cerca de 600 mil alunos. No mesmo período foi criada a Região judaica autônoma do Birobidjão. “Pela primeira vez na história do povo judeu está realizando o seu ardente desejo de formar sua Pátria, seu próprio Estado Nacional”. Segundo Arlene Clemesha: “Os primeiros anos da revolução foram marcados por um florescimento, sem precedentes na Rússia, da cultura judaica (...) Na medida em que tiveram uma liberdade jamais vista para a utilização de sua língua, publicação de livros, revistas e jornais, manutenção de escolas onde o idioma era o ídiche, enfim, em todos os aspectos culturais”.
Stalinismo e antissemitismo
Em 1929 o Estado soviético, já sob direção de Stálin, publicou o livro de G. Ledatt intitulado O antissemitismo e os antissemitas: perguntas e respostas numa tiragem de 50 mil exemplares. Nele está escrito: “O micróbio do antissemitismo penetrou mesmo em certos setores atrasados do Partido (...). O incremento do antissemitismo está intimamente ligado à intensificação da luta de classes (...). Numa fábrica um processo contra os antissemitas revelou que antigos agentes policiais e mesmo padres encontraram asilo nesse local. Eles haviam subjugado um grupo de operários fiéis ao passado”. Ocorreram 38 processos por antissemitismo somente em Moscou entre janeiro e setembro de 1928.
Numa entrevista concedida à Agência Telegráfica Judaica, em janeiro de 1931, Stalin afirmou: “O antissemitismo, sendo uma forma extrema de chauvinismo racial, é o remanescente mais perigoso do canibalismo. O antissemitismo é útil para os exploradores (...) para proteger o capitalismo de ser derrubado pelo povo trabalhador. O antissemitismo é um perigo para os trabalhadores; é um caminho errado que os desvia da estrada certa (...). Como internacionalistas, os comunistas não podem deixar de ser inconciliáveis ??e jurarem-se inimigos do antissemitismo”. Não podemos saber o que, no fundo, pensava Stalin. Mas, suas opiniões eram encaradas quase como uma ordem para os comunistas de todo o mundo.
Mas, nem tudo foi tranquilo nesse campo. Nos Processos de Moscou (1936-1938) vários dos principais acusados eram de origem judaica. Isso levou à acusação de antissemitismo, embora nesses processos não tivesse aparecido a acusação de sionismo. Em resposta, o próprio Stálin teria dito: “Lutamos contra Trotsky, Zinoviev e Kamenev não porque são judeus, mas porque são oposicionistas”. Segundo Trotsky, o antissemitismo teria sido usado sub-repticiamente (não oficialmente) a fim de atingir as massas mais atrasadas. Isso estaria demonstrado no fato de se utilizarem os nomes verdadeiros (judeus) pelos quais os acusados não eram conhecidos, como Bronstein (Trotsky). Nestes casos devemos concordar que a condição de judeu não foi um dos motivos para as condenações. Vários judeus poderiam ser numerados entre os carrascos da oposição, como o chefe da polícia secreta Yagoda. Aqui não me aprofundarei nos Processos de Moscou sobre os quais tenho uma visão extremamente crítica.
Quando a Alemanha nazista invadiu à URSS, em novembro de 1941, Stalin fez um contundente discurso perante o Soviete de Moscou: “O regime hitlerista é uma cópia do regime reacionário que existia na Rússia sob o domínio tzarista. É sabido que os hitleristas arrebatam os direitos dos operários e dos intelectuais, como fazia o czarismo; e que organiza também, com satisfação, matanças de judeus, próprias da Idade Média, tal como o regime tzarista. O partido hitlerista é o partido inimigo das liberdades democráticas, o partido reacionário medieval, o partido dos pogroms”. Nenhum grande líder ocidental foi tão duro publicamente contra o antissemitismo nazista. Por isso, Hitler gostava de dizer que por trás de Stalin estavam os judeus.
Um autor insuspeito de stalinismo, Isaac Deutscher, escreveu: “Stalin, pessoalmente, era isento de preconceito racial grosseiro e cuidava de não transgredir abertamente o princípio partidário hostil ao antissemitismo. Os judeus se destacavam bastante entre os que cercavam (...). Litvinov passou mais de dez anos à frente do serviço diplomático soviético; Kaganovitch foi até o fim factotum de Stalin; Meklis era o principal comissário político do Exército; e Zaslavski e Ehrenburg eram os mais populares entre os bajuladores de Stálin”. Continua ele: “Enquanto os exércitos de Hitler avançavam, as autoridades soviéticas fizeram o possível para evacuar os judeus das áreas ameaçadas (...). Com a autorização de Stalin formou-se um Comitê Judaico Antifascista” E, “após a guerra, os soviéticos culpados de colaboração com os nazistas e de perseguição aos judeus foram punidos como traidores”.
O Comitê Judaico Antifascista, criado em 1942, tinha alguns objetivos: “divulgar informações (...) sobre as atrocidades cometidas pelo regime nazista alemão. Deste modo, a acusação soviética no julgamento de Nuremberg pôde dispor de um relatório (‘O livro negro’) sobre as perseguições de judeus por parte dos nazistas.”. Sempre é bom lembrar que o Exército Vermelho foi o principal responsável pela derrota das hordas nazistas e a libertação dos campos de extermínios. Assim, milhões de judeus foram salvos. A vitória de Hitler representaria o seu extermínio completo.
Os comunistas e o Estado de Israel
Durante a II Guerra Mundial os comunistas começaram a mudar sua posição quanto ao problema de um lar judaico na Palestina. O jornal Tribuna Popular, publicou o artigo “A posição dos comunistas em relação à Palestina”, assinada por M. Katz: “Pela primeira vez o PCEUA exprimiu o seu repúdio ao ‘livro branco’ de Chamberlain que proíbe e imigração e colonização judaica, apoiando a exigência do lar nacional judaico palestino. (...) Essa posição foi se formando a partir de 1935. Até então relacionavam a existência de um lar judeu na Palestina com o sionismo”. Os jornais comunistas passaram a publicar matérias denunciando a ação inglesa na Palestina, impedindo a imigração judaica. Os ingleses, por sua vez, pediam que a URSS, Romênia, Tchecoslováquia e Polônia parassem de enviar mais judeus à região. Dominique Vital esclarece: “A URSS apoiou direta ou indiretamente as operações clandestinas de imigração organizadas pela Agência Judaica nos países do Leste Europeu (...). Assim, entre 1948 e 1951, mais de 300.000 judeus da Europa Oriental chegaram a Israel; ou seja, mais da metade do total de imigrantes”, criando um fato consumado.
Andrei Gromyko, vice-ministro das relações exteriores soviético, dirigindo-se à Assembleia Geral da ONU afirmou: “A experiência do passado e especialmente da Segunda Guerra Mundial provou que nenhum dos países da Europa Ocidental tem sido capaz de dar ao povo judeu a ajuda necessária para a defesa de seus direitos e nem mesmo para a proteção de sua existência. Isso explica a aspiração dos judeus pela criação de um Estado para eles”. Mas, disse ser ainda favorável a “criação de um Estado judeu-árabe unificado”. Caso isso não fosse possível – devido as graves divergências entre judeus e árabes - apoiaria a “partilha da Palestina em dois Estados”. Na ocasião, Ben Gurion, futuro primeiro-ministro de Israel, afirmou: “A União Soviética é o único poder que apoia nossa causa.”.
Alguns meses depois, no dia 29 de novembro de 1947, a URSS e sua área de influência votaram favoravelmente pela divisão da Palestina em dois Estados como “único meio de reduzir o banho de sangue”. Poucas horas antes de se esgotar o mandato britânico, em 14 de maio de 1948, declarou-se a “independência” de Israel. O governo de Stalin foi o segundo a reconhecê-lo. A Tchecoslováquia tornou-se a principal fornecedora de armas aos grupos guerrilheiros judeus, incluindo o Hannaga - conhecido por suas práticas terroristas. Ben Gurion diria: “As armas tchecas salvaram o país (…). Foi a ajuda mais importante que obtivemos. Duvido muito que sem elas poderíamos ter sobrevivido aos primeiros meses”.
Em setembro de 1948 chegou à Moscou Golda Meier, a primeira embaixadora do novo Estado. Foi calorosamente recebida na grande sinagoga por 30.000 pessoas. Mobilizações se repetiram no “ano novo judaico” e no Yon Kippur. Numa entrevista ela declarou: “eram dias de ‘lua de mel’, quando nós, israelenses, e os russos éramos grandes amigos”. Esses eventos massivos assustaram as autoridades soviéticas. Começavam a duvidar da fidelidade de alguns líderes russos de origem judaica e suspeitar do excesso de simpatia à Israel. Essas suspeitas eram exageradas e, dentro de alguns anos, levariam à tragédia para muitos comunistas russos.
Enquanto Golda Meir era comemorada em Moscou, o primeiro-ministro David Ben Gurion recebia o embaixador estadunidense dizendo: “Israel saúda o apoio russo nas Nações Unidas. Mas não tolerará qualquer dominação soviética. Não só Israel é ocidental em sua orientação, mas nosso povo é democrata e tem claro que não pode se tornar forte e permanecer livre, exceto através da cooperação com os Estados Unidos”. O governo de Israel, oportunisticamente, namorava os dois lados, mas pendia claramente para o campo do imperialismo estadunidense.
Por qual razão a URSS apoiou a criação de Israel? Primeira é que, durante a grande aliança antifascista, os judeus, especialmente os da Palestina, foram fiéis aliados contra a Alemanha. Parte do mundo árabe, pelo contrário, pensando na sua independência da França e da Inglaterra, penderam para o outro lado. Logo depois da guerra – quando já se anunciava a Guerra Fria - os colonos judeus se colocaram abertamente contrários a Inglaterra. Esta era contrária a criação de um Estado judeu e impedia militarmente a imigração de refugiados para região. Para Stalin, todo adversário do imperialismo inglês poderia ser um aliado em potencial.
Conforme escreveu o jornalista Max Altman: “Os fundadores da nação israelense eram militantes sionistas na Europa nas primeiras décadas do século 20, bastante influenciados pelos ideais do socialismo (...). E isto se refletiu no modelo de país que acabaram formando. Os dois pilares desta construção (...) foram, na cidade, o Histadruth, a poderosa federação de trabalhadores, no campo, os 'kibutzim', fazendas coletivas de forte inspiração socialista (...). Partidos trabalhistas de centro-esquerda e esquerda sionista dominavam o Knesset (parlamento) e o partido da esquerda não sionista que reunia judeus e árabes tinha importante presença na cena política”. As coisas tenderam a piorar dia-a-dia. Nas eleições de 1949, o Partido Comunista obteve apenas 3,5%, e o Mapam, representante da esquerda sionista, conseguiu 15% dos votos.
Israel optou definitivamente pelo campo imperialista anglo-americano durante a Guerra da Coréia (1950-1953). Em fevereiro de 1953 um grupo sionista – em reação às supostas perseguições aos judeus soviéticos – explodiu uma bomba na embaixada da URSS em Israel, deixando três feridos, incluindo a esposa do embaixador. Isso acarretou o rompimento diplomático entre os dois países. A mudança geopolítica consolidou-se a partir de 1955 quando a URSS se voltou para o mundo árabe, concluindo um acordo visando o envio de armas ao governo do Egito, presidido por Nasser, e denunciando mais firmemente o expansionismo israelense na região.
Antissemitismo ou antissionismo na URSS e no Leste Europeu?
Mais do que durante os Processos de Moscou (1936-1938) – no qual foram envolvidos vários dirigentes comunistas de origem judaica, como Trotsky -, os realizados no final da década de 1940 deram margem às acusações de antissemitismo da parte das autoridades da URSS. Essa visão embora não seja inteiramente falsa é exagerada.
Após a Segunda Guerra Mundial muitos militantes de origem judia passaram a exercer cargos importantes nas Democracias Populares e no mundo cultural socialista oriental. Cerca de 1/3 do Comitê Central do PC da Hungria compunha-se de judeus, incluindo Rakosi, governante do país entre 1945 e 1956. Esse mesmo fenômeno ocorreu na Polônia, Romênia e Tchecoslováquia. Na Alemanha Oriental, pela primeira vez desde 1933, os judeus voltaram a assumir cargos no governo, inclusive no importante Ministério de Informação. Bertold Brecht construiu o seu teatro, apoiado pelo adido cultural soviético na Alemanha Oriental, o coronel Alexander Dymshitz (também judeu). O grande cineasta Eisenstein, apesar da censura stalinista, produziu obras importantes como Alexandre Nevsky e Ivan, o terrível. Todos financiados pelo Estado soviético.
Como dissemos, o surgimento de Israel e sua gradual aproximação dos EUA fez aumentar as suspeitas quanto à fidelidade de algumas lideranças de origem judaica à União Soviética. As principais vítimas foram os membros do Comitê Judaico Antifascista, fechado por supostamente já ter cumprido o seu papel político com o final da guerra. O seu ex-presidente, o grande poeta e diretor do Teatro Nacional Judaico, Simon Mikhoels, morreu num acidente misterioso em 1948. Ele era membro do seleto comitê do Prêmio Stalin e já havia sido agraciado pelo seu trabalho literário, como artista do povo, e portava a prestigiada Ordem Lênin. Razão pela qual receberia muitos elogios da imprensa comunista e teria um funeral de Estado.
Neste mesmo ano Andrei Zhdanov desenvolveu uma ampla campanha contra o denominado cosmopolitismo na área cultural, defendendo um realismo socialista estreito e o nacionalismo. A cultura iídiche soviética – considerada a mais desenvolvida do mundo - entrou no index do regime. Jornais, revistas, teatros (como o Teatro Nacional Judeu) acabaram sendo fechados e vários de seus diretores presos, processados e até executados. Cresceu a propaganda e a perseguição aos supostos espiões titoista e sionistas. O Marechal Tito, líder da Iugoslávia, havia acabado de romper com Stalin.
Na noite de 12 para 13 de agosto de 1952, 15 judeus soviéticos, incluindo os mais proeminentes escritores, poetas, e artistas de língua iídiche foram julgados e condenados à morte, acusados de traição, espionagem e nacionalismo burguês. Muitos deles haviam tido participação ativa no Comitê Antifascista Judaico. A imprensa soviética não deu nenhum destaque ao fato.
Logo em seguida abriu-se um novo processo, desta vez com grande estardalhaço. Era o dos “assassinos de bata branca”. Os médicos do Kremlin, grande parte judeus, foram acusados injustamente de terem matado Jdanov e de prepararem assassinatos de outras lideranças militares e políticas, inclusive Stalin. Como no caso anterior, foram acusados de serem agentes do sionismo. Todos foram absolvidos poucos meses depois, logo após a morte de Stalin em março de 1953. Não deixa de ser paradoxal que um “antissemita raivoso” tenha deixado os cuidados de sua saúde (e de seus colaboradores) nas mãos de médicos judeus e a segurança do Estado sob o comando de Béria, também judeu e seu provável sucessor. Naqueles anos havia 20 mil docentes universitários judeus, um número relativamente alto.
Durante a Guerra Fria também ocorreram processos suspeitos nas chamadas Democracias Populares. O caso mais rumoroso foi contra Rudolf Slansky, secretário geral do PC na Tchecoslováquia, ocorrido em 1952, pois dos 13 acusados 10 eram judeus. Aparece com força a acusação de espionagem sionista. A quase totalidade deles foi considerada culpada e executada. O caso Slansky ocorreu justamente no período entre os processos contra os intelectuais/artistas e o dos médicos do Kremlin. Nos três casos os judeus eram maioria entre os acusados. A imprensa comunista – como Stalin havia dito durante o processo de Moscou – afirmava categoricamente que eles haviam sido processados não por serem judeus e sim espiões a serviço dos diversos imperialismos. Mas, nesses últimos casos, o fato de serem judeus pesou na sentença.
Apesar das críticas à URSS – acusada de antissemitismo - quando Stalin morreu houve uma grande comoção entre os judeus do mundo todo, inclusive em Israel. Ao ser anunciada a doença fatal do líder soviético, o rabino da Sinagoga de Moscou realizou um culto especial e pediu jejum e orações para que ele pudesse se recuperar. Todos sabiam que, apesar dos polêmicos processos contra os intelectuais e dirigentes de origem judia, os comunistas soviéticos haviam dado grande – diria a maior - contribuição à salvação dos judeus na Europa.
* Augusto C. Buonicore é historiador e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. Autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.
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1 comentários:
Todo capitalista que conheço na sua grande maioria os caras são judeus.
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