terça-feira, 31 de março de 2020

O simplismo e as teorias da conspiração

Por Luis Felipe Miguel

Para o mainstream da Ciência Política, a característica central da extrema-direita "populista" é a redução da política a escolhas simples.

Ou a gente arma os "bandidos" ou arma o "cidadão de bem". Ou tem empregos ou tem direitos. Ou salva vidas ou salva a economia.

Se as escolhas são tão simples, quem tenta complicar está a serviço do inimigo. Tem algum interesse oculto que o leva a negar o "óbvio". O simplismo contribui, assim, para alimentar as teorias da conspiração.

Por exemplo, a pandemia. Não é preciso ser um Einstein para perceber que a disjuntiva "vida x economia" é burra.

Se as pessoas saírem para trabalhar e ficarem doentes, a economia vai sofrer ainda mais. O sistema de saúde entra em colapso. O custo humano será muito maior e o impacto econômico não será menor.

A alternativa não é "vida x economia".

É entre isolamento precoce, para controlar a pandemia, e isolamento tardio, quando será tarde demais. Isso nem é um exercício lógico: é a lição que chega do resto do mundo.

Para que o isolamento funcione, é preciso garantir que as pessoas tenham condições de ficar em casa. Por isso, cabe ao Estado - sim, ao Estado! - garantir renda e abastecimento para todos.

Para evitar que as pessoas raciocinem, a extrema-direita lança logo sua tese conspirativa.

Quem quer que a gente fique em casa não é o conhecimento médico ou o bom senso, mas o Xi Jinping, com seu plano diabólico para dominar a economia mundial.

Não discordo do diagnóstico que a Ciência Política padrão faz sobre o discurso da extrema-direita.

É insuficiente, por não vinculá-lo aos interesses sociais que se beneficiam dele, mas é adequado em seus próprios termos.

A discordância que tenho com meus colegas conservadores é quanto à receita que oferecem para resolver o problema: garantir que as decisões sejam tomadas por uma "elite" imune à pressão popular.

É uma solução que ignora que essa "elite" também tem interesses particulares, que nega a democracia, que condena a igualdade.

Nem é nova, aliás. Desde que a burguesia foi obrigada a aceitar a democracia, por pressão das classes populares, a solução proposta para os problemas sempre passa por reduzir a democracia.

Para a democracia funcionar, é preciso ampliar a qualificação política dos cidadãos comuns.

E cabe a nós, da esquerda, promover isso. Porque para a direita, em suas diversas vertentes, a incompetência política popular é um bem a ser preservado.

Não vejo mudança a curto prazo - e isso é um grande problema. Bolsonaro mantém uma base minoritária, mas significativa, disposta a acompanhá-lo nas sandices mais absurdas.

Nesses dias, dei um passeio virtual pela minionsfera. É assustador. É conspiração chinesa, é primo do porteiro, é estouro de pneu. É a comparação com pandemias que teriam matado muito mais gente nos governos do PT mas ninguém se incomodou. É comunista pra todo lado.

É uma mistura perniciosa de burrice convicta com desprezo pela vida dos outros.

Uma linha particularmente demencial de argumento diz que se Bolsonaro está falando o que está falando é porque ele tem informações secretas. Afinal, o mito não falaria besteiras...

Os mais "sofisticados", como professores universitários, investem na tese da hidroxicloroquina.

Não precisamos de isolamento porque a hidroxicloroquina nos salvará a todos.

É uma curiosa maneira de aplicar à pesquisa científica a lógica do milagre religioso.

Circula nas redes o dito de que a mente dos mínions é como a caixa preta dos aviões: só abre depois do desastre. Acho essa afirmação muito otimista.

O desastre não nos dará nem isso.

E enquanto Bolsonaro permanecer sentado na cadeira presidencial, com poder de boicotar as ações de controle da pandemia, a perspectiva do desastre só se torna mais sombria.

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