Por José Dirceu, no site Poder-360:
A decisão do PT e dos partidos de esquerda, à exceção do Psol, de se somar aos partidos de oposição da direita liberal para construir uma candidatura à Presidência da Câmara dos Deputados para fazer frente à candidatura do deputado Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro e pelos partidos de sua coalizão (PP, PSD, PL, Republicanos e outros), vem recebendo duras críticas dentro do próprio PT, entre os jovens e muitos setores da esquerda.
Como se aliar a Maia e seus Democratas, ao MDB e ao PSDB que forem fiadores do golpe constitucional contra a presidente Dilma Rousseff, do governo Temer e das reformas neoliberais de Paulo Guedes? Como se aliar aos que apoiaram a Lava Jato e a criminalização do PT que levou à prisão de Lula? Por que o PT não se aliar ao Psol e lançar uma candidato de esquerda, já que PDT, PSB e PCdoB têm posição firmada de apoio a Maia e a seu candidato ainda não escolhido pelos partidos?
As críticas partem de fatos irrefutáveis. Mas também é fato que Bolsonaro é de extrema direita, autoritário e obscurantista e que há uma oposição de direita às suas políticas externa, ambiental, cultural, educacional e científica, sua agenda fundamentalista e suas ameaças à democracia. Não fosse o STF, o Congresso Nacional e a oposição de esquerda, Bolsonaro já seria ditador. Foram essas instituições que impediram a privatização da Previdência, evitaram a consolidação do Estado policial do pacote anti-crime de Moro, garantiram os direitos da mulher, dos educadores, da trabalhadora rural, o BPC. Quando Bolsonaro quis governar por decreto lei, impor a escola sem partido, a censura, o fim da autonomia universitária encontrou no Supremo uma barreira. No Congresso Nacional, a atuação articulada dos partidos de esquerda atraiu em várias votações o apoio da direita liberal e impôs várias derrotas ao governo –a última delas, na questão do Fundef.
O PT e as esquerdas poderiam participar, como fazem em todas as câmaras municipais e assembleias legislativas, apenas e tão somente para ocupar o espaço institucional a que têm direito. Não há como negar a importância de estar no Parlamento até porque somos, as esquerdas, alternativa de governo, governamos vários estados e centenas de municípios.
A questão principal para analisar a posição do PT, do PSB, do PDT e do PCdoB de integrar a coalizão de partidos capitaneada por Maia é se existe uma agenda democrática no país ou não. É fato que a coalizão de Maia rasgou o pacto constitucional de 1988 ao dar o golpe de 2016. Mas o PFL, que depois virou Democratas, tinha apoiado a ditadura e participou, conosco, da campanha das Diretas Já. Nem por isso, o PT foi ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Na frente amplíssima que se formou para o impeachment de Collor, o PFL estava lá. Concretizado o afastamento de Collor, o PT ficou na oposição ao governo Itamar.
Lembro estes fatos da nossa história recente para dizer que, como no passado, não vamos perder nossa identidade ou independência por participar das mesas e votar nas eleições internas nas casas legislativas. Nossa oposição ao programa econômico neoliberal e nossa disputa com a direita liberal continuarão. Seja no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas ou nas câmaras municipais. Ao assinar o manifesto dos partidos de oposição ao governo Bolsonaro, o PT teve, como motivação, a defesa intransigente da democracia, das instituições democráticas e da vida, contra o autoritarismo, o obscurantismo, a negação da ciência. E deixou claro que manterá sua pauta contra a política neoliberal, que DEM-PSDB-MDB defendem.
Em manifesto das oposições para a eleição da mesa diretora da Câmara dos Deputados, divulgado na 2ª feira (21.dez.2020) PT, PSB, PDT e PCdoB, afirmam que têm a responsabilidade de combater, dentro e fora do Parlamento, as políticas , neoliberais, antinacionais e lutar para que o povo possa ter resguardados seus direitos à saúde, ao emprego e renda, à alimentação acessível e à educação , e anunciam seu compromisso em torno de dez pontos. Entre eles, a viabilização de uma política de vacinação coordenada pelo SUS, defesa das famílias e da população desprotegida contra o desemprego e a crise econômica, medidas para tributar a renda dos mais ricos, defesa do meio ambiente e da reforma agrária, defesa dos direitos dos trabalhadores e da maioria da população, defesa do patrimônio público e da soberania nacional e contra a independência do Banco Central.
Do ponto de vista da esquerda e mais propriamente do PT, há outro debate relevante. Trata-se crítica generalizada ao abandono das lutas sociais, dos territórios e à submissão da estratégia do partido a luta eleitoral e institucional, parlamentar ou de governo. Há uma avaliação de que devemos apostar na organização popular e sindical, na formação de um forte movimento consciente para sustentar nossos governos para além do apoio parlamentar e na sociedade. São pontos essenciais, que, no entanto, não excluem a luta institucional, seja eleitoral ou parlamentar.
Está claro que nas esquerdas não há consenso sobre a leitura do momento político e do período histórico em que vivemos. Na prática, apesar de se caracterizar o governo Bolsonaro como até neofascista, muitos se comportam como se vivêssemos em um governo como outro qualquer, desconsiderando seu caráter militar, autoritário, obscurantista e negacionista, fora o forte movimento conservador e autoritário que o sustenta com influência mesmo nos setores populares e da classe trabalhadora. Parecem desconhecer que viemos de várias derrotas e estamos na defensiva e num descenso das lutas sociais e populares, que há pela frente um longo caminho que passa pela unificação das oposições de esquerda pela base, pela construção de um programa comum, pela retomada do trabalho nos bairros e territórios, fazer a luta ideológica e cultural, disputar os setores das classes medias que votaram no passado nas esquerdas e nos deram quatro vitórias para presidente,
Há que destacar que a posição do PT unifica os partidos de esquerda – à exceção do Psol até este momento –, cria as bases para consolidar nossa aliança no Parlamento e abre caminho para uma Frente Popular à semelhança da Frente Ampla Uruguaia ou da experiência portuguesa da Geringonça. Ou pelo menos este deve ser nosso objetivo. Isso sem desconsiderar que o Manifesto assinado pelos partidos traz um compromisso com a democracia contra o autoritarismo e com a independência do Parlamento.
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