quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Bolsonaro e o neonazismo

Por Liszt Vieira, no site Carta Maior:


Para um candidato à Presidência da República que sempre contou com o apoio dos judeus conservadores, tudo indica que Bolsonaro deu um tiro no pé ao receber e tirar foto oficial com a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD) que abriga neonazistas.

O presidente da Confederação Israelita do Brasil, Claudio Lottenberg, que há três meses aplaudiu Bolsonaro num jantar com empresários de São Paulo (O Globo, 28/7/2021), lançou nota criticando o encontro do presidente com a deputada neonazista. O que parecia inexplicável do ponto de vista do interesse político-eleitoral de Bolsonaro, ganha luz com a recente descoberta da pesquisadora antropóloga Adriana Dias.

Conforme publicado no site Intercept, essa pesquisadora encontrou carta de Bolsonaro publicada no site neonazista Econac, com data de 2004. Na carta, Bolsonaro dizia: “Vocês são a razão da existência do meu mandato”. Além disso, três sites diferentes de neonazistas trazem um banner com a foto de Bolsonaro e um link para o site que ele tinha na época. Como se vê, desde 2004, pelo menos, os neonazistas apoiam Bolsonaro.

Não é a primeira vez que um militar brasileiro apoia o nazismo. Na ditadura de Getúlio Vargas, nos anos 30 do século passado, o próprio Ministro da Justiça, Francisco Campos, autor da Constituição ditatorial, era um notório admirador de Mussolini. O ministro da Guerra, Eurico Dutra, não escondia suas simpatias por Hitler, assim como o chefe do Estado-Maior, Góes de Monteiro, e o chefe da polícia da capital, Filinto Müller. Dutra e Monteiro chegaram a ser condecorados pelo Terceiro Reich com a maior distinção possível dada a estrangeiros. Ambos pressionaram para o Brasil apoiar a Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

O Ministro das Relações Exteriores, o chanceler Oswaldo Aranha, ex-embaixador nos Estados Unidos, era um contraponto à forte influência alemã no regime. Getúlio acenou publicamente para a Alemanha e Oswaldo Aranha negociou nos bastidores com os Estados Unidos. Antes e nos primeiros anos da 2ª. Guerra, o Brasil permaneceu numa posição de ambiguidade e pragmatismo. Consta que Getúlio negociou com os americanos a construção da Usina Siderúrgica Nacional em Volta Redonda em troca da cessão de uma base aérea em Natal para os EUA.

De lá para cá, os militares brasileiros se subordinaram aos interesses dos EUA e sua ideologia liberal anticomunista da guerra fria em troca de apoio e algum equipamento militar. Mas as ideias fascistas continuaram atuando nos bastidores, empolgando corações e mentes dos militares brasileiros. Estavam presentes na tentativa frustrada de Jacareacanga em fins de 1955 para impedir a posse de Juscelino Kubitschek, na chamada “República do Galeão” que tentou um golpe militar em 1954, adiado 10 anos pelo suicídio de Getúlio, no embargo à posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, no golpe de 1964, no AI-5 em dezembro de 1968, durante toda a repressão da ditadura militar, no atentado do Riocentro em 30/4/1981. 

Bolsonaro foi a expressão maiúscula do fascismo que germinava na sombra do ideário militar, uma espécie de “retorno do reprimido”, devidamente atualizado com o uso da mídia digital e sua indústria de fake news, espelhada na experiência da empresa Cambridge Analytica no Brexit, em junho de 2016 no Reino Unido, e na eleição de Trump, em novembro de 2016, nos EUA.

Agora, pesquisadores encontraram no Arquivo Nacional documento mostrando o antissemitismo do Exército. O documento confidencial do Ministério do Exército, de 12/2/1976, com o título Informação número 303/76-CB, o Assunto “O Judeu e o Comunismo” a Origem “DOI/CODI/ II Ex ------------------P.00769/76, e Difusão CTE K- SNI/ASP, depois de um texto carregado de preconceito, relaciona em seguida 56 militantes de esquerda, de origem judaica, que lutaram contra a ditadura militar.

Bolsonaro não encontrou no Exército nenhum obstáculo para desenvolver suas ideias fascistas. Após sua eleição em 2018, Bolsonaro e seus filhos passaram a cortejar e visitar países com regimes autoritários de extrema direita e se reunir com suas lideranças. Em abril de 2019, Eduardo Bolsonaro visitou o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, e o vice premier da Itália, Matteo Salvini, líder da Liga. Em julho de 2021, visitou a Ucrânia e sua indústria bélica. E não escondeu sua simpatia pelo grupo paramilitar de extrema direita 'Pravyi Sektor', O presidente Jair Bolsonaro adiou visita a Hungria e Polônia por causa da pandemia e já demonstrou simpatia pelo ditador das Filipinas, Rodrigo Duterte. No que se refere a Trump, a relação de Bolsonaro é de vassalagem.

“O papel do Governo brasileiro ficou claro em janeiro de 2021, quando funcionários de alto escalão de Trump enviaram mensagens a outros países informando que projetos que tinham sido conduzidos pela Casa Branca seriam assumidos a partir daquele momento por Bolsonaro. Seria do presidente brasileiro a função de liderar a aliança internacional ultraconservadora criada para influenciar as decisões da ONU, OMS e outros organismos. A informação faz parte de um e-mail enviado a colaboradores por Valerie Huber, do governo Trump, anunciando em 20 de janeiro de 2021 que o Brasil gentilmente ofereceu-se para coordenar essa “coalizão histórica” (El País, 26/7/2021).

Os Bolsonaros são parte integrante da articulação internacional de extrema direita que espera o retorno de Trump ao poder nos EUA. Bolsonaro está assumindo papel de liderança nesse movimento para se colocar de joelhos aos pés de seu big boss, Donald Trump. Essa missão é prioritária para Bolsonaro, pois corresponde à sua ideologia neonazista. Para levar adiante essa tarefa, ele prejudica até mesmo seus interesses eleitorais.

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