Charge: Duke |
Convenhamos que a aprovação pelo Senado de André Mendonça, com sua nova farta cabeleira, para o Supremo Tribunal Federal não constitui um risco para a democracia e libera Augusto Aras de seu dever de obediência a Bolsonaro. As chances deste último ver seu nome indicado para o mesmo cargo são poucas, pois dependem da reeleição do abominável.
Não constitui em si uma afronta ao estado laico. Quem afrontou a laicidade foi o ocupante do Planalto ao dizer que o nomeava por ser terrivelmente evangélico. Não tivesse dito isso e não se falaria em sua religiosidade, sobretudo se levarmos em conta que o estado laico é afrontado todos os dias, em milhares de repartições públicas, por crucifixos que adornam suas paredes.
O que assusta não é como votará, pois não parece crível que o faça fundamentando seu voto em versículos bíblicos. Também sabemos que tem, ao contrário de Kássio ConKá, certo conhecimento jurídico. Até mesmo ConKá já aparece com um ar um pouco menos aparvalhado e perdido durante as sessões.
O que amedronta é ver o show de fanatismo que se seguiu à aprovação. Não era um grupo de amigos que estava a seu lado. Era um grupelho de alucinados, encabeçado pela primeira dama, que pulava, dançava e falava uma língua ininteligível que, ao que parece, lhe rende mais pontos junto ao Senhor. O que ali se viu era uma seita de fanáticos que, tanto podem cometer suicídio coletivo, quanto nos queimar nas fogueiras da Inquisição sob o olhar aprovador de Damares da Goiabeira.
Ainda bem que minha pessoinha estava fortificada por ter ido, antes de assistir àquela cena lamentável, visitar uma exposição, na Galeria Anita Schwartz, na Gávea, de algumas obras de Renato Bezerra de Melo.
A exposição é um bem vindo soco no estômago de qualquer brasileiro digno desse nome. Um dos mais delicados e sensíveis protestos que já vi.
Ali vemos o mapa do Brasil, feito com pequenos cartões, onde estão nomeados os mais de mil e cem povos indígenas que aqui um dia existiram. O caderno Alvos da Violência, em delicadíssimo papel, mostra em suas páginas, com desenhos em forma de alvos, o número de mortos por armas de fogo ocorridas em nosso país desde 1980. Admirável a homenagem a Copa Roca, costureiras e bordadeiras da comunidade da Rocinha, homenagem materializada num vestido branco bordado com a inicial dos nomes das que foram vítimas de violência doméstica e do Estado.
A sala é circundada por noventa e um desenhos, todos feitos em vermelho, onde podemos ler o mesmo número de palavras, tais como boçal, ladrão, assassino, que definem a relação Bolsonaro/pandemia. São noventa e uma palavras, mas são ainda muito poucas para o imenso número de mortes que poderiam ter sido evitadas.
Duas caixas de acrílico contêm bolinhas coloridas feitas com fios de linha que se soltaram ao longo de seus bordados. O resultado visual é lindíssimo, mas o mais importante é que ali se materializa a crença na imensa capacidade de renascer.
Depois de assistir à primeira dama em êxtase, é indispensável acreditar que, como seres humanos, a partir de simples fiapos no chão, podemos recriar um país.
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