Charge: Latuff |
O presidente da Anvisa Antonio Barra Torres assina nota como “Oficial General da Marinha do Brasil” em que exige – sim, exige – retratação do Bolsonaro pela insinuação que ele fez sobre supostos interesses escusos da Anvisa ao preconizar tecnicamente a imunização de crianças.
“Se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, anotou Barra Torres, que ainda desafiou Bolsonaro: “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa […]”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária não é um órgão militar. É uma instituição civil dotada de autonomia científica para regulamentar e regular produtos, insumos e práticas de saúde à luz da ciência, da legislação nacional e dos protocolos da Organização Mundial de Saúde incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
Em vista disso, portanto, é inadequado e totalmente despropositado o uso, pelo presidente da Anvisa, do seu posto na hierarquia militar. A evocação do cargo militar, por outro lado, parece não ter sido fortuita; pode ser algo deliberado e orquestrado com o propósito de confundir e gerar caos.
Por que Barra Torres assinou o comunicado como “Contra-Almirante RM1 Médico – Marinha do Brasil” – portanto, um superior hierárquico do capitão reformado?
Escudado no mandato aprovado pelo Senado de Diretor-Presidente da Anvisa, Barra Torres usa, porém, a hierarquia militar para dar ordens a Bolsonaro – inferior na hierarquia militar, mas seu superior hierárquico enquanto comandante-supremo das Forças Armadas.
Não é preciso muito esforço para deduzir que, em qualquer desfecho deste episódio, é bastante significativa a possibilidade de eclosão de uma crise.
Qualquer que seja a reação de Bolsonaro, seja ela ensaiada ou não, o potencial de crise e impasse é considerável. Até que ponto isso é planejado e fabricado? Ou será resultado de uma crise real no interior dos estamentos militares?
Ou os militares pretendem fabricar uma “crise militar” pra tumultuar o ambiente político e institucional; ou, então, há, de fato, uma “crise militar” que, de todo modo, serve para tumultuar e desestabilizar o já tenso clima político e institucional.
Do ponto de vista do partido dos generais, o cenário de crise real ou fabricada oferece-lhes uma equação de ganha-ganha, na qual, em qualquer caso, do ponto de vista deles, as Forças Armadas assumem as rédeas da situação.
Em qualquer caso, o efeito seria o mesmo: as FFAA sempre estarão a postos para “garantirem a lei e a ordem” diante do caos promovido pelos próprios militares no contexto da guerra híbrida que desenvolvem.
Seja na eventualidade duma crise real, ou de uma crise fabricada por eles mesmos, uma pergunta se impõe: por que fazem isso?
Se algo tem ficado cada vez mais claro, é que o partido dos generais joga nas duas pontas: tumultua e simula caos e, ao mesmo tempo, oferece o controle total da situação.
Não por acaso, nos últimos dias eles plantaram notícias na imprensa sobre riscos de violência na eleição de outubro.
É um truque manjado. Na realidade, com meses de antecedência eles testam a reação da sociedade a um roteiro que já está escrito de antemão, de um possível “Capitólio de Brasília” que podem estar armando, nos moldes dos acontecimentos terroristas perpetrados pelos trumpistas nos EUA em 6 de janeiro de 2021. O general Fernando Azevedo e Silva já está escalado em posto-chave no TSE para cumprir eventual “missão”.
Neste cenário, eles “naturalmente” preveem que as Forças Armadas serão “convocadas” a oferecerem a solução salvadora de garantia/tutela da democracia e de estabilidade do sistema diante da crise que eles próprios inventam e produzem…
Por trás das imagens cândidas e de prestação de serviços comunitários que o Exército publicou no twitter nos últimos dias, se esconde a face real duma instituição transformada em facção política; convertida em milícia armada que conspira contra o Estado de Direito e tutela a democracia.
O professor da UFRRJ Francisco Carlos Teixeira da Silva arrisca uma hipótese que não deixa de ser alentadora, ainda que de duvidosa confirmação, na opinião dele mesmo: “há uma versão de crise fabricada para esvaziar a pressão sobre o caso da Bahia, já que a ‘facada – episódio 2022’, não colou”, disse ele.
Os sinais estão no ar.
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