sexta-feira, 19 de maio de 2023

Novos nomes no Banco Central

Charge: Geuvar
Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Posso falar do Banco Central mais um pouco? Prometo, querido leitor, mudar de assunto na próxima coluna. É que há motivo para insistir no assunto hoje: o governo finalmente anunciou os dois novos nomes para a diretoria do Banco Central (BC), exercendo prerrogativa legal do Presidente da República. A demora foi mais longa do que se poderia esperar, pois os mandatos dos diretores que estavam de saída venceram no fim de fevereiro. Em todo caso, está feito. Foram indicados Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária e Aílton de Aquino Santos para a diretoria de fiscalização. Os nomes seguem para apreciação do Senado.

Não quero discutir as qualidades e a biografia dos indicados, mas sim situar as indicações no quadro mais amplo do BC e do seu Comitê de Política Monetária (Copom). A pergunta que cabe fazer é a seguinte: eles conseguirão fazer diferença na condução da política monetária?

Há uma certa esperança de que poderão fazer alguma diferença. O próprio Presidente da República deve estar na expectativa de que os diretores indicados por ele tragam ventos novos a um BC amarrado a uma política monetária bem discutível, para dizer o mínimo.

A relutância em rever a política de juros estratosféricos causa perplexidade. Só recebe aplausos na Faria Lima e da parte dos super-ricos, os principais detentores de riqueza financeira. Com essa política, o Brasil se constitui, como se sabe, em verdadeiro paraíso dos rentistas. Onde, pergunto, existe a oportunidade de aplicar em títulos públicos e outros ativos financeiros, usufruindo, ao mesmo tempo, de alta rentabilidade, liquidez e risco de crédito baixo? Não é por outra razão que Roberto Campos Neto, quando aparece na Faria Lima para palestras ou reuniões, encontra a acolhida eufórica que só um Messi recebe quando entra em campo. A diferença é que Messi é um supercraque e Campos Neto, nem tanto.

Mas não quero resvalar para ataques ad hominem. Campos Neto não é essencialmente diferente de alguns dos seus antecessores na presidência do BC, Goldfajn ou Meirelles por exemplo, como ele fiéis e monótonos servidores da turma da bufunfa. O Brasil só sairá do subdesenvolvimento, volto a dizer, quando figuras desse naipe deixarem de ser celebrados e considerados como referências.

Campos Neto domina amplamente, pelo que se sabe, as reuniões da diretoria do BC e do Copom. Os demais diretores, menos expressivos ao que parece, não conseguem fazer face a ele. Isso abre uma janela de oportunidade para os dois novos diretores. Se quiserem inovar, terão de polemizar com apenas um, e não com um grupo de integrantes do Copom. É verdade que esse “um” é o presidente da instituição, mas o desafio seria maior se outros diretores também tivessem voz ativa.

Tudo depende, é claro, do ânimo dos novos diretores. Que caminho seguirão? O mais fácil, regiamente recompensado pelo mercado, é somar-se pacifica e bovinamente ao “consenso” que sustenta a política de juros elevados. O diretor que o fizer será acolhido como membro “responsável” e “confiável” da comunidade financeira. A mídia tradicional, amplamente financeirizada, dará repercussão pronta e vasta a seus pontos de vista, por mais triviais e inofensivos que possam ser. Terminada a sua passagem pelo BC, ele terá ofertas de empregos confortáveis e bem-remunerados na Faria Lima e adjacências. E deixará o campo sob aplausos calorosos do mercado e da mídia. O roteiro que acabo de resumir é conhecido – e tentador.

O caminho mais árduo, menos recompensador, é questionar, exercer o espírito crítico. Há diversas maneiras de fazê-lo. Vejamos algumas.

O BC é bem opaco quanto aos modelos que fundamentam, ou ajudam a fundamentar, suas decisões de política monetária. Esses modelos são usados para identificar a taxa de juro consistente com as metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Respondem, em outras palavras, à seguinte pergunta: qual a taxa de juro requerida para forçar a inflação a convergir para as metas? Poderiam os novos diretores, especialmente o de política monetária, sair da zona de conforto e examinar com cuidado esses modelos, avaliando se são aceitáveis ou não.

Modelos macroeconômicos nunca são a única referência usada pelo BC para definir os rumos da política monetária, nem no Brasil nem em parte alguma. Se os novos diretores pretendem ser mais do que vaquinhas de presépio, terão de examinar com lupa não só os modelos, mas também os outros elementos que fundamentam as decisões do Copom, em especial as variáveis construídas pelo próprio BC. Isto inclui, por exemplo, as desagregações dos índices de preços, os núcleos de inflação, os critérios utilizados para aferir as expectativas de inflação, além dos indicadores correntes e antecedentes dos níveis de atividade econômica e emprego.

Outro ponto espinhoso, raramente discutido: como se formam as expectativas de inflação e qual o papel do BC na sua formação? O BC deve aceitar passivamente as expectativas do mercado e seus efeitos sobre os juros longos? Ou deve atuar para influir sobre elas e operar ao longo da curva de juros, como têm feito os bancos centrais de países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008-2010?

Os novos diretores também deveriam, no meu entender, debruçar-se sobre uma questão básica: convém rever as metas de inflação? Tem base a afirmação sempre repetida pelo atual presidente do BC de que um aumento da meta em nada ajudaria a praticar juros mais civilizados? O argumento dele, in nuce, é que a revisão da meta levaria a um aumento pro tanto da inflação esperada, forçando o BC a continuar praticando juros elevados. Parece frágil essa suposição. Mesmo que a inflação esperada aumente, pressionando os juros nominais, a flexibilização das metas deve permitir uma diminuição dos juros reais. O tema é polêmico, mas o que se espera dos novos diretores é disposição de levantar dúvidas sobre essa e outras teses dominantes no BC.

Paro por aqui. Os diretores novos, como os demais, estão protegidos por mandatos fixos, de acordo com a lei de autonomia do BC. Estão, assim, relativamente a salvo das insatisfações do governo e do Presidente da República que os indicou. Isso os faria pender para os dogmas e interesses da Faria Lima?

Veremos.

* Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista Carta Capital.

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.

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