Por Michelle Chen, no sítio Outras Palavras:
Com culpado prazer, a grande mídia nos está servindo um cardápio de razões para desprezar o império midiático de Rupert Murdoch. Em meio à confusão mal-cheirosa, no entanto, não se deveria esquecer que por baixo de qualquer magnata da mídia, apesar de podre, existe uma empresa de pessoas reais – uma cultura de trabalhadores que representam o estado trágico e conflagrado do jornalismo atual. As violações éticas que estão sendo reveladas refletem corrupção de cima a baixo. Ainda mais importante, a criminalidade instala-se em uma cultura corporativa de laissez faire vulgar, na qual honestidade e pensamento crítico são descartados e vistos como um impedimento ao sucesso comercial.
A espionagem e suborno apontados são apenas sintomas extremos da metástase que atinge toda a mídia. Ouçamos os ex-empregados que falaram com a Reuters sobre o santuário secreto do conglomerado de Murdoch – a News Corp – conectando diretamente o clima implacável da redação com o abandono da ética.
“Um quinto ex-empregado da News International, que trabalhava com jornalistas do News Of the World, afirma que seus repórteres estavam sob ‘pressão fenomenal, inacreditável’. Eram tratados com dureza por chefes que os insultavam aos gritos. Os jornalistas eram movidos pelo medo de falhar. Temiam a demissão, se não conseguissem histórias regularmente. Isso levava a uma competição rude si mesmos.
“Repórteres relatam que viviam sob medo constante de disputas internas, que eliminavam os que encontravam menos histórias. ‘Estavam sempre tentando se livrar de pessoas, porque o trabalho massacrantes. A situação ideal era trabalhar insanamente nos primeiros seis meses, e permanecer no emprego por mais seis’, diz um repórter do noticiário geral. ‘A cada minuto, você sentia que seu empregador o odiava’”
Ainda mais perturbador é saber que a “espionagem em contas de e-mail ou a obtenção de registros de chamadas telefônicas era, inicialmente, uma medida para contenção de custos.” Visava encontrar furos rapidamente, de forma barata. Ou seja, a pressão por maximizar lucros contribuiu diretamente para a corrupção de práticas de reportagem.
O comentarista de mídia George Snell analisa essa mentalidade de fazer ou morrer:
Atualmente, a pressão sobre os jornalistas é enorme. A indústria ainda não se recuperou do grande colapso da mídia em 2008-09, quando mais de 30 mil jornalistas foram demitidos. Houve mais de 2.800 demissões no ano passado e mais de 1.000 cortes nesse ano, de acordo com o Paper Cuts, serviço que acompanha as demissões em jornais. Isso significa que menos jornalistas – com menos experiência – estão trabalhando mais.
“A tecnologia, principalmente na internet, fez crescer ao extremo a pressão dos prazos. Esqueça os fechamentos diários ou até mesmo a cada hora: as notícias estão sendo publicadas a cada segundo, todos os dias”.
Snell conclui com uma questão crua: “com todos esses fatores ampliando a pressão sobre os jornalistas tradicionais, há alguma dúvida de que alguns estão utilizando práticas antiéticas e desleais? O escândalo da News of the World é uma anomalia ou um prenúncio de uma nova era de jornalismo marrom?”
Na era do copia-e-cola, apesar do crescimento do jornalismo cidadão e outros movimentos da mídia alternativa, ética profissional e qualidade parecem cada vez mais escassos, em parte porque a força de trabalho está se desintegrando, nos poucos conglomerados que dominam o setor. Isso não é uma novidade na Fortaleza Murdoch: na década de 1980, o the tablóide magnata ultrajou os sindicatos britânicos da mídia, deslocando a impressão de seus jornais para uma empresa não submetida às normas sindicais em Wapping, leste de Londres. Isso abriu uma disputa trabalhista enorme, rlatada pelo jornalista Ian Griffiths em um artigo publicado no The Observer, em 2006.
A decisão de imprimir os jornais em Wapping não foi apenas uma forma calculada, cínica e inteligente de afirmar de modo radical o direito do capitalista a gerir a empresa segundo seus próprios interesses. Foi também a oportunidade de provocar os jornalistas a um confronto desejado pelo patrão, nocauteá-los e colocá-los em seu lugar de uma vez para todas.
A atitude crua não é apenas uma decisão empresarial interna, é claro. Ela espelha uma opção editorial. Matérias idoeologicamente carregadas, que demonizam os sindicatos e os pobres saem constantemente nos jornais da News Corp – especialmente na Fox News e no New York Post (ao assumir seu controle, Murdoch, também demitiu diversos jornalistas ligados ao sindicato).
Aqui, a história se repete. Num artigo profético sobre a concentração da mídia (escrito antes de um tsumani de desregulação do setor, nos Estados Unidos), o estudioso de ética jornalista John McManus notou:
“Quanto maior o megafone, maior o perigo de que um proprietário possa controlar amplos segmentos da opinião pública, sufocando opiniões opostas. Murdoch, controlador da FoxTV, e da NewsCorp, a maior produtora mundial de jornais, alterou a orientação política do jornal de maior circulação na Inglaterra – o The Sun. A publicação aliava-se aos trabalhistas e bandeou para os conservadores depois de comprada, em 1974. Em consequência, uma parcela expressiva dos eleitores britãnicos recebeu nove páginas de artigos anti-trabalhistas às vésperas das últimas eleições – inclusive um entrevista com um “parapsicóloco”, para quem Mao Zedong, Adolph Hitler e Joseph Stalin apoiavam, de suas tumbas, o candidato do partido.
Enquanto marginalizava e manipulava as pessoas comuns, o monopólio midiático de Murdoch alimentou a expansão de círclulos de influência incestuosos na classe política britânica. Conforme apontou o estudioso de mídia Jay Rosen, “seu neógico principal não é a notícia. É o tráfico de influência”.
Mas mesmo que os jornais tenham se tansformado em simples ferramentas para tráfico político, os jornalistas converteram-se em vítimas. O fato mais importante por trás do Murdoch é que as pessoas mais atingidos pela corrupção, dentro e fora da News Corp, são trabalhadores comuns, que sofreram abuso de um ethos organizacional moldado segundo os interesses da corporação.
Aqui está um do escândalo sobre o qual os jornais ainda não se detiveram: se a corrupção na imprensa está enraizada na cultura, a mudança cultural precisa começar no local de trabalho e significa dar voz aos jornalistas.
Donnacha Delong, presidente da União Nacional dos Jornalistas (NUJ), escreveu no Guardian que se os trabalhadores do News of the World tivessem efetiva representação sindial, a entidade poderia ter intervido, como árbitro ético, para mudar as relações entre trabalho e gerência. Mas Murdoch manteve a NUJ “afastada da News International”
Um sindicato bem organizado pode ser um contrapeso ao poder dos editores e proprietários e limitar seus excessos. O coletivo pode enfrentar o estresse e as atitudes de bullying e evitar que os jornalistas se desesperem. Agora, estamos todos na parede. A concentração da mídia, a pressão esmagadora da indústria de notícias e a tendência ao fuxico, para contentar os anunciantes, estão corroendo jornalismo por dentro. As promessas de inovação da era digital estão sendo sufocadas, na mídia tradicional, por um modelo de negócios que trata a informação como mero produto”.
A partir das manchetes dos últimos dias seria possível refletir sobre algo: não são mercadorias nem a informação, nem o trabalho dos que lutam todos os dias para manter a imprensa livre.
* Tradução de Daniela Frabasile.
Com culpado prazer, a grande mídia nos está servindo um cardápio de razões para desprezar o império midiático de Rupert Murdoch. Em meio à confusão mal-cheirosa, no entanto, não se deveria esquecer que por baixo de qualquer magnata da mídia, apesar de podre, existe uma empresa de pessoas reais – uma cultura de trabalhadores que representam o estado trágico e conflagrado do jornalismo atual. As violações éticas que estão sendo reveladas refletem corrupção de cima a baixo. Ainda mais importante, a criminalidade instala-se em uma cultura corporativa de laissez faire vulgar, na qual honestidade e pensamento crítico são descartados e vistos como um impedimento ao sucesso comercial.
A espionagem e suborno apontados são apenas sintomas extremos da metástase que atinge toda a mídia. Ouçamos os ex-empregados que falaram com a Reuters sobre o santuário secreto do conglomerado de Murdoch – a News Corp – conectando diretamente o clima implacável da redação com o abandono da ética.
“Um quinto ex-empregado da News International, que trabalhava com jornalistas do News Of the World, afirma que seus repórteres estavam sob ‘pressão fenomenal, inacreditável’. Eram tratados com dureza por chefes que os insultavam aos gritos. Os jornalistas eram movidos pelo medo de falhar. Temiam a demissão, se não conseguissem histórias regularmente. Isso levava a uma competição rude si mesmos.
“Repórteres relatam que viviam sob medo constante de disputas internas, que eliminavam os que encontravam menos histórias. ‘Estavam sempre tentando se livrar de pessoas, porque o trabalho massacrantes. A situação ideal era trabalhar insanamente nos primeiros seis meses, e permanecer no emprego por mais seis’, diz um repórter do noticiário geral. ‘A cada minuto, você sentia que seu empregador o odiava’”
Ainda mais perturbador é saber que a “espionagem em contas de e-mail ou a obtenção de registros de chamadas telefônicas era, inicialmente, uma medida para contenção de custos.” Visava encontrar furos rapidamente, de forma barata. Ou seja, a pressão por maximizar lucros contribuiu diretamente para a corrupção de práticas de reportagem.
O comentarista de mídia George Snell analisa essa mentalidade de fazer ou morrer:
Atualmente, a pressão sobre os jornalistas é enorme. A indústria ainda não se recuperou do grande colapso da mídia em 2008-09, quando mais de 30 mil jornalistas foram demitidos. Houve mais de 2.800 demissões no ano passado e mais de 1.000 cortes nesse ano, de acordo com o Paper Cuts, serviço que acompanha as demissões em jornais. Isso significa que menos jornalistas – com menos experiência – estão trabalhando mais.
“A tecnologia, principalmente na internet, fez crescer ao extremo a pressão dos prazos. Esqueça os fechamentos diários ou até mesmo a cada hora: as notícias estão sendo publicadas a cada segundo, todos os dias”.
Snell conclui com uma questão crua: “com todos esses fatores ampliando a pressão sobre os jornalistas tradicionais, há alguma dúvida de que alguns estão utilizando práticas antiéticas e desleais? O escândalo da News of the World é uma anomalia ou um prenúncio de uma nova era de jornalismo marrom?”
Na era do copia-e-cola, apesar do crescimento do jornalismo cidadão e outros movimentos da mídia alternativa, ética profissional e qualidade parecem cada vez mais escassos, em parte porque a força de trabalho está se desintegrando, nos poucos conglomerados que dominam o setor. Isso não é uma novidade na Fortaleza Murdoch: na década de 1980, o the tablóide magnata ultrajou os sindicatos britânicos da mídia, deslocando a impressão de seus jornais para uma empresa não submetida às normas sindicais em Wapping, leste de Londres. Isso abriu uma disputa trabalhista enorme, rlatada pelo jornalista Ian Griffiths em um artigo publicado no The Observer, em 2006.
A decisão de imprimir os jornais em Wapping não foi apenas uma forma calculada, cínica e inteligente de afirmar de modo radical o direito do capitalista a gerir a empresa segundo seus próprios interesses. Foi também a oportunidade de provocar os jornalistas a um confronto desejado pelo patrão, nocauteá-los e colocá-los em seu lugar de uma vez para todas.
A atitude crua não é apenas uma decisão empresarial interna, é claro. Ela espelha uma opção editorial. Matérias idoeologicamente carregadas, que demonizam os sindicatos e os pobres saem constantemente nos jornais da News Corp – especialmente na Fox News e no New York Post (ao assumir seu controle, Murdoch, também demitiu diversos jornalistas ligados ao sindicato).
Aqui, a história se repete. Num artigo profético sobre a concentração da mídia (escrito antes de um tsumani de desregulação do setor, nos Estados Unidos), o estudioso de ética jornalista John McManus notou:
“Quanto maior o megafone, maior o perigo de que um proprietário possa controlar amplos segmentos da opinião pública, sufocando opiniões opostas. Murdoch, controlador da FoxTV, e da NewsCorp, a maior produtora mundial de jornais, alterou a orientação política do jornal de maior circulação na Inglaterra – o The Sun. A publicação aliava-se aos trabalhistas e bandeou para os conservadores depois de comprada, em 1974. Em consequência, uma parcela expressiva dos eleitores britãnicos recebeu nove páginas de artigos anti-trabalhistas às vésperas das últimas eleições – inclusive um entrevista com um “parapsicóloco”, para quem Mao Zedong, Adolph Hitler e Joseph Stalin apoiavam, de suas tumbas, o candidato do partido.
Enquanto marginalizava e manipulava as pessoas comuns, o monopólio midiático de Murdoch alimentou a expansão de círclulos de influência incestuosos na classe política britânica. Conforme apontou o estudioso de mídia Jay Rosen, “seu neógico principal não é a notícia. É o tráfico de influência”.
Mas mesmo que os jornais tenham se tansformado em simples ferramentas para tráfico político, os jornalistas converteram-se em vítimas. O fato mais importante por trás do Murdoch é que as pessoas mais atingidos pela corrupção, dentro e fora da News Corp, são trabalhadores comuns, que sofreram abuso de um ethos organizacional moldado segundo os interesses da corporação.
Aqui está um do escândalo sobre o qual os jornais ainda não se detiveram: se a corrupção na imprensa está enraizada na cultura, a mudança cultural precisa começar no local de trabalho e significa dar voz aos jornalistas.
Donnacha Delong, presidente da União Nacional dos Jornalistas (NUJ), escreveu no Guardian que se os trabalhadores do News of the World tivessem efetiva representação sindial, a entidade poderia ter intervido, como árbitro ético, para mudar as relações entre trabalho e gerência. Mas Murdoch manteve a NUJ “afastada da News International”
Um sindicato bem organizado pode ser um contrapeso ao poder dos editores e proprietários e limitar seus excessos. O coletivo pode enfrentar o estresse e as atitudes de bullying e evitar que os jornalistas se desesperem. Agora, estamos todos na parede. A concentração da mídia, a pressão esmagadora da indústria de notícias e a tendência ao fuxico, para contentar os anunciantes, estão corroendo jornalismo por dentro. As promessas de inovação da era digital estão sendo sufocadas, na mídia tradicional, por um modelo de negócios que trata a informação como mero produto”.
A partir das manchetes dos últimos dias seria possível refletir sobre algo: não são mercadorias nem a informação, nem o trabalho dos que lutam todos os dias para manter a imprensa livre.
* Tradução de Daniela Frabasile.
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