sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Blogueiros debatem papel da internet

Por João Brant, no Observatório do Direito à Comunicação:

“Se tivéssemos feito esse encontro há cinco anos, estaríamos falando do Myspace”. A afirmação de Ignacio Ramonet durante o I Encontro Mundial de Blogueiros, realizado em Foz do Iguaçu entre os dias 27 e 29 de outubro, queria lembrar os participantes da rapidez das mudanças dos últimos anos. Talvez não fosse preciso ir tão longe. Um encontro mundial de blogueiros em 2010 seria uma boa oportunidade para discutir como as corporações tentam quebrar a neutralidade de rede ou como alguns países censuram blogueiros que se opõem a regimes autocráticos. Debate interessante para ativistas mais envolvidos e interessados, sem mais.



Em 2011, depois da explosão do Wikileaks, praça Tahrir, praça da Porta do Sol e Kasbah, o cenário é outro. A discussão sobre blogueiros, redes sociais e o papel da internet está no centro do debate político, e o conflito de perspectivas apocalípticas e integradas revela mais do que ceticismo e paixão. O encontro promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Independente Barão de Itararé e pela Altercom, que agrupa pequenos empreendedores da comunicação, reuniu cerca de 450 pessoas de 23 países, e espelhou bem essas diferentes perspectivas.

A visão cética de alguns ativistas que afirmam veementemente que a luta se dá nas ruas, e não nas redes, foi contrastada com um outro segmento que vê na internet a realização de ideais libertários e ela própria realizadora de uma democracia radical. Em meio a uma escala de opiniões com muitos tons de cinza, ativistas egípcios, sauditas e paquistaneses mostraram, sem precisar muito explicar, que, na disputa política real, essa polarização é o que menos importa.

Os exemplos politizados não vieram só do mundo árabe. O perfil majoritário dos participantes, em sua maioria latino-americanos, era de ativistas por transformação e justiça social, ressaltando uma ligação de internet e política que já é dada como natural, mas talvez não o fosse na era do MySpace.

Ocupas, occupy

Num campo em que as eras são contadas de cinco em cinco anos, um ano pode ser praticamente considerado o equivalente a um período geológico. Nesse cenário, poucos são os que se arriscam a fazer grandes previsões, sob o risco de serem lembrados como jurássicos já em 2012. A precaução em não fazer muitas previsões concretas deixa espaço para análises mais subjetivas, em que coabitam os que preferem ver o copo meio cheio e os que destacam sua parte meio vazia. Na mesa em que debateram, Andrés Thomas Conteris, do site norte-americano Demcracy Now e Pascual Serrano, do espanhol Rebelión, assumiram essas duas facetas.

Serrano não poupou a mobilização da Praça da Porta do Sol para destacar um caráter precário dos movimentos gerados pelas redes sociais. “Que profundidade analítica, que elaboração intelectual, que discussão política há nesses espaços?” A tese de Serrano é de que há um caráter místico e triunfalista na relação com a internet que atrapalha a análise política. “Até agora, essas mobilizações não produziram verdadeiras mudanças nas estruturas de poder”, completou o espanhol.

Editor da página em espanhol do Democracy Now, Andrés Thomas Conteris assumiu exatamente a perspectiva criticada por Serrano. Ele tomou como inspiração o movimento Ocuppy Wall Street para dizer que há uma ligação entre mobilizações virtuais e mobilizações reais que permite trazer à tona os pontos de vista dos 99% da população que não estão entre os 1% que concentram o poder econômico. “O movimento de 'occupy' está indo onde está o silêncio”, disse Conteris. Para ele, a internet tem um enorme papel nisso, e se relaciona com esses movimentos de ocupação pelos seus valores: transparência, independência, constância, democracia participativa, horizontalidade e contexto global. “Temos de tomar esses pontos como referência para nossa atuação na comunicação”, propôs.

Por não deixar de reconhecer o papel de democratização da informação e o potencial transformador da Internet, Serrano afirmou que os mais críticos a uma visão triunfalista não devem se afastar da rede. “Devemos nos incorporar para poder mudá-la”. O problema, segundo ele, é que há uma simplificação das mensagens ideológicas e políticas e um risco de construir um jornalismo que não seja suficientemente rigoroso e analítico e não dê atenção ao contexto. “As novas gerações não querem ouvir falar de reportagens, só fazem leituras curtas”, apontou, preocupado.

Conteris preferiu destacar a possibilidade desses movimentos em trazer mudanças profundas nos EUA e no mundo. A retomada de um processo de mobilização global, para ele, traz a oportunidade de que venham à tona as histórias que não são contadas e as perspectivas que não aparecem na velha mídia, o que daria espaço a uma verdadeira democracia. “A 'electocracia' que temos hoje não tem a ver com democracia real”.

A velha mídia e a velha política

Falsa ou não, a polarização entre os céticos e os otimistas desaparece quando o assunto é a velha mídia. “Esses monopólios transformaram a liberdade de expressão e o direito à informação num privilégio”, apontou Serrano. Desta vez em uníssono, Conteris destacou que “a velha mídia só fala pelo 1%, não reflete os outros 99%”.

O jornalista e blogueiro brasileiro Luís Nassif preferiu um olhar histórico na tentativa de explicar o lugar da grande mídia. “Temos uma história de movimentos pendulares de alternância de poder entre forças constituídas. Nesse processo, os meios de comunicação sempre representam o poder anterior”, afirmou. Nassif destaca como os jornais abriram mão da eficiência estratégia da objetividade jornalística. “Quando a linguagem tem essa cara, você ganha mais credibilidade. Mas os jornais viraram os mais agressivos”, observou. “Hoje o grande propagador de intolerância é a velha mídia”, diz Nassif. Ignacio Ramonet destacou a crise de identidade da velha mídia. “Os meios tradicionais não sabem muito bem para que existem”, afirmou o criador do Le Monde Diplomatique.

Ainda sobre o lugar dos meios tradicionais, em diversas falas do encontro, transpareceu a ideia de que o poder da velha mídia está caduco e de que sua derrocada seria um fato positivo que dependeria apenas de tempo. Essa visão parte da ideia de que os sites, blogs e redes sociais já teriam autonomia e suficiente capacidade de produção própria de informação. Martin Becerra, argentino, pesquisador de políticas de comunicação, contestou essa visão. Para ele, as redes sociais têm agenda subsidiária dos grandes meios comerciais, que ainda são, em suas versões tradicionais ou eletrônicas, as principais fontes de informação primária.

A principal preocupação de Becerra é com dois riscos trazidos pelo triunfalismo da internet. O primeiro é o que ele chama de risco metonímico. “Algumas pessoas acreditam que a temperatura da sociedade está bem medida pelas redes sociais, mas não dá para traduzir o todo por essa parte”, disse. O segundo risco vem do fato de que blogs e redes sociais tendem a agrupar aqueles que pensam parecido. O problema aí é que essa configuração tende a expulsar daquele espaço os que não têm acordo básico com determinados grupos, e criar uma forte homogeneidade interna. “Em termos de pluralismo, isso cria um perigo real. A existência atomizada de muitos blogs que reagem aos que pensam diferente pode criar ilusão de que na sociedade há pluralismo, mas essa ilusão debilita muito a noção de pluralismo”, completou Becerra.

Com a mesma preocupação, Nassif reconhece a importância da militância da Internet, mas afirma a necessidade de reconhecer o surgimento dos mediadores, diferentes daqueles da velha mídia. “Os mediadores de todos os campos vão pegar aquele conjunto de informações e tentar estabelecer áreas de democratização, com confronto de ideias, mas sem a selvageria”. Para ele, é preciso entender o processo de formação da opinião pública para se compreender como as novas mídias podem disputar espaço com a velha. “O que define o poder da mídia é a capacidade de multiplicar estereótipos e slogans”, disse. O jornalista explica que esse processo se dá por círculos – informações de intelectuais e formadores de opinião são processadas pelo jornalismo especializado, que influencia jornalistas mais populares que alcançam os formadores de opinião nas famílias. “O risco aí é que o leitor médio só absorve a manchete, o que pode criar o efeito manada, em que o grande público acompanha a posição de meia dúzia de líderes de opinião sem uma reflexão crítica”, destaca.

Enquanto isso, no Cairo

A despeito da repercussão do verão espanhol e do outono em Wall Street, foi a primavera árabe que assistiu à integração mais potente entre a mobilização das ruas e as estratégias de mobilização virtual. O relato de Ahmed Bahgat, blogueiro e ativista digital egípcio, foi uma prova de que a integração entre a luta das ruas e a luta das redes tende a fortalecer as duas. Bahgat narrou as inúmeras estratégias assumidas desde 2005 para tentar furar o bloqueio do governo de Mubarak, que se articularam com slogans, ideias, cartoons e vídeos que ganhavam as ruas.

As condições históricas de falta de democracia, de liberdade, de justiça e altas taxas de desigualdade geravam um quadro insustentável havia anos, mas a ligação em rede dos cidadãos egípcios deu condições para que o processo de revolta eclodisse a partir de alguns fatos detonadores. Bahgat mostrou a integração das estratégias, o que torna difícil tentar separar a mobilização nas ruas da mobilização virtual.

A inspiração chegava a ser direta. No processo de ocupação das ruas do Cairo, os ativistas adotaram sinais baseados nas interfaces digitais. “Nas manifestações, inspirados no twitter, cada um tinha 140 segundos para falar. Inspirados no Facebook, os participantes reagiam com sinais de 'curtir' feito com as mãos”, contou Bahgat. Assim como na rede social, não havia sinais de descurtir. “O que indicava a desaprovação era o silêncio”, diz. O reconhecimento das interfaces com as redes sociais não o fez afirmar que o que se passou no Egito foi uma revolução do twitter ou do facebook, mas para ele não há dúvida de que a mobilização virtual fortaleceu as condições de derrubada do regime Mubarak.

Seria um erro, contudo, isolar a análise das tecnologias de seu contexto geopolítico, com bem exemplifica o caso saudita. “Na Arábia Saudita, temos condições históricas parecidas com o Egito e a Tunísia, mas estamos falando de um país muito rico e com muito petróleo”, disse o blogueiro Ahmed Al Omran. Na prática, a instabilidade naquela região afeta diretamente toda geopolítica mundial. “Não à toa, a Arábia buscou parar a revolução ali dentro, mas também interferiu diretamente em outras manifestações na região, como foi o caso do Bahrein”, afirmou Al Omran.

Democracia exclusiva

As arbitrariedades do mundo árabe são ilustrativas, mas estão longe de resumir as exclusões que afetam o potencial transformador da rede. Uma das organizações que sentiu isso na pele no último ano foi o Wikileaks. Seu porta-voz, o islandês Kristinn Hrafnsson, descreveu o caso como um ataque violento das corporações e dos governos ocidentais à liberdade de expressão e ao direito à informação. “Não fomos condenados por nenhum crime em nenhuma jurisdição, mas sofremos represálias e perseguições de corporações e governos”, contestou.

A organização interrompeu suas atividades para fazer uma campanha de captação de recursos. O Wikileaks prevê que precise de 3,2 milhões de dólares para o ano de 2012, boa parte disso para abrir processos em várias jurisdições contra as instituições financeiras que impedem o recebimento de recursos pela organização. “Mastercard, Visa, PayPal e Western Union permitem que você transfira dinheiro do tráfico de drogas, doe para a Ku Klux Klan ou pague por pornografia infantil, mas não que você doe ao Wikileaks”, constatou Hrafnsson.

Para ele, contudo, o problema maior é político. “A mídia está mais interessada em transformar o Julien Assange em celebridade e em falar do fato de as informações terem vazado do que propriamente no conteúdo dos vazamentos”, ressaltou. “O problema é que, sem transparência, democracia é uma palavra vazia”, disse o porta-voz do Wikileaks.

De fato, modelos democráticos podem ser extremamente excludentes. Um elemento de exclusão evidente se dá pelas diferentes condições de acesso à rede, bastante desigual entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e internamente a esses países. Outro aspecto é o problema das diferentes condições de cada cidadão em processar as informações recebidas. Ignacio Ramonet assinala que esses são dois motivos para reconhecer o caráter limitado dessa democracia digital. “Não se pode falar em democracia digital se permanece viva uma espécie de voto censitário, em que não são todas as pessoas que têm o estatuto de cidadão. E mesmo se todos tiverem acesso à informação, não significa que democratizamos o conhecimento”, lembrou Ramonet.

Em meio a prognósticos mais ou menos otimistas, a maior convergência do encontro foi a identidade entre aqueles que estão experimentando e buscando cotidianamente gerar transformação por meio da atuação nas redes, blogs e sites. Pelo reconhecimento dessa identidade, foi formada uma comissão internacional com pessoas de todos as regiões do globo, que vai preparar o próximo encontro, em novembro de 2012, também em Foz do Iguaçu. Alguém se arrisca a dizer quais serão os temas em debate daqui a um ano?

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