terça-feira, 8 de maio de 2012

Jornalismo e o fenômeno Cachoeira

Por Washington Araújo, no blog Cidadão do Mundo:

“Porque existem fronteiras que não podem nem devem ser rompidas.” Foram estas as palavras que escolhi para colocar um ponto final em meu último neste Observatório da Imprensa (“Sem interesse pelos escândalos”), tratando do Festival de Grampos Legais que Assolam o País (Fegralap), clara alusão ao saudoso Stanislaw Ponte Preta com seu genial Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá). Pois bem, retorno ao tema, pois há muito ainda a explicitar e muitas linhas que temem ser esmagadas pela contundência das entrelinhas.


As fronteiras – sempre tênues em se tratando de imprensa e crime organizado – são necessárias quando vivemos em um Estado de direito. Essas fronteiras são demarcadas pelas leis. E fora destas o que existe é a lei do mais forte, a tirania e a vilania em toda a sua gama de obscuridades. São as fronteiras éticas e morais que distinguem civilização e barbárie.

Agora, o país assume-se perplexo ante à enxurrada de gravações de ligações telefônicas conseguidas de forma legal, absolutamente dentro dos marcos do Estado de direito. Tais gravações escancaram o grau de cumplicidade que a imprensa e contraventores, agentes públicos e empresários, políticos e profissionais da arapongagem alcançaram em seu intento para fortalecer ampla gama de atividades criminosas.

Por ironia do destino, o personagem central até o momento ostenta como alcunha o vocábulo “cachoeira”. E cachoeira é, senso comum, queda d’água. Não qualquer queda d’água, mas, sim, quedas com grande volume de água, o que lhes dá um aspecto majestoso e turístico, a exemplo das cataratas do Iguaçu (Brasil), de Niágara (Estados Unidos), Khon (Laos), Vitória (África). Cachoeira não é catarata, ensina-nos os dicionaristas. Esta última exige que haja um grande caudal e que se apresente em forma de cortina. A catarata se caracteriza pela extrema força da água a corroer as rochas em sua parte parte baixa. Cachoeira, alerta-nos os expecialistas no vernáculo lusitano, é bem diferente de cascata, uma vez que esta possui uma queda que nasce de uma massa de rochas de inclinação irregular, no sentido vertical, na qual a água desliza sobre uma série de declives acidentados. Cachoeira não é salto. Este recebe o nome devido à sua queda ser em forma de esguicho, e em queda ininterrupta de grande altura.

Agora surge uma rara oportunidade de se agregar novos significados ao vocábulo “cachoeira”. E o terreno é o da política, aquela política que vive de quedas, cascatas, saltos e sobressaltos. É já nome de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, reunindo 16 senadores e 16 deputados e com prazo inicial de duração de 180 dias. É nesta CPMI que serão levados à luz os novos significados de Cachoeira, tais como:

1. Epíteto do insígne contraventor brasileiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, personagem singularíssimo que ganhou notoriedade da imprensa e opinião pública brasileira, referido inclusive pelo New York Times como “Charlie Waterfall”, e que saiu do quase completo anonimato pelo site e pelas páginas da revista Época, em edição de 13/2/2004, onde, em imagens gravadas por ele mesmo, é extorquido por Waldomiro Diniz, então funcionário da Casa Civil da Presidência da República, dando-se então início a todo um tumultuado processo político alcunhado “mensalão” pela grande imprensa;

2. Epíteto do dublê de empresário de jogos e principal contraventor atuante na seara de jogos ilegais Carlinhos Cachoeira, dono de ambição desmedida, como a de colocar um seu protegido, o senador goiano Demóstenes Torres como futuro prefeito de Goiânia, futuro governador de Goiás, futuro candidato à Presidência da República do Brasil e futuro membro do Supremo Tribunal Federal do país;

3. Epíteto do mentor do maior esquema de crimes até o momento desbaratado pela Polícia Federal, tendo como protagonistas centrais políticos de prestígio considerados pela grande imprensa como “acima de qualquer suspeita”, governadores de estado de amplo leque político-partidário, integrantes das altas esferas do Poder Judiciário, e com o auxílio luxuoso de uma das mais audaciosas empreiteiras brasileiras, empresa esta que em menos de uma década saiu de um simples traço em grau de importância econômico-financeira para ocupar o espaço de um titã da construção civil, com obras monumentais como o Maracanã, no Rio de Janeiro, e boa parte da malha rodoviária nacional;

4. Epíteto do idealizador do mais vasto, antigo, organizado, contínuo e ousado sistema ilegal de escutas telefônicas do país, empregando ex-agentes do antigo Serviço Nacional de Informação na tarefa de flagrar, em situações suspeitas, alvos a serem corrompidos, chantageados e achacados, fossem da esfera pública ou da esfera privada;

5. Epíteto do personagem mais eficiente na arte da delinquência pura e simples, criando seu próprio braço midiático e, com este, elevando bandidos com estatura moral da altura de lâmina de barbear deitada aos píncaros da retidão de conduta e da ilibada moral que somente se pode exigir de cidadãos que se autoinvestem do dever de pontificar sobre as virtudes da moral e da ética no trato da res publica, além de “pautar” os destinos da vida política do país por intermédio de veículo de comunicação com alta capilaridade nas classes média e alta, plantando notas, notícias e reportagens contra seus inimigos potenciais, erodindo o capital moral de governos democraticamente eleitos, sabotando suas políticas públicas e levando o país a seguidos ataques de nervos – ora estamos na “República dos Grampos”, ora vivemos num “Estado Policialesco”, ora estamos investidos da ira santa de derrubar ministros de Estado em série;

6. Epíteto da personalidade acostumada tanto às sombras espessas do submundo do crime quanto aos holofotes da ribalta, negociando propinas no varejo e a granel, adquirindo laboratórios farmacêuticos, bens imóveis de alta voltagem, seja na bucólica Goiânia ou na na reluzente Miami, a Meca de dez em cada dez novos ricos brasileiros em terra americana;

7. Epíteto de articulador político imbatível, reunindo sob seu extenso guarda-chuva de benesses, privilégios e ilicitudes desde deputados estaduais a promotores públicos, deputados federais e autarquias estaduais, de senador da República a chefe de sucursal de veículo de imprensa com circulação nacional, de governador de estado a diretor de empreiteira bem aquinhoada com a verbas públicas em estados tão diversos quanto Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro;

8. Epíteto de sagaz arquiteto de negócios e negociatas que, não obstante os muitos tentáculos de sua organização criminosa, explicitados em cerca de 3 mil horas de escutas feitas com autorização judicial, nas quais pululam vozes inconfundíveis de pessoas até há bem pouco blindadas pela grande imprensa – grande imprensa que se sente tolhida a erguer à sua volta pesada cortina de constrangedor silêncio, sem poder noticiar condutas claramente ilegais por parte de seus pares, dentro de uma lógica corporativista que, como diria certo ex-presidente da República, nunca antes fora vista neste país. Fato é que à falta de temas “suculentos” a noticiar, assuntos em que os malfeitos sejam personificados pelos outros (e não por eles mesmos), optam por destacar em suas matérias de capa questões tão relevantes quanto a altura pessoal na busca do sucesso profissional ou a não menos tonitruante descoberta de que o poder finalmente é das mulheres.

Interesses subalternos

Hannah Arendt foi assertiva quando disse que só pode existir espaço comum e público criado voluntariamente pelas pessoas. Porque para além desse espaço o que existe é a não-existência, a luta fraticida de todos contra todos, no mais cândido cenário de barbárie institucionalizada. Sempre que se busca alçar à condição de plataforma política temas como “implacáveis com a corrupção”, “a serviço da moral e da ética” ou “paladinos do bem-estar social sem cobrança de impostos”, é sinal de que algo muito errado está acontecendo nas entranhas do país.

É fato que a ocorrência de escândalos de corrupção, existentes ou pré-fabricados, reais ou ilusórios, sempre precede os golpes de Estado, a supressão das garantias fundamentais da pessoa humana, o império do arbítrio e da tirania. De acordo com Hannah Arendt, como bem assinalou um leitor, quando alguém ou algum grupo, seja político, econômico ou midiático, pretende desestabilizar o governo para derrubá-lo, o que na verdade está promovendo é a expansão da terra arruinada, do descrédito das instituições democráticas e a supressão do espaço diálogico que pode ser ensejado pela política.

Então, há que se omitir do bom combate? Não, muito ao contrário. Há, sim, que se destinar à justiça e aos seus muitos tentáculos, códices de leis e experiência jurisprudencial, os meliantes que corrompem e que são corrompidos, sejam das esferas política, econômica e midiática ou não.

Existem, também, fronteiras que não podem ser ultrapassadas sem que se arque com as consequências – uma destas é a prática do jornalismo arredio à busca da verdade, apaixonado pela mais recente versão a sair do forno de interesses mesquinhos, subalternos e delituosos, e cúmplice da realidade que deseja criar, avesso à realidade dos fatos, aprisionado às suas próprias circunstâncias e à falibilidade que, de tão humana, lhe é inerente.

1 comentários:

Machiavecci disse...

Excelente artigo. As condições de surgimento de uma imprensa voraz por verbas públicas e dedicada a criar relações perigosas com bandidos são as mesmas que levam os políticos do Brasil a se enriquecer. Em 2014, vai se repetir o que acontece em Goiás em todo o Brasil. Veja como tudo funciona de forma a deixar o povo com a batata podre na mão.
O jornalista Jorge Kajuru anunciou empolgado, ao vivo, no Programa do Ratinho, que será candidato às eleições de 2014 para enfrentar o governo cachoeira e devolver ao povo goiano o que é do povo, ou seja, no mínimo, muito dinheiro supostamente roubado dos cofres públicos. Mas agora surge outro destemido, Zé Ninguém, um cidadão que também tem a coragem de pisar nas ruas e gritar "Fora, Marconi".

Zé Ninguém também quer se lançar nessa empreitada quase messiânica que é governar um "estado falido". Fomos logo em busca de um marqueteiro, para avaliar as chances de Zé Ninguém nesse pleito, e para a nossa surpresa as chances dele são tão boas quanto a de qualquer político que teve e tem relações de amizade com Carlinhos Cachoeira.


Só tem um detalhe fundamental, salientou nosso marqueteiro. Assim como Marconi Perillo e outros construíram suas ricas carreiras políticas, Zé Ninguém tem que saber administrar a campanha e o seu governo da mesma forma "adversativa". Para ter sucesso na política, afirma nosso finório marqueteiro, é preciso dizer uma coisa e fazer outra, de maneira sistemática, antes e depois do pleito, sempre de forma dissimulada.

Não vamos entregar o ouro aos encadeados amigos adversários de Zé Ninguém, mas vale a pena destacar o que é considerado "must", ou seja, algumas das condições adversativas que são próprias do senso comum à política nacional e muito em voga em Goiás.
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