terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Por mais sensatez nos protestos

Por Yuri Soares, no sítio Página-13:

Após a morte de um cinegrafista atingido por um rojão é imperativo abrirmos um debate sério e profundo sobre os rumos que os atos tem tomado.

Primeiramente defendo que os culpados pela morte do trabalhador sejam devidamente punidos após julgamento dentro dos trâmites legais. Não se pode contemporizar e transigir quanto a isso. Argumentar que a polícia mata muito mais (o que é verdade) não justifica, pois se começarmos a fazer contas assim sairemos todos perdendo.

Também precisamos debater a sério o fato de que a tática Black Bloc tem desacumulado para o avanço das lutas sociais no Brasil. O fato de atuarem mascarados permite todo tipo de infiltração, assim como a falta de organização política, por tratar-se de uma tática e não um coletivo, o que gera diversos equívocos.

Cada vez mais a tática Black Bloc deixa de ser uma tática de autodefesa de manifestações para se tornar um fim em si mesma, como um tipo de “propaganda pela ação”, em que a estética radical da ação direta ocupa o espaço político das organizações sociais e populares e seus fóruns deliberativos, o trabalho de base de longo prazo e a formação política.

A ausência de pautas políticas definidas também contribui para o estado caótico da base social que compõe os atos: há desde anarquistas e esquerdistas até setores conservadores, unificados apenas pelo discurso de serem contra tudo. O ápice desta falta de foco é o discurso “Não vai ter Copa”, que já nasce isolado da ampla maioria da sociedade e que não dialoga com os verdadeiros problemas do Brasil e do mundo. Como disse recentemente o dirigente do MST João Pedro Stédile, “os oito bilhões de reais (dos estádios) representam duas semanas de juros que o país paga para os bancos”.

No entanto essa discussão precisa ser feita também com os manifestantes que adotam a tática Black Bloc, sem criminalizar o conjunto destes, pois este tipo de criminalização coletiva termina acumulando para o discurso daqueles que pretendem marginalizar o conjunto das lutas e movimentos sociais. Não podemos culpar todas as pessoas de determinada identidade coletiva pelos erros de alguns indivíduos.

Cabe também registrar a infame tentativa de criminalização do deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo pela grande imprensa ao tentarem sem nenhuma prova associá-lo à morte do cinegrafista. Os barões da mídia já estão tentando utilizar a morte do trabalhador na construção do seu discurso reacionário. O deputado, reconhecido por sua atuação contra milicianos, deve receber toda a nossa solidariedade frente a esta campanha sórdida.

Para o futuro, nem o discurso do medo, que busca fortalecer a repressão e esvaziar as lutas e as ruas, defendendo que as “pessoas de bem” se escondam em casa e a barbárie policial para cima daqueles que estiverem nas ruas, e tampouco o discurso do “quanto pior melhor” que acredita no caos para subverter a ordem irão solucionar os nossos problemas.

Vivemos em momentos complicados em que “soluções” supostamente fáceis e que são muito erradas surgem aos montes. Somente com sabedoria poderemos construir um outro mundo necessário e possível.

Mais do que nunca precisamos de muita calma nesta hora, evitar a defesa da barbárie e do caos e apostarmos na construção coletiva organizada, em que as pautas e táticas acumulem forças para a transformação da sociedade!

A família do jornalista merece todo nosso apoio. Espero que os governos e o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro façam o possível para dar todo o suporte que eles precisarem.

* Yuri Soares é historiador e professor pela Universidade de Brasília

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