domingo, 22 de junho de 2014

A patética decadência da Espanha

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Por Altamiro Borges

Este artigo não é sobre a fulminante desclassificação da Espanha na Copa do Mundo. Campeã em 2010, esta seleção fez história e merece respeito. Trata, isto sim, do patético fim do reinado de Juan Carlos, o arrogante monarca espanhol. Nesta quinta-feira (19), ele repassou o bastão para o seu filho, o agora rei Felipe 6º, que prometeu “uma monarquia renovada” – como se isto fosse possível. A solenidade de transmissão não foi muito animadora. O novo rei desfilou num luxuoso Rolls Royce pelas ruas centrais de Madri, mas seus súditos não compareceram em peso. Uma medida judicial, bem democrática, também proibiu a realização de atos pró-república. Nem símbolos contra a monarquia foram permitidos!

Num país devastado pelo desemprego – que vitima mais de 50% dos jovens –, Felipe 6º fez questão de “transmitir uma mensagem de esperança” à juventude, mas não apresentou qualquer crítica à política de austeridade que destrói a nação. Já o Juan Carlos, um dos principais responsáveis pela desgraceira da Espanha, preferiu a discrição na solenidade de transmissão da coroa. Ele só apareceu por alguns minutos ao lado do filho na varanda do Palácio Real para saudar os súditos. Pior ainda foi a ausência de Cristina, irmã do novo rei. Ela e seu marido, Iñaki Urdangarin, são investigados por crime fiscal e lavagem de dinheiro num escândalo que ajuda a explicar a renúncia de Juan Carlos.

Uma monarquia apodrecida
A decadência da monarquia espanhola parece algo irreversível. Nos últimos dias, a partir da renúncia de Juan Carlos, crescem as manifestações pela adoção da república. Nas ruas, milhares de espanhóis gritam que a monarquia “não é democracia, é uma ditadura”. Pesquisas confirmam este desejo de mudança. No início de junho, uma enquete do jornal El País revelou que 62% dos espanhóis aprovam a convocação de um plebiscito para definir a forma de governo no país. Outro estudo, do Centro de Investigações Sociológicas, apontou em abril que o grau de confiança na monarquia é hoje o menor da história: 3,7 num escala de zero a dez – muito abaixo do patamar de 7,5 há cerca de 20 anos.

Em outros países também cresce a rejeição às falidas monarquias, um resquício do sistema feudal. Em menos de dois anos, Juan Carlos é o terceiro monarca a renunciar em meio ao forte desgaste. Antes dele, a rainha Beatriz, da Holanda, e o rei Alberto 2º, da Bélgica, já tinham abdicado do trono. A renúncia do paparicado rei da Espanha foi apenas uma jogada de marketing, numa tentativa desesperada de recuperar o prestígio da família real. Juan Carlos sempre foi um bom marqueteiro. Durante algum tempo, ele foi o presidente de honra da ONG ambientalista WWF, até ser flagrado matando elefantes na África. Os espanhóis gastavam fortunas para manter um embusteiro no trono!

Mídia colonizada
Na cobertura da mudança de trono, uma parte da mídia brasileira, com a sua mentalidade colonizada, aproveitou para bajular Juan Carlos. Ela fez questão de realçar seus “feitos positivos”, principalmente no período da redemocratização do país. Para seus súditos midiáticos, o ex-monarca foi o “herói” da transição, liderando o processo de superação da ditadura franquista. Apenas deixaram de informar a seus leitores que Juan Carlos foi cria do general Francisco Franco, preparado nas academias militares com o objetivo de manter o franquismo após a morte do ditador. A mídia colonizada também evitou analisar a grave regressão econômica e social na Espanha ou os escândalos envolvendo a monarquia.

Em parte, ela reproduziu a visão da velha imprensa espanhola, sempre tão servil ao monarca. Quando do anúncio da sua inesperada renúncia, o editorial do jornal El País – modelo para alguns jornalistas brasileiros – definiu Juan Carlos como “um rei indispensável”. A mídia brasileira foi nesta onda de bajulação do decrépito monarca. O colunista da Folha, Clóvis Rossi, um áspero crítico dos governos Lula e Dilma, escreveu um artigo de elogios ao “rei que abraça os súditos”. Para ele, “os 39 anos de reinado de Juan Carlos estão associados não apenas à vigência de uma democracia vigorosa, mas também a uma espetacular aceleração econômica, mesmo que se incluam os cinco últimos anos de severa crise”.

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