Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A mídia tradicional do Brasil, ressecada de cérebros por conta da queda na receita publicitária, consegue nos últimos dias a proeza de mergulhar ainda mais fundo no jornalismo de panfleto.
Uma pequena seleção de material destacado pelos jornais de circulação nacional e pelas revistas semanais de informação mostra que o partidarismo recrudesce nas páginas e telas da imprensa. O viés se torna mais explícito provavelmente porque, com as demissões do primeiro trimestre, faltam talentos para dissimular o viés que define as escolhas editoriais.
Comecemos pela intensificada obsessão da Folha de S. Paulo pelo prefeito petista da capital paulista, Fernando Haddad. No feriado de 1º de maio, o jornal estampou, em manchete, o seguinte título: “Gestão Haddad falou com tráfico antes de agir na cracolândia”. O texto que se seguia passava a interpretação de que os assistentes sociais e outros funcionários que atuam na região onde se concentram dependentes de drogas no centro de São Paulo precisam se entender com traficantes para realizar seu trabalho.
Não se trata de uma mentira deslavada, mas de uma aleivosia. De fato, ninguém consegue se aproximar do aglomerado de seres humanos que se amontoam naqueles acampamentos se não tiver alguma conversação com os traficantes. O que o jornal omite é a situação criada pela polícia do Estado, que mantem há quase dez anos uma relação de tolerância controlada com o crime organizado. A manchete da Folha tinha a intenção maliciosa de relacionar a prefeitura petista ao comando da principal facção criminosa que atua em território paulista.
Na segunda-feira (9/5), a mesma Folha traz em manchete reportagem afirmando que o número de consultas na rede de postos de saúde do município caiu 21% em 2014, comparando com os atendimentos do ano anterior. Antes da publicação, a assessoria do prefeito havia informado que a causa é a falta de médicos nas organizações sociais que administram a rede de atendimento, e não a falta de pagamento por parte da prefeitura. O jornal deixou em segundo plano a informação, crucial, de que em 2014 houve uma sobra de mais de R$ 100 milhões no orçamento específico porque as entidades reduziram o número de consultas, por falta de médicos.
Declarações de uma panela
Outro exemplo interessante é o que move a revista Época, que trocou sua diretoria recentemente, e inaugurou um estilo ainda mais panfletário na cruzada explícita contra o governo federal.
Na semana passada, a publicação da Editora Globo que veio a público no mesmo feriado do Dia do Trabalho havia levado a especulação jornalística ao extremo, na reportagem que tentava associar obras da empreiteira Odebrecht a uma suposta atuação do ex-presidente Lula da Silva como “lobista internacional”. O texto não sobreviveu a dois dias de esclarecimentos, quando a própria fonte citada pela revista, uma procuradora de Brasília, veio a público para declarar que não havia um processo contra o ex-presidente, como dizia a reportagem.
Mas a imprensa não descansa: na semana seguinte, os jornais reproduziam o que se dizia ser um trecho do livro de memórias ditado pelo ex-presidente do Uruguai José Mujica, que, segundo foi publicado, continha uma suposta confissão de Lula da Silva sobre o chamado “mensalão petista”, dizendo que a corrupção era a única forma de governar o Brasil.
A versão dos jornais brasileiros foi desmentida de pronto pelos autores do livro, dois jornalistas que haviam colhido os depoimentos de Mujica, revelando que quem escreveu a reportagem original, reproduzida depois por quase toda a imprensa brasileira, não havia lido o livro.
Assim como surgiu e cresceu como uma onda de repercussões, a mentira ainda sobrevive na segunda-feira (11), em nota na coluna de política do Globo, o que revela mais uma vez a homogeneidade da mídia tradicional.
Mas esses exemplos não conseguem superar a patética invenção da revista Época desta semana. Trata-se do perfil de uma panela, eleita “personagem da semana”, em um texto de ficção no qual o equipamento culinário entra em diálogo com o discurso proferido pelo ex-presidente Lula da Silva durante o programa eleitoral do Partido dos Trabalhadores.
A revista procura apresentar o instrumento de protestos como personagem político.
“Pleinpleinplein, tactactac, blimblimblim”, diz a panela.
“Descanse em paz”, diz a lápide no túmulo do jornalismo nacional.
Uma pequena seleção de material destacado pelos jornais de circulação nacional e pelas revistas semanais de informação mostra que o partidarismo recrudesce nas páginas e telas da imprensa. O viés se torna mais explícito provavelmente porque, com as demissões do primeiro trimestre, faltam talentos para dissimular o viés que define as escolhas editoriais.
Comecemos pela intensificada obsessão da Folha de S. Paulo pelo prefeito petista da capital paulista, Fernando Haddad. No feriado de 1º de maio, o jornal estampou, em manchete, o seguinte título: “Gestão Haddad falou com tráfico antes de agir na cracolândia”. O texto que se seguia passava a interpretação de que os assistentes sociais e outros funcionários que atuam na região onde se concentram dependentes de drogas no centro de São Paulo precisam se entender com traficantes para realizar seu trabalho.
Não se trata de uma mentira deslavada, mas de uma aleivosia. De fato, ninguém consegue se aproximar do aglomerado de seres humanos que se amontoam naqueles acampamentos se não tiver alguma conversação com os traficantes. O que o jornal omite é a situação criada pela polícia do Estado, que mantem há quase dez anos uma relação de tolerância controlada com o crime organizado. A manchete da Folha tinha a intenção maliciosa de relacionar a prefeitura petista ao comando da principal facção criminosa que atua em território paulista.
Na segunda-feira (9/5), a mesma Folha traz em manchete reportagem afirmando que o número de consultas na rede de postos de saúde do município caiu 21% em 2014, comparando com os atendimentos do ano anterior. Antes da publicação, a assessoria do prefeito havia informado que a causa é a falta de médicos nas organizações sociais que administram a rede de atendimento, e não a falta de pagamento por parte da prefeitura. O jornal deixou em segundo plano a informação, crucial, de que em 2014 houve uma sobra de mais de R$ 100 milhões no orçamento específico porque as entidades reduziram o número de consultas, por falta de médicos.
Declarações de uma panela
Outro exemplo interessante é o que move a revista Época, que trocou sua diretoria recentemente, e inaugurou um estilo ainda mais panfletário na cruzada explícita contra o governo federal.
Na semana passada, a publicação da Editora Globo que veio a público no mesmo feriado do Dia do Trabalho havia levado a especulação jornalística ao extremo, na reportagem que tentava associar obras da empreiteira Odebrecht a uma suposta atuação do ex-presidente Lula da Silva como “lobista internacional”. O texto não sobreviveu a dois dias de esclarecimentos, quando a própria fonte citada pela revista, uma procuradora de Brasília, veio a público para declarar que não havia um processo contra o ex-presidente, como dizia a reportagem.
Mas a imprensa não descansa: na semana seguinte, os jornais reproduziam o que se dizia ser um trecho do livro de memórias ditado pelo ex-presidente do Uruguai José Mujica, que, segundo foi publicado, continha uma suposta confissão de Lula da Silva sobre o chamado “mensalão petista”, dizendo que a corrupção era a única forma de governar o Brasil.
A versão dos jornais brasileiros foi desmentida de pronto pelos autores do livro, dois jornalistas que haviam colhido os depoimentos de Mujica, revelando que quem escreveu a reportagem original, reproduzida depois por quase toda a imprensa brasileira, não havia lido o livro.
Assim como surgiu e cresceu como uma onda de repercussões, a mentira ainda sobrevive na segunda-feira (11), em nota na coluna de política do Globo, o que revela mais uma vez a homogeneidade da mídia tradicional.
Mas esses exemplos não conseguem superar a patética invenção da revista Época desta semana. Trata-se do perfil de uma panela, eleita “personagem da semana”, em um texto de ficção no qual o equipamento culinário entra em diálogo com o discurso proferido pelo ex-presidente Lula da Silva durante o programa eleitoral do Partido dos Trabalhadores.
A revista procura apresentar o instrumento de protestos como personagem político.
“Pleinpleinplein, tactactac, blimblimblim”, diz a panela.
“Descanse em paz”, diz a lápide no túmulo do jornalismo nacional.
0 comentários:
Postar um comentário