sábado, 27 de fevereiro de 2016

O "pastor" torturador e a censura na Bahia

Por Oldack Miranda

O processo que o ex-oficial da PM, Átila Brandão, atual pastor da Igreja Batista, move contra o jornalista, escritor e ex-deputado federal Emiliano José, acaba de ressuscitar na 17a Vara Cível de Salvador. Dia 3 de março próximo (quinta-feira), às 14h, no Fórum Ruy Barbosa, as partes vão se encontrar em audiência para oitiva de testemunhas. Luiz Viana, presidente reeleito da OAB, e Jerônimo Mesquita, conselheiro da OAB/Bahia, são os advogados de defesa. O jornalista Oldack de Miranda também está sendo processado, acusado de reproduzir as notícias na internet. O pastor quer R$ 2 milhões por “ danos morais “.

O ex-oficial da PM foi à Justiça por se sentir caluniado. Emiliano José publicou no jornal A Tarde, uma reportagem intitulada “A premonição de Yaiá “, narrando a sessão de tortura que Átila Brandão comandou contra o ex-preso politico Renato Afonso de Carvalho, com base em depoimento da mãe do militante do PCBR, Maria Helena Afonso da Rocha, d. Yaiá.

Este é o segundo processo que o hoje bispo Batista move contra Emiliano José. A primeira tentativa foi barrada em 2014 por liminar de habeas corpus, concedida pela desembargadora Inês Maria Brito S. Miranda, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia. Os advogados Maurício Vasconcelos e Rafael Fonseca Teles apontaram como autoridade coatora o juiz de direito da 15a Vara Criminal de Salvador. Eles alegaram falta de justa causa para persecução penal ante a ausência de adequação típica em relação ao crime previsto no artigo 138, do Código Penal. Ou seja, tratava-se apenas de uma intimidação à imprensa e constrangimento ilegal.

Tortura e vingança

Tudo começou em maio de 2013 quando o jornalista Emiliano José publicou no jornal A Tarde o artigo explosivo. Segundo depoimento de Maria Helena, em 1971 seu filho Renato Afonso, foi torturado pelo tenente Átila Brandão, com socos, chutes e xingamentos. E quando já preparavam o pau-de-arara ela chegou ao Quartel dos Dendezeiros, na Cidade Baixa, interrompendo o martírio, com a mobilização do advogado Jaime Guimarães, que ficou conhecido por defender presos politicos.

O professor de História Renato Afonso de Carvalho, que já prestou depoimento à Comissão Estadual da Verdade e ao Grupo Tortura Nunca Mais, reafirmando o relato da mãe, será ouvido como testemunha. E como o pastor Átila Brandão alegou, na anterior audiência de conciliação, que sofreu danos morais e psicológicos, em decorrência das reportagens, os advogados Luiz Viana e Jerônimo Mesquita requereram uma perícia psicológica. “Em mais de 35 anos de carreira, essa foi a primeira tentativa de cerceamento à minha liberdade de exercício da profissão”, disse o jornalista.

Átila Brandão era o oficial da PM encarregado da repressão de rua aos estudantes que se manifestavam contra a ditadura. Tanto Brandão quanto Renato Afonso eram estudantes da Faculdade de Direito da UFBA. Em 1968, Renato Afonso participou de um movimento para expulsar o oficial da PM, acusado de ser um agente infiltrado no campus. Documentos do SNI o citam como agente da repressão policial, mas, ele nega as torturas.

Ao ser anunciado o processo, a repercussão foi grande na Câmara Federal, Assembléia Legislativa, Câmara Municipal, protestos da Federação Nacional dos Jornalistas, Sindicato dos Jornalistas da Bahia, Associação Baiana de Imprensa (ABI) e entidades de direitos humanos, assim como na imprensa. A revista Carta Capital publicou matéria intitulada “Corpo amputado querendo se recompor”. O jornalista Leandro Fortes assinou reportagem também na Carta Capital intitulada “Átila Brandão, o torturador ofendido”.

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Imprensa na Política: novo livro de Emiliano que será lançado na APUB é pura dinamite

O novo livro do jornalista e acadêmico Emiliano José intitulado “Intervenção da Imprensa na Política Brasileira – 1954-2014 (Editora Perseu Abramo) é pura dinamite. Ele equipara a prática da mídia à de partido político. E pega exemplos atuais e nos 60 anos analisados, de 1954 a 2014. O livro será lançado na Associação dos Professores Universitários (APUB), dia 2 de março (quarta-feira) às 18h. Um dos capítulos enfoca a Operação “Tempestade no Cerrado”, forjada no Instituto Millenium, com objetivos nada republicanos: todos os veículos vinculados à Editora Abril, O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo incluindo emissoras de rádio e TV receberam ordens de fazer total oposição ao governo Lula, depois ao governo Dilma e ao PT.

A “Cartilha“ repassada verbalmente incluiu manter de modo permanente, nos portais informativos da internet, toda e qualquer denúncia com o governo Lula, produzir manchetes de impactos nos jornais e revistas, utilizar fotos que ridicularizem o presidente e a então candidata Dilma, associar Lula a supostas arbitrariedades cometidas em Cuba, Venezuela e Irã. Tudo sem necessidade de checar fatos. A Folha de S. Paulo entrou de cabeça na operação “Tempestade no Cerrado “, a ética jornalística foi para o espaço, a ditadura virou ditabranda, a resistência à ditadura passou de heroísmo à criminalidade, terrorismo, desordem.

Há um capítulo sobre o golpe da revista Veja na eleição de 2014. A revista retirou alguns milhares de votos de Dilma. Se o golpe tivesse dado certo, a Veja teria patrocinado uma fraude eleitoral de grandes proporções. Desde a campanha de 2014 a Veja exacerbou no “ódiojornalismo”, conceito cunhado pela professora Ivana Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e praticado por uma tropa de choque da mídia que incluiu Dora Kramer, Reinaldo Azevedo, Merval, Demétrio, Mainardi e Arnaldo Jabor, entre outros. Jabor chegou, cinicamente, a colocar eleitores nordestinos, nortistas, pobres, como absolutamente ignorantes em que “nosso futuro seria pautado pelos burros espertos”.

Intelectual público


O prefácio é da autoria do professor de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília, Venício A. de Lima, que enquadra Emiliano José no conceito de “ intelectual público “, cunhado por Russell Jacoby, da Universidade da Califórnia (UCLA), para diferenciá-lo dos “ acadêmicos burocratizados que perseguem cegamente as metas de produção, com vida acadêmica voltada para dentro do campi e com jargão universitário inacessível ao cidadão comum”. O intelectual público, ao contrário, expressa a pluralidade e a diversidade da sociedade, em busca de uma opinião republicana e democrática.

Para Venício A. de Lima, ao não abdicar de sua tarefa crítica, Emiliano José assume o perfil de um intelectual público, na teoria e na prática, já que além de mestre e doutor da UFBA é jornalista de carreira e atuou na política como vereador, deputado estadual, deputado federal pelo Partidos dos Trabalhadores, além de exercer cargos públicos administrativos. Autor de mais de uma dezena de livros sobre as memórias da ditadura militar, Emiliano José visita episódios e momentos cruciais de nossa história política recente.

O livro de Emiliano José chega no auge dos chamados Escândalos Políticos Midiáticos – EPM, estudados pelo historiador britânico John B. Thompson, com o surgimento do jornalismo investigativo, combinado com o crescimento dos oligopólios de mídia e disseminação das tecnologias de informação e comunicação (TICs), que possibilitaram o surgimento dos “escândalos midiáticos” e daí o surgimento dos escândalos políticos midiáticos. Agora, a grande mídia se torna arena das relações do campo político. Os comentários sobre os EPM não são acidentais, passam a ser parte constitutiva dos próprios EPM. Emiliano José vê um caminho: a democratização da mídia como forma de superar o impasse entre democracia e golpismo.

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