sábado, 7 de janeiro de 2017

Golpe parlamentar e o assalto ao bem comum

Por Leonardo Boff, em seu blog:

Um dos efeitos mais perversos do golpe parlamentar, destituindo com razões juridicamente questionáveis pelos juristas mais conceituados de nosso país e também do exterior, foi impor um projeto económico-social de ajustes e de modificações legais que significam um assalto ao já combalido bem comum. O golpe foi promovido pelas oligarquias endinheiradas e anti-nacionais que usaram um parlamento de fazer vergonha por sua ausência de ética e de sentido nacional, que por ele pretendem drenar para seu proveito a maior fatia da riqueza nacional. Isso foi denunciado por nomes notáveis como Luiz Alberto Moniz Bandeira, Jessé Souza, Bresser Pereira, entre outros.

Está em curso um desmonte da nação. Isto significa a implantação de um neoliberalismo ultraconservador e predatório que praticamente anula as conquistas sociais em favor de milhões de pobres e miseráveis, tirando-lhes direitos com referencia ao salário, ao regime de trabalho e das aposentadorias além de reduzir e até liquidar com projetos fundamentais como a Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, o FIES e outros institutos que permitiam o acesso aos filhos e filhas da pobreza ao estudo técnico ou superior.

Mais que tudo, começou-se a leilorar bens coletivos como partes da Petrobrás e a colocação à venda de terrras nacionais. A privatização significa sempre uma diminuição do bem de interesse geral que passa às mãos do interesse particular. Atacam-se ao que se chama hoje de “direitos de solidariedade” que submete os interesses particulares ao interesses coletivos e comuns.

Estão sendo erodidas as duas pilastras fundamentais que historicamente construíram o bem comum: a participação dos cidadãos (cidadania ativa) e a cooperação de todos. Em seu lugar, a atual ordem imposta pelos que perpetraram o golpe, enfatiza as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e de competividade. A liberdade do cidadão é substituida pela liberdade das forças do mercado, o bem comum, pelo bem particular e a cooperação, pela competitividade.

A participação e a cooperação asseguravam a base do interesse e do comum. Negados esses valores, a existência de cada um não está mais socialmente garantida nem seus direitos afiançados. Logo, cada um se sente constrangido o garantir o seu. Assim surge um individualismo avassalador, acolitado por ondas de ódio, de homofobia, de machismo e de todo tipo de discriminações.

O propósito dos atuais gestores, já reconhecidos como incompetentes, alguns até embecilizados é: o mercado tem que ganhar e a sociedade deve perder. Ingenuamente creem ainda que é o mercado que vai regular e resolver tudo. Se assim é por que vamos construir o bem comum? Deslegitimou-se o bem-estar social e o bem comum foi enviado ao limbo.

Mas cabe denunciar: quanto mais se privatiza mais se legitima o interesse particular em detrimento do interesse geral além de enfraquecer o Estado, o gerenciador do interesse geral. Estão nos impondo um killer capitalismo.

Quanto de perversidade social e de barbárie vão aguentar os movimentos sociais, aqueles que da pobreza estão sendo jogados para a miséria, os partidos de raiz popular e a inteligentzia brasileira com sentido de nação e de soberania de nosso pais?

Mas esclareçamos o conceito de bem comum. No plano infra-estrutural o bem comum é o acesso justo de todos aos bens comuns básicos como à alimentação, à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à comunicação. No plano social é a possibilidade de levar uma vida material e humana satisfatória na dignidade e na liberdade num ambiente de convivência pacífica.

Pelo fato de estar sendo desmantelado pela atual ordem injusta, o bem comum deve agora ser reconstruido. Para isso, importa dar hegemonia à cooperação e não à competição e articular todas as forças comprometidas com o interesse geral a resistir, a pressionar e a ganhar as ruas.

Por outro lado, o bem comum não pode ser concebido antropocentricamente. Hoje desenvolveu-se a consciência da interdependência de todos os seres com todos e com o meio no qual vivemos. Nós enquanto humanos, somos um elo, embora singular, da comunidade de vida e responsáveis pelo bem comum também desta comunidade de vida. Não podemos vender nossas terras nem deixar de delimitar os territórios indígenas, os donos originários de nosso país nem descuidar do desmatamento desenfreado da Amazônia como está ocorrendo agora.

Nós humanos, possuímos os mesmos constituintes físico-químicos com os quais se constrói o código genético de todo o vivente. Daí se deriva um parentesco objetivo entre todos os seres vivos como o tem enfatizado o Papa Francisco em sua encíclica sobre a ecologia integral. Por isso cuidar e defender a natureza é cuidar e defender a nós mesmos, pois somos parte dela. Em razão desta compreensão o bem comum não pode ser apenas humano, mas de toda a comunidade terrenal e biótica com quem compartimos a vida e o destino.

Cooperação se reforça com mais cooperação, pois aqui reside a seiva secreta que alimenta e revigora permanentemente o bem-comum, atacado pelas forças que ocuparam o Estado e seus aparelhos no interesse de poucos contra o bem comum de todos os demais.

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