A consequência mais trágica do golpe é a destruição do Brasil enquanto nação e a decomposição moral das suas instituições. Se o impeachment em si representou um ataque aos fundamentos democráticos e republicanos da Constituição o trabalho de sapa do governo ilegítimo consiste em destruir de forma implacável e impiedosa o sentido social que o país vinha construindo desde a Constituição de 1988. As medidas do governo falam por si e se sintetizam na PEC dos gastos, nas propostas de Reforma da Previdência e Trabalhista e na lenta destruição de programas sociais como o Prouni, Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família, o financiamento estudantil etc.
O governo federal, junto com governos de estados, particularmente do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, vêm destruindo a pesquisa científica e a Cultura, cortando verbas, fechando instituições e institutos de pesquisa, acabando com programas, demitindo orquestras sinfônicas, minando as universidades públicas. Há uma conjura deliberada anti-sociais, contra a ciência, a pesquisa, cultura, a educação e a saúde pública. Serão necessárias décadas de reconstrução, com perdas incalculáveis em termos de avanços, recursos e capacidades. O que está em curso é um grande desastre social, com um massacre de direitos de tal magnitude poucas vezes visto em nossa história.
Do ponto de vista econômico, em Brasília, o país está à venda. Grupos de assalto cercam o governo pronto a satisfazê-los, entregando-lhes petróleo e gás, serviços e infraestrutura, previdência e direitos sociais, perdoando dívidas do agronegócio, num devastador jogo de pirataria econômica. O resultado é uma economia paralisada com quase treze milhões de desempregados, com empresas fechando as portas e com a capacidade ociosa nas alturas. O milagre da recuperação rápida se revelou uma grande mentira.
O mais grave é o trabalho deliberado de decomposição moral das instituições. O governo perdeu qualquer pudor, qualquer senso de limite, de razoabilidade, de respeito. É um governo de quadrilha que promove criminosos a altos postos governamentais diariamente, comprovando que o PMDB, apoiado pelo PSDB e os partidos do centrão, promoveram o golpe para buscar a proteção no foro privilegiado. A perda de pudor se transformou em cinismo e em escárnio, sem escrúpulos e sem decência. Esta é a consequência lógica da grande farsa montada em torno do impeachment: ora, se a sociedade se mobiliza para entregar o governo nas mãos da maior e mas bem organizada quadrilha de corruptos que o Brasil já teve, esta quadrilha se sente à vontade em promover a sua autoproteção, desprezando as exigências de moralidade pública.
No Congresso, os corruptos se organizaram para tomar de assalto as principais comissões da Câmara e do Senado, notadamente as comissões de Constituição de Justiça. Ser delatado na Lava Jato, ser denunciado por corrupção, se tornou condição para a ascensão em postos de comando, em comissões que decidem. Neste pais tornou-se normal que o presidente da República, o presidente da Câmara e o presidente do Senado tenham pesadas denúncias sobre seus ombros. Isso tanto fez quanto tanto faz. Extirpariam os fundamentos morais do Estado brasileiro.
As quadrilhas do governo e do Congresso se articularam para tornar juiz do STF alguém que é acusado de advogar para o PCC, de receber propinas da corrupção e de ter plagiado livros de juristas espanhóis. Se alguém assim se torna ministro da mais alta Corte de Justiça do país, encarregada de zelar pela Constituição e pelo sentido moral do Estado, que força terá um professor em sala para solicitar que os alunos não plagiem trabalhos na internet? O que se está assistindo é a destruição dos próprios valores morais vinculantes da sociedade, pois parte desta sociedade, anestesiada em sua hipocrisia, julga que tudo isto é normal e que faz parte do jogo político.
Autoridades sem moral e desmoralizadas
Nada mais importa. Não importa se o futuro ministro se refestelou na chalana da indecência. E isto nem importa para vários dos atuais ministros do STF que, sem pudor, sem virtudes, sem prudência e sem decência se manifestaram favoráveis à entrada de Alexandre de Moraes no egrégio colégio de capas pretas acovardados.
Qual é o sentido moral que resta neste país quando se nomeia um ministro da Corte Suprema com a intenção manifesta de que sua função será a de proteger corruptos? O que se pode esperar da moralidade social quando os juízes são íntimos daqueles que deveriam julgar, como é o caso de Gilmar Mendes com Temer e com tucanos de alta plumagem? O fato é que as nossas mais altas autoridades perderam todas as medidas, todos os critérios, toda a sensatez, toda prudência, toda a vergonha. Sem metros e sem limites morais, sem sentido social, sem senso de Justiça, sem os valores da dignidade e dos direitos humanos, o Brasil pós-golpe se decompõem diariamente a olhos vistos, exalando putrefação pelos seus poros.
Estados, a exemplo do Rio de Janeiro e Espírito Santo, estão em situação de convulsão. O governador Pezão classifica os manifestantes de "vândalos". Vândalos são os peemedebistas do Rio, que saquearam os cofres do estado. Já o governador Hartung afirma que a "sociedade se tornou refém da polícia". Mas a verdade é que polícia e sociedade são reféns de governadores incompetentes que, em tempos de trágica normalidade, jogam a polícia contra a sociedade e, em tempo de banhos de sangue por motim armados, jogam a sociedade contra as polícias. Sociedade e polícias são vítimas de um atroz jogo de violência, manipulado pelos interesses políticos dos governantes. E, após de sete dias de banho de sangue, Temer se manifesta colocando tanques nas ruas, numa demonstração de força estúpida e impotente.
Selvageria nas prisões, violência e desordem nas ruas, confrontos crescentes entre manifestantes e polícias, crescimento do desemprego e da pobreza, destruição das instituições do Estado é o legado crescente de um governo sedicioso que premia o crime com os altos cargos públicos. Ao assim proceder, sem escrúpulos e sem moral, o governo vai autorizando a barbárie social, a desmesura, a desordem. É preciso reagir antes que o estrago se torne medonho. As oposições e os movimentos sociais precisam sair das letargias de suas próprias crises. Precisam se refazer nas lutas, nas ruas, nas praças, pois são estes os melhores remédios para restabelecer as virtudes cívicas. As batalhas pela cidadania, pelos direitos, pela justiça e pela liberdade são as melhores formas de fazer autocrítica. O ensimesmamento da derrota é o benefício do inimigo.
O Brasil não pode continuar nas mãos daqueles que o estão destruindo. Os jovens precisam de esperança, os trabalhadores querem emprego e os idosos estão desamparados, temendo uma velhice desassistida. É preciso reconduzir o Brasil no leito da democracia, no sentido social, na busca de direitos, de justiça e de igualdade. O Brasil precisa, com urgência, de um governo decente que seja capaz de conduzir moral e politicamente a sociedade. Este governo que ai está, pela imoralidade manifesta que representa, merece uma danação da memória, um esquecimento eterno.
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