terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A farra fiscal das petroleiras

Por Samuel Gomes, no site Brasil Nacionalista:

Mais do que nunca precisamos travar a batalha das ideias para o esclarecimento dos brasileiros a respeito de temas relevantes para a defesa da nossa soberania. É hora de armarmos os brasileiros de ideias para defender o Brasil. Não esperemos da mídia comercial (hoje cada vez mais mídia banqueira) qualquer esforço para iluminar a consciência da Nação. Antes muito pelo contrário.

Um exemplo é como a farra fiscal que a MP do Mi-Shell introduz no sistema tributário brasileiro em favor das petroleiras é tratada pela mídia banqueira. A jornalista Míriam Leitão publicou artigo no O Globo, em 8 de dezembro de 2017, criticando diversas medidas de renúncia fiscal de Temer, inclusive as introduzidas pela MP 795 (“Fora da hora e lugar”).

No caso da MP 795, a articulista reserva-se a explicitar a existência de uma polêmica criada a partir dos estudos do respeitado engenheiro, ex-pesquisador da Petrobras e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados na área de energia, Paulo Cesar de Lima, uma das maiores autoridades em petróleo no Brasil, que apontou renúncia da ordem de R$ 1 trilhão até 2040 como consequência direta da MP 795, a famosa MP do Mi-Shell.

O estudo do engenheiro Paulo Cesar de Lima foi contestado atabalhoadamente durante a discussão da matéria na Câmara por uma nota da Receita e por um estudo sofregamente encomendado a dois consultores, Francisco José Rocha de Souza e Cesar Costa Alves de Mattos.

O parecer do consultor legislativo foi objeto de acalorada disputa em plenário, com o relator da MP, deputado Júlio Lopes (PP/RJ), em discurso histriônico, haver posto em questão a qualidade técnica do trabalho e mesmo a isenção do consultor, no que foi contestado imediata e duramente por deputados de diversos partidos.

Júlio Lopes é aquele deputado carioca cujos ouvidos não são moucos aos doces sussurros da Shell, que recebeu em vexatório ato pornográfico de submissão e sabujice em plena reunião da Comissão da Medida Provisória, fato humilhante para o Brasil que foi denunciado de pronto, ao vivo e a cores pela TV, pelo senador Lindbergh Farias (https://youtu.be/6ufxHs7UeNw).

Já Paulo Cesar de Lima é um brasileiro cuja autoridade é reconhecida nacional e internacionalmente. Engenheiro mecânico, com doutorado em engenharia mecânica pela Universidade de Cranfield (Inglaterra), tem vasta experiência profissional como Engenheiro Pesquisador da Petrobras, onde trabalhou por quinze anos e na qual ingressou mediante concurso, tendo sido classificado em primeiro lugar no curso de formação. Desde 2003 empresta a sua inteligência à Câmara dos Deputados, em matéria de energia, após aprovação em concurso público. O currículo do consultor pode ser aferido aqui:
https://www.escavador.com/sobre/1717946/paulo-cesar-ribeiro-lima.

As razões do consultor Paulo Cesar de Lima não foram informadas aos leitores de “O Globo”, ao contrário dos argumentos da Receita, dos dois consultores “ad hoc” que o contestaram e os do lobista-deputado Júlio Lopes, eminência parda daquele pelotão cívico e nacionalista que (des)governou o Rio de Janeiro sob o comando de homens públicos da estirpe de Eduardo Cunha, Picciani e Sérgio Cabral.

Diante da omissão da colunista Miriam Leitão, o consultor Paulo Cesar de Lima enviou-lhe uma carta. Para a justa compreensão dos termos em que se estrutura a polêmica sobre o presente de Natal de R$ 1 trilhão que Temer dá com o nosso chapéu para as petroleiras internacionais, divulgo o artigo da jornalista Miriam Leitão (http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2017/12/09/miriam-leitao-fora-da-hora-e-lugar/) e a carta a ela dirigida pelo consultor Paulo Cesar de Lima.

É importante tornar públicos os argumentos do consultor Paulo Cesar de Lima, não apenas em defesa da honra profissional e de sua longa e vasta folha de serviços prestados ao Brasil, mas também e principalmente porque as suas razões são as razões do erário, do interesse público e da defesa da soberania nacional. Afinal, a defesa da nossa soberania passa, em primeiro lugar, por esgrimirmos com firmeza as armas da verdade. A verdade nos libertará.

No dia 6 de dezembro de 2017, o dia vergonha e da humilhação nacional, a Câmara dos Deputados, em votação apertada, genuflexa, traiu o Brasil e beijou a mão da Shell e suas parceiras, aprovando a MP 795, a MP do Mi-Shell: 208 Joaquim Silvério dos Reis derrotaram 194 brasileiros. Neste 12 de dezembro de 2017, o Senado mostrará ao Brasil e a história se ainda podemos ter esperança nas instituições democráticas, se é uma casa da luz vermelha ou a Câmara Alta, a Casa da Federação.

Mantenhamos a esperança e a vigilância tendo em mente o atualíssimo alerta do Padre Antonio Vieira, em sermão em Lisboa no longínquo ano de 1669: a pior cegueira é a que acomete os que têm por ofício ser os olhos da República. Que o Senado da República cumpra o seu dever com a Nação e encaminhe ao lixo, que ao lixo pertence, a MP do Mi-Shell.

* Samuel Gomes é advogado em Brasília, secretário executivo da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Pré-Sal e da Petrobras e assessor do Senador Requião na Liderança da Oposição no Senado.

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A carta:

Prezada Míriam Leitão,

Em razão de matéria publicada em sua coluna do Jornal O Globo, no dia 9 de dezembro de 2017, intitulada “Fora da Hora e Lugar”, que aborda as consequências da Medida Provisória – MPV nº 795, de 2017, penso ser oportuno o envio desta mensagem de esclarecimento.

O regime de partilha de produção foi introduzido no Brasil a partir da promulgação da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Nos termos do inciso I do art. 2º dessa Lei, partilha de produção é o regime de exploração e produção de petróleo e gás natural no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato.

De acordo com o inciso II desse artigo, custo em óleo é a parcela da produção correspondente aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações.

O inciso III, também do art. 2º da Lei nº 12.351/2010, estabelece que excedente em óleo é a parcela da produção a ser repartida entre a União e o contratado, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo e aos royalties. Assim sendo, o excedente em óleo é o “óleo lucro” ou profit oil, como denominado na literatura internacional.

O contrato de partilha de produção referente ao bloco de Libra dispõe que não integram o custo em óleo, entre outros: os encargos financeiros e amortizações de empréstimos e financiamentos; parcela das despesas qualificadas de pesquisa, desenvolvimento e inovação; gastos com ativos imobilizados que não estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações; gastos relacionados com custas judiciais e extrajudiciais, conciliações, arbitragens, perícias, honorários advocatícios; multas, sanções e penalidades; gastos com a reposição de bens, equipamento e insumos que forem perdidos, danificados ou inutilizados em virtude de caso fortuito, bem como de dolo, imperícia, negligência, ou imprudência por parte do operador; tributos sobre a renda; e gastos com comercialização ou transporte, excluídos todos os gastos relacionados ao escoamento da produção.

No regime de partilha de produção, vendido o “óleo lucro” pelo contratado, obtém-se o lucro bruto. As despesas acima, previstas no contrato como não integrantes do custo em óleo, até poderiam ser deduzidas, sem gerar duplicidade, para fins de determinação do lucro líquido, que deve ser a base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Entretanto, outras deduções, além dessas, reduziriam, indevidamente, essa base de cálculo.

É importante registrar que, nos termos do contrato de partilha, integram o custo em óleo todos os gastos com ativos imobilizados que estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações. Esses ativos são compostos por unidades estacionárias de produção, linhas de produção, linhas de injeção, poços produtores, poços injetores, máquinas, equipamentos submarinos, dutos de escoamento da produção, entre outros. Tais gastos já são, então, “deduzidos” do volume total da produção para se chegar ao “óleo lucro”, que é partilhado entre o contratado e a União.

A etapa de desenvolvimento da produção tem início com a aprovação do plano de desenvolvimento e se prolonga durante a fase de produção enquanto forem necessários investimentos em poços, equipamentos e instalações destinados à produção.

Nos termos do contrato de Libra, o contratado, a cada mês, poderá recuperar o custo em óleo, respeitando o limite de 50% do valor bruto da produção nos dois primeiros anos de produção e de 30% nos anos seguintes, para cada módulo[1]. Para se desenvolver adequadamente as várias áreas de Libra, serão necessários muitos módulos, instalados ao longo de vários anos.
É razoável prever a instalação de 10 módulos, incluindo as respectivas unidades estacionárias de produção, geralmente navios flutuantes do tipo FPSO (floating, production, storage and offloading), ao longo de 10 anos. Assim, o desenvolvimento da produção ocorre simultaneamente com a produção propriamente dita.

Após o início da produção, caso os gastos registrados como custo em óleo não sejam recuperados no prazo de 2 anos, a contar da data do seu reconhecimento como crédito para o contratado, o limite de 30% será aumentado, no período seguinte, para 50% até que os respectivos gastos sejam recuperados.

Observa-se, então, que todos os valores investidos pelo contratado na formação do ativo de cada módulo para produção de petróleo e gás natural serão rapidamente recuperados a partir da apropriação de até 50% do valor bruto da produção, a título de custo em óleo.

O § 1º do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, permite a dedução da despesa de exaustão decorrente de ativos formados mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento para viabilizar a produção. O § 2º permite a exaustão acelerada desses ativos e o § 3º estabelece que a quota de exaustão acelerada será excluída do lucro líquido.

Dessa forma, essa exclusão será feita em “duplicidade”, pois, nos termos do contrato de partilha de produção citado, integram o custo em óleo todos os gastos com ativos imobilizados que estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção, desativação das instalações, que são totalmente recuperados pelo contratado.

Importa registrar que os gastos para formação de tais ativos representam o principal componente do custo em óleo.

Vale destacar que deduções referentes à depreciação de máquinas e equipamentos que compõem esses ativos imobilizados também ocorrerão em “duplicidade”, pois o § 5º do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, determina tais deduções.

Analisa-se a seguir deduções relativas a custos exploratórios. A província petrolífera do Pré-Sal foi descoberta a partir da perfuração de poço na área de Parati, iniciada em 2005. Essa área, na qual a Petrobras tinha participação de 65%, foi devolvida por falta de atratividade econômica. Foram devolvidas muitas outras áreas do Pré-Sal, tais como: Caramba, Abaré, Iguaçu, Bem-te-vi, Macunaíma e Biguá. Até o grande bloco BM-S-22 do consórcio formado pela ExxonMobil (50%) e Petrobras (50%), onde grandes investimentos foram feitos, foi devolvido. Júpiter, licitado em 2001, ainda não foi nem devolvido nem declarado comercial.

A Petrobras esteve presente nessas áreas a partir de consórcios com empresas petrolíferas, principalmente internacionais. Os custos exploratórios foram altíssimos (dezenas de bilhões de Reais), em razão, principalmente, das sísmicas realizadas e dos poços exploratórios perfurados. No entanto, não houve produção comercial.

A Petrobras pôde deduzir, em cada exercício, esses custos exploratórios para fins de base de cálculo do IRPJ e CSLL, em razão do art. 12 do Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, consolidado no art. 416 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR de 1999 (Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999), mesmo após o fim do monopólio operacional da estatal decorrente da promulgação da Emenda Constitucional nº 9, de 1995. Foi o monopólio da Petrobras na “prospecção e extração” de petróleo que justificou a edição desse Decreto-Lei.

Os parceiros da Petrobras não poderiam ter deduzido esses custos, pois não havia base legal para isso. No entanto, o Ministério da Fazenda permitiu essas equivocadas deduções, com base no § 1º do art. 53 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Esse parágrafo não trata de exploração petrolífera, mas de cubagem e prospecção realizadas por concessionários de pesquisas ou lavra de minérios, sob a orientação técnica de engenheiro de minas. Além disso, seriam impossíveis tais deduções no regime de partilha de produção, no qual sequer há concessionários.

Com a entrada em vigor do caput do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, todas essas deduções passam a ser permitidas.

Conclui-se, então que a “duplicidade” de deduções permitidas pelos parágrafos do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, associada às deduções permitidas pelo caput desse artigo, podem representar, de fato, renúncia fiscal superior a R$ 1 trilhão para uma produção de 40 bilhões de barris de petróleo equivalente.

Parcela dessa renúncia decorre dos parágrafos do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, e do inciso II do art. 2º da Lei nº 12.351/2010, que define o custo em óleo. São os dois grupos de ativos formados com base nesses dois dispositivos legais que geram a “duplicidade” de deduções. Ressalte-se que os valores desses ativos independem da forma como o excedente em óleo é partilhado entre o contratado e a União. Outra parcela da renúncia decorre do próprio caput do art. 1º da MPV nº 795, de 2017, que permite, por exemplo, dedução de custos exploratórios. São essas duas parcelas que geram uma estimativa de renúncia fiscal de US$ 22 por barril, conforme descrito no Estudo Técnico de minha autoria.

Essa renúncia por barril multiplicada por 40 bilhões de barris e por uma taxa de câmbio de 3,3 Reais por Dólar, tem como resultado uma renúncia fiscal da ordem de R$ 1 trilhão.

Portanto, considero consistente a estimativa de renúncia fiscal de R$ 1 trilhão. Além disso, é importante destacar que tal renúncia independe da parcela ou percentual do excedente em óleo (“óleo lucro”) destinado ao contratado.

Dessa forma, não creio haver os dois grandes equívocos citados na Nota Técnica publicada no sítio da Câmara dos Deputados. O primeiro deles seria a “duplicidade” de deduções, o que, como aqui demonstrado, poderá, de fato, ocorrer. O segundo equívoco decorreria do fato de a renúncia fiscal depender da parcela do excedente em óleo (“lucro bruto”) que é destinada ao contratado, o que, como aqui demonstrado, não faz sentido algum.

Conclui-se, então, que é equivocada a Nota Técnica, de autoria de outros dois Consultores Legislativos, publicada no sítio da Câmara dos Deputados.

Esclareço, por fim, que o Estudo Técnico por mim elaborado não foi publicado no sítio da Câmara dos Deputados, pois não autorizo a publicação de trabalhos técnicos que tenham como foco matéria em tramitação na Casa.

Esse Estudo foi elaborado para atender solicitação de trabalho feita pela Liderança do Partido dos Trabalhadores – PT da Câmara dos Deputados. O Líder do PT, Senhor Deputado Carlos Zarattini, foi quem divulgou o trabalho. Não cabe a mim, opinar sobre o destino e uso de qualquer trabalho técnico por mim elaborado a partir de demandas parlamentares. Em última análise, eu sou o autor, mas o solicitante é o “dono” do trabalho produzido.

Atenciosamente,

Paulo César Ribeiro Lima - Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados

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