sábado, 7 de julho de 2018

A decisão histórica sobre a morte de Herzog

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pela não apuração das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, é o capítulo mais relevante, até agora, na luta pela responsabilização dos crimes da ditadura.

Herzog era jornalista e trabalhava na TV Cultura de São Paulo. Na noite de 24 de outubro de 1975, agentes do DOI/CODI São Paulo (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do II Exército) o procuraram nas dependências da emissora, manifestando a intenção de detê-lo e conduzi-lo para prestar esclarecimentos. A direção da TV solicitou aos agentes que não o levassem, pois dependiam dele para manter a programação. Houve, então, determinação para que Herzog se apresentasse no dia seguinte ao DOI/CODI do II Exército.

No dia 25 de outubro de 1975, aproximadamente às 8 horas, Vladimir Herzog atendeu à determinação e se apresentou no DOI/CODI, à Rua Tomás Carvalhal, 1030, Capital, São Paulo. Sem qualquer formalidade ou ordem judicial, foi mantido preso nas dependências do órgão militar. No final da tarde do mesmo dia, foi declarado morto pelo Comandante do DOI/CODI, tendo supostamente cometido suicídio. Na época, o caso foi julgado pela Justiça Militar, que acolheu a tese de suicídio.

A morte de Vladimir foi registrada no Inquérito Policial Militar de número 1.153/75, finalizado em marco de 1976, com a versão de suicídio. Essa versão, entretanto, foi desconstituída em ação proposta pela família, de n. 136/76, perante a Justiça Federal.

Apesar da versão oficial de suicídio, a família conseguiu sepultar Vladimir em área comum de um cemitério judeu, e não em área destinada a suicidas. Portanto, nessa época, Vladimir obteve seu primeiro ato de justiça, com o reconhecimento pela religião de que sua morte não ocorreu por suicídio, mas por assassinato. Vale registrar, no episódio, o importante papel do Rabino Henry Sobel.

Em 25 de março de 1992, uma reportagem da Revista “Isto É, Senhor” também deu conta de que sua morte decorreu de assassinato, sob comando do Aldir Maciel, nas dependências do DOI/CODI de São Paulo, tendo como um dos executores, Pedro Antonio Mira Grancieri (vulgo Capitão Ramiro). O então promotor de justiça, Luiz Antonio Marrey, com base neste novo fato, abriu inquérito policial (n. 704/92 – 1a Vara do Júri de São Paulo), o qual, entretanto, foi trancado por força de Habeas Corpus impetrado pelo Capitão Ramiro, perante a Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, com base na Lei de Anistia. Essa decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Com base na lei 9.140, editada em 1995, a família pode finalmente pleitear o reconhecimento administrativo da responsabilidade União pela morte de Vladimir Herzog, o que ocorreu em 1996. A família foi indenizada, mas nenhum agente foi criminalmente punido.

Em 2007, membros do MPF em São Paulo passaram a representar criminalmente e entrar com ações cíveis de responsabilização dos autores dos crime da ditadura. Por não se tratar de um corpo desaparecido e por ser um dos únicos a contar com alguma forma de pronunciamento judicial, o caso Herzog foi eleito como um dos casos prioritários, ao lado de Luiz Jose da Cunha e de Flavio Carvalho Molina, pelos procuradores Marlon Weichert e Eugenia Gonzaga, do MPF, dos poucos a atuar sobre a matéria.

Ambos defenderam que a competência para julgar o caso seria da Justiça Federal, já que o crime foi praticado por agente público. O crime contra Herzog, “além de desumano, se deu num contexto de ataque generalizado e sistemático existente na época da ditadura militar brasileira contra as pessoas que se opunham ao regime fazendo algum tipo de militância de esquerda e, dessa forma, se caracteriza, da perspectiva do Direito Internacional público, como crime contra a humanidade”.

Mesmo assim, o seu caso foi novamente arquivado, dessa vez perante a Justiça Federal Criminal em São Paulo e sob o fundamento de prescrição e não mais de anistia, conforme parecer do procurador Fábio Elizeu Gaspar.

Entendeu-se, então, que estavam esgotadas todas as instâncias internas sobre o caso. E, aí, abriu-se uma nova possibilidade.

Por esta época, o juiz espanhol Baltazar Garzon recorrera às cortes internacionais e conseguira a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet em um aeroporto de Londres. Pinochet só foi despachado para o Chile depois que a Justiça chilena garantiu a manutenção de sua prisão.

Garzon acabou vindo ao Brasil a convite da Carta Capital. Em um almoço, após sua apresentação, Marlon e Eugenia indagaram sobre os instrumentos das cortes internacionais de direitos humanos. Foi-lhes dito que o direito internacional era como um terno guardado no guarda roupa. Poucos utilizam, mas o terno estava à disposição.

Com base nessa conversa, ambos procuraram a família de Herzog para aconselhá-la a ingressar com denúncia na CIDH. A viúva Clarice deixou a decisão para os filhos. Um deles recusou a sugestão, insinuando que os procuradores procuravam se prevalecer da repercussão do nome do pai.

Dias depois, no entanto, a própria Clarice procurou o MPF para saber como proceder para fazer a denúncia à CIDH. Graças a isso, o caso foi para o CIDH. Agora, dez anos depois, há o julgamento com a União condenada a aplicar o conceito de crime contra a humanidade, caso em que não há prescrição nem anistia. É a segunda condenação definitiva. A primeira foi em relação aos crimes do Araguaia.

Poucos dos torturadores estão vivos. Mas a decisão provavelmente servirá como pressão para que o Ministro Luiz Fux desengavete os recursos pedindo que se julgue a validade da Lei da Anistia à luz das decisões da CIDH.

A decisão da corte é de 2010. Fux herdou a ação assim que assumiu o cargo de Ministro do STF. Desde então, tem recorrido ao instrumento vergonhoso de não colocar o caso em julgamento.

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