quinta-feira, 26 de julho de 2018

A intimidação macartista nas universidades

Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:

Em nota oficial divulgada na tarde desta quarta-feira (25), a Reitoria da Universidade Federal do ABC (UFABC) afirmou que acompanha “atentamente os desdobramentos referentes à denúncia encaminhada à Corregedoria” contra os professores da instituição Giorgio Romano Schutte, Gilberto Maringoni e Valter Pomar. Eles são objeto de uma comissão investigativa para apurar denúncia anônima sobre o evento de lançamento do livro A verdade vencerá, realizado em 18 de abril no auditório 5 do bloco Beta do campus São Bernardo do Campo. A obra reúne uma entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e artigos a seu respeito.

Segundo a Reitoria, não há processo administrativo (PAD) nem “sindicância acusatória” em andamento contra os docentes. “Trata-se de uma sindicância investigativa, estágio prévio para a deliberação sobre a admissibilidade ou não da denúncia.” A nota explica que a Reitoria tomou conhecimento do assunto e do teor das questões apenas quando da divulgação por servidores da universidade, e passou a acompanhar o tema.

De acordo com Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da UFABC, a cultura do denuncismo na instituição já faz parte do dia a dia dos docentes. Quando aparece uma denúncia como essa, invariavelmente relacionada a evento envolvendo temas ou convidados de esquerda, ela é encaminhada à Corregedoria da universidade e mesmo ao Ministério Público (MP). É tão comum que muitas vezes o “denunciado” nem fica sabendo. Giorgio Romano já foi objeto de processos no passado com origem semelhante, que, inclusive, tiveram desdobramentos no MP.

No caso em questão, ele diz que a "escolha" dos três professores não é muito evidente, já que o evento foi organizado por Giorgio e Maringoni (um dos autores do livro), mas Pomar não estava na organização e sequer participou do evento.

Porém, do ponto de vista jurídico, casos como esse não têm fundamentos que justifiquem a abertura de processo e geralmente são arquivados. Em relação ao atual episódio, ainda não é sequer um processo, pois não há uma acusação formalizada.

“Pessoas de dentro da universidade sempre querem criar um clima de intimidação, frear iniciativas. É macartismo puro. Só que nos Estados Unidos tinha um nome, Joseph McCarthy, e aqui é denúncia anônima”, observa Giorgio Romano, em referência à política de caça às bruxas instaurada e inspirada pelo senador norte-americano por Wisconsin nos anos 1950.

“O que deveria prevalecer na universidade é a cultura do debate e do confronto de ideias, a essência da universidade. Denunciar alguém por um evento no qual foram faladas coisas com as quais você não está de acordo é a negação da universidade”, diz o professor.

A UFABC passa por um momento de transição. O professor Dácio Roberto Matheus tomou posse no cargo de reitor no dia 1° de junho. Na nota, a instituição afirma que “a Reitoria reforça os preceitos democráticos como elementos indissociáveis da gestão universitária e reitera seus esforços para garantir que a universidade se mantenha como local de amplo debate e respeito à diversidade de ideias e de posicionamentos”. Por outro lado, “reconhece o fundamental papel social dos órgãos de controle e entende que as ações destinadas às instâncias responsáveis devem ser conduzidas com autonomia”.

Giorgio destaca, porém, que, apesar da cultura do denuncismo estar se disseminando e isso ser um fato grave, sob uma perspectiva mais ampla, o que está sufocando a universidade não é bem isso. “O corte drástico das verbas é que está matando a universidade, tirando as bolsas, e os alunos de baixa renda não conseguem se manter. Está virando um espaço da elite, exatamente o contrário do projeto original da expansão das universidades federais. Não ter dinheiro para a pesquisa significa que não tem sentido ter uma universidade federal.”

Segundo ele, o episódio recente pode ser uma oportunidade para politizar o tema e criar uma “onda” contra a cultura de caça às bruxas e denuncismo. Esse denuncismo é utilizado, inclusive, por motivos mais prosaicos do que criar problemas para professores de esquerda: alunos que se utilizam desse expediente para prejudicar docentes dos quais recebem notas ruins, por exemplo.

Na nota, a Reitoria afirma sua defesa da “convivência pacífica e a transparência dos órgãos controladores e a liberdade de produção e difusão de conhecimentos pela comunidade, que são expressões da autonomia universitária”. Sobre a identificação dos denunciantes, a UFABC destaca a importância “de se preservar a identidade como forma de proteção dos atores envolvidos”, mas manifesta “preocupação com a cultura de denúncias anônimas nos casos em que o diálogo pouparia desgastes nas relações interpessoais e renderia debates frutíferos à universidade".

“A busca de soluções democráticas para os problemas nacionais é uma das finalidades da UFABC, e para isto o diálogo é o mecanismo prioritário”, acrescenta. Destaca ainda que a cultura de denúncias anônimas pode ser substituída pela “prática do diálogo franco, maduro e respeitoso às diversidades”.

“O anonimato deve proteger o denunciante, quando isso se faz necessário, mas essa premissa não deve ser utilizada para gerar instabilidade institucional e degradar as relações humanas e de trabalho. O caso atual trouxe à tona a necessidade de amadurecer este debate e a Reitoria está comprometida em colocá-lo em pauta”, conclui a nota.

Questionamentos
Giorgio Romano, Pomar e Maringoni receberam da comissão, em seus “correios eletrônicos”, pedido de esclarecimentos com as seguintes questões, para serem respondidas “preferencialmente” até 26 de julho:

1- O senhor participou da organização do evento A verdade vencerá, realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC?

2- É de seu conhecimento quais pessoas participaram da organização do evento A verdade vencerá, realizado nas dependências da Fundação Universidade Federal do ABC? Poderia dizer o nome de outros organizadores
3- Quais foram os objetivos da organização de tal evento?
4- A realização do evento foi autorizada por algum servidor? Se sim por quais?

5- O uso do espaço da UFABC (sala, anfiteatro,etc.) foi autorizada por algum servidor? Se sim por quais?
6- Houve venda de livros durante o evento?
5- A venda de livros foi autorizada por algum servidor?
7-Durante o evento houve apologia ao crime?
8- Durante o evento ocorreram manifestações de apreço por parte de servidores em horário de serviço a favor de Lula e partidos de esquerda?
9- Durante o evento ocorreram manifestações de desapreço e contra o Presidente Temer e integrantes do poder judiciário-MP?

2 comentários:

Unknown disse...

As questoes sao otimas. Parrce delegacia

Telcom disse...

As respostas devem ser dadas com o cinismo que merecem, da mesma forma que acontece com o "denuncismo" dos direitistas coxinhas. São, antes de tudo, uns ignorantes mal formados.