sábado, 15 de dezembro de 2018

AI-5 continua vivo

Por Marcelo Zero

O Brasil, ao contrário de outros países da América do Sul que também passaram por ditaduras militares, nunca conseguiu encerrar realmente o ciclo político do autoritarismo militar.

Para tanto, teria sido necessário que os culpados por crimes hediondos, como o de tortura, sequestro, assassinato, etc. tivessem sido responsabilizados por seus atos, e julgados com o amplo direito à defesa que eles negaram às suas vítimas.

Dessa forma, o país poderia ter “passado a limpo” o seu passado de crimes e crueldades.

A população teria tomado consciência da terrível realidade de se viver numa ditadura.

A lei assimétrica da Anistia pode ter facilitado uma transição indolor para o período democrático posterior, mas manteve aberta a ferida dos crimes cometidos, ocultou, da consciência nacional e da justiça, a necessidade de uma ampla reparação histórica e impossibilitou de encerrar, de forma definitiva, o ciclo político da ditadura.

Assim sendo, o ano de 1964 e, especialmente, o ano de 1968, o ano do AI-5, ainda não se encerraram de modo irreversível.

É isso que explica, em alguma medida, o surgimento desse neofascismo brasileiro com tintes militaristas.

É isso que explica esse inexplicável saudosismo da ditadura militar.

É isso que explica, em parte, que um deputado do baixo clero que faz elogios reiterados à tortura, aos sequestros, aos assassinatos e à ditadura militar possa ser tão popular a ponto de chegar à presidência da república.

Em outros países do mundo, mesmo em alguns da América do Sul, uma pessoa com esse perfil despertaria amplo desprezo. Nos EUA, um indivíduo que defendesse torturas e ditaduras não seria eleito nem para síndico de prédio da Ku Klux Kan. Na Europa Ocidental, provavelmente estaria preso.

Essas características singulares do processo histórico brasileiro também explicam, ao menos em parte, a fragilidade da nossa democracia, duramente atingida pelo golpe de 2016, que desfez o pacto político-social plasmado na Constituição de 1988.

Da mesma forma, permitem compreender a atual e óbvia tutela do poder militar sobre o poder civil.

Ocorre no Brasil, no plano coletivo, o que Freud analisava no plano individual: o retorno do oprimido.

Aquilo que é reprimido fora da consciência, acaba retornando e ressurgindo, de forma modificada e distorcida.

Nesse sentido, o neofascismo militarista brasileiro é o retorno, de forma distorcida, de uma ditadura cujo ciclo histórico nunca foi encerrado, de modo pleno e definitivo.

Portanto, o espírito do AI-5 continua vivo no governo Bolsonaro.

É uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do que restou da nossa democracia.

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