Por Jean-Philip Struck, na revista CartaCapital:
Prestes a completar três semanas, o governo Jair Bolsonaro enfrenta o seu primeiro escândalo, que já testa a “lua de mel” que os novos presidentes brasileiros costumam ter com as forças políticas e com os eleitores nos primeiros meses de mandato. O caso vem ofuscando a divulgação de novas medidas do Planalto.
Ao longo da última semana, tal como ocorria nos tempos da Lava Jato nos governos do PT e do MDB, o governo foi acossado por uma série de fatos negativos envolvendo figuras próximas do presidente. No caso, um dos filhos de Bolsonaro, o deputado estadual e senador eleito Flávio (PSL-RJ), e Fabrício Queiroz, um amigo do presidente e ex-assessor do seu filho, são suspeitos de operar um sistema que coletava parte dos salários de assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), uma prática ilegal conhecida como “rachadinha” ou “pedágio”, típica de políticos do baixo clero pelo país.
Por enquanto, o presidente Jair Bolsonaro vem mantendo silêncio sobre as novas suspeitas envolvendo seu filho e seu amigo. Na última vez em que falou sobre o assunto, em uma entrevista no dia 9 de janeiro, Bolsonaro afirmou que segue confiando em Queiroz “até que provem o contrário” e que “se tiver algo errado, que pague a conta quem cometeu esse erro”.
Porém, desde então, seu filho passou a ser implicado mais diretamente no caso. Bolsonaro escolheu o silêncio. Nesta semana, ele vai à Suíça para participar do Fórum de Davos, sua estreia nos palcos internacionais desde a posse. Uma coletiva de imprensa que estava prevista na agenda do presidente durante o evento foi cancelada.
Jair não é o único membro da família que tem evitado falar sobre o tema. O deputado Eduardo e o vereador Carlos Bolsonaro, sempre tão ativos nas redes sociais, não saíram diretamente nos últimos dias em defesa do irmão. Em vez disso, têm se concentrado em agitar a militância atacando a imprensa e chamar a atenção para ilegalidades de governos passados.
O escândalo também tem erodido o capital político de Flávio e afetado a dinâmica da eleição do novo presidente do Senado, prevista para ocorrer em fevereiro. Flávio e o PSL haviam se posicionado publicamente contra a eleição do veterano Renan Calheiros (MDB-AL) para o cargo. Agora, estreando fragilizado na Casa, Flávio deve pouco influenciar o processo de escolha.
Para o governo, os recentes desdobramentos do caso envolvendo o clã Bolsonaro também ofuscaram o anúncio de novas medidas e de jogadas publicitárias. Na sexta-feira, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória com novas regras para a concessão de benefícios do INSS com o objetivo de coibir fraudes.
No mesmo dia, o BNDES publicou relações de concessões de empréstimos por parte do BNDES em gestões passadas, uma jogada anunciada como a abertura da “caixa-preta” do banco, mas que não passava de uma reciclagem de informações públicas e que já haviam sido exploradas pela imprensa nos últimos anos.
Tanto a MP do INSS quanto a propagandeada abertura da “caixa-preta” ficaram em segundo plano diante da escalada do caso envolvendo as suspeitas sobre Flávio e Queiroz. Membros do governo questionados sobre os problemas do filho do presidente têm evitado comentar o assuntou ou se limitam a afirmar que é um tema que diz respeito somente a Flávio.
A crise
A crise começou a surgir em dezembro, quando o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) divulgou um relatório que apontou volumosas movimentações financeiras suspeitas por parte de deputados e assessores da Alerj. Seria só mais um dos inúmeros casos de corrupção no mundo político do Rio de Janeiro, mas a trilha seguiu até a família do presidente.
O documento, divulgado no âmbito de uma investigação do Ministério Público estadual (MP-RJ), apontou inicialmente que Queiroz, o amigo de Jair e ex-assessor de Flávio na Alerj, movimentou 1,2 milhão de reais durante um ano, um valor incompatível com seus ganhos declarados. Entre os valores movimentados estava um depósito de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michelle.
Nas semanas seguintes, Queiroz se esquivou de comparecer ao MP-RJ, alegando problemas de saúde. Ele, porém, concedeu no período uma entrevista ao SBT – emissora que vem nutrindo simpatia pelo governo. Pouco depois, foi filmado dançando alegremente em um hospital de São Paulo.
Nos últimos dias, porém, o caso ganhou uma dimensão ainda maior quando Flávio acionou na quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) para interromper as investigações, usando da sua prerrogativa de senador eleito. Oficialmente, ele não era um investigado no caso. O ministro Luiz Fux, do STF, acabou aceitando o pedido de Bolsonaro.
Esse uso do foro privilegiado por parte de um membro da família Bolsonaro entrou em choque com o discurso do presidente, que nos últimos anos declarou ser contra a prerrogativa. Após o episódio, críticos do presidente voltaram a disseminar um vídeo de 2017 em que Jair aparece ao lado de Flávio e chama o foro privilegiado de “porcaria”. O caso repercutiu mal até entre alguns apoiadores do presidente.
Na sexta-feira, Flávio rompeu o silêncio das últimas semanas e teve a chance de falar, quase sem ser interpelado, por uma jornalista da TV Record, emissora aliada do governo. Ele criticou o MP-RJ e disse que o órgão estava conduzindo uma investigação “oculta” contra ele. Flávio também afirmou que continua sendo contra o foro privilegiado, mas que recorreu à prerrogativa para que fossem “cumpridas obrigações legais” sobre a competência do caso. “Não quero foro, mas que a lei funcione para mim”, disse. Apesar das críticas, ele pouco esclareceu sobre as movimentações do seu ex-assessor.
Para piorar, a entrevista acabou sendo atropelada pelos acontecimentos. Gravada previamente, ela foi ao ar após minutos depois de a concorrente TV Globo divulgar no Jornal Nacional que o Coaf também identificou depósitos suspeitos em uma conta do próprio Flávio. No total, foram 48 depósitos em espécie entre junho e julho de 2017 na conta do senador eleito, concentrados na agência bancária que fica dentro da Alerj e sempre no mesmo valor: 2 mil reais. O total movimentado chega a 96 mil reais. A forma como os depósitos foram feitos sugerem uma tentativa de ocultar as operações das autoridades fiscais. O foco não estava mais em Queiroz, mas em Flávio.
No sábado, um dia após a reportagem do Jornal Nacional, Flávio foi ao Palácio da Alvorada para se reunir com seu pai. Não era o fim da escalada de más notícias. Na noite de sábado, a TV Globo divulgou que o Coaf também havia identificado outra operação suspeita envolvendo Flávio: o pagamento de um título bancário da Caixa Econômica Federal no valor de 1 milhão de reais. O Coaf diz que não conseguiu identificar o favorecido. No domingo, foi a vez de o jornal O Globo publicar que a movimentação financeira de Queiroz foi a maior do que se supunha, e alcançou 7 milhões de reais entre 2015 e 2017.
Prestes a completar três semanas, o governo Jair Bolsonaro enfrenta o seu primeiro escândalo, que já testa a “lua de mel” que os novos presidentes brasileiros costumam ter com as forças políticas e com os eleitores nos primeiros meses de mandato. O caso vem ofuscando a divulgação de novas medidas do Planalto.
Ao longo da última semana, tal como ocorria nos tempos da Lava Jato nos governos do PT e do MDB, o governo foi acossado por uma série de fatos negativos envolvendo figuras próximas do presidente. No caso, um dos filhos de Bolsonaro, o deputado estadual e senador eleito Flávio (PSL-RJ), e Fabrício Queiroz, um amigo do presidente e ex-assessor do seu filho, são suspeitos de operar um sistema que coletava parte dos salários de assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), uma prática ilegal conhecida como “rachadinha” ou “pedágio”, típica de políticos do baixo clero pelo país.
Por enquanto, o presidente Jair Bolsonaro vem mantendo silêncio sobre as novas suspeitas envolvendo seu filho e seu amigo. Na última vez em que falou sobre o assunto, em uma entrevista no dia 9 de janeiro, Bolsonaro afirmou que segue confiando em Queiroz “até que provem o contrário” e que “se tiver algo errado, que pague a conta quem cometeu esse erro”.
Porém, desde então, seu filho passou a ser implicado mais diretamente no caso. Bolsonaro escolheu o silêncio. Nesta semana, ele vai à Suíça para participar do Fórum de Davos, sua estreia nos palcos internacionais desde a posse. Uma coletiva de imprensa que estava prevista na agenda do presidente durante o evento foi cancelada.
Jair não é o único membro da família que tem evitado falar sobre o tema. O deputado Eduardo e o vereador Carlos Bolsonaro, sempre tão ativos nas redes sociais, não saíram diretamente nos últimos dias em defesa do irmão. Em vez disso, têm se concentrado em agitar a militância atacando a imprensa e chamar a atenção para ilegalidades de governos passados.
O escândalo também tem erodido o capital político de Flávio e afetado a dinâmica da eleição do novo presidente do Senado, prevista para ocorrer em fevereiro. Flávio e o PSL haviam se posicionado publicamente contra a eleição do veterano Renan Calheiros (MDB-AL) para o cargo. Agora, estreando fragilizado na Casa, Flávio deve pouco influenciar o processo de escolha.
Para o governo, os recentes desdobramentos do caso envolvendo o clã Bolsonaro também ofuscaram o anúncio de novas medidas e de jogadas publicitárias. Na sexta-feira, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória com novas regras para a concessão de benefícios do INSS com o objetivo de coibir fraudes.
No mesmo dia, o BNDES publicou relações de concessões de empréstimos por parte do BNDES em gestões passadas, uma jogada anunciada como a abertura da “caixa-preta” do banco, mas que não passava de uma reciclagem de informações públicas e que já haviam sido exploradas pela imprensa nos últimos anos.
Tanto a MP do INSS quanto a propagandeada abertura da “caixa-preta” ficaram em segundo plano diante da escalada do caso envolvendo as suspeitas sobre Flávio e Queiroz. Membros do governo questionados sobre os problemas do filho do presidente têm evitado comentar o assuntou ou se limitam a afirmar que é um tema que diz respeito somente a Flávio.
A crise
A crise começou a surgir em dezembro, quando o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) divulgou um relatório que apontou volumosas movimentações financeiras suspeitas por parte de deputados e assessores da Alerj. Seria só mais um dos inúmeros casos de corrupção no mundo político do Rio de Janeiro, mas a trilha seguiu até a família do presidente.
O documento, divulgado no âmbito de uma investigação do Ministério Público estadual (MP-RJ), apontou inicialmente que Queiroz, o amigo de Jair e ex-assessor de Flávio na Alerj, movimentou 1,2 milhão de reais durante um ano, um valor incompatível com seus ganhos declarados. Entre os valores movimentados estava um depósito de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michelle.
Nas semanas seguintes, Queiroz se esquivou de comparecer ao MP-RJ, alegando problemas de saúde. Ele, porém, concedeu no período uma entrevista ao SBT – emissora que vem nutrindo simpatia pelo governo. Pouco depois, foi filmado dançando alegremente em um hospital de São Paulo.
Nos últimos dias, porém, o caso ganhou uma dimensão ainda maior quando Flávio acionou na quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) para interromper as investigações, usando da sua prerrogativa de senador eleito. Oficialmente, ele não era um investigado no caso. O ministro Luiz Fux, do STF, acabou aceitando o pedido de Bolsonaro.
Esse uso do foro privilegiado por parte de um membro da família Bolsonaro entrou em choque com o discurso do presidente, que nos últimos anos declarou ser contra a prerrogativa. Após o episódio, críticos do presidente voltaram a disseminar um vídeo de 2017 em que Jair aparece ao lado de Flávio e chama o foro privilegiado de “porcaria”. O caso repercutiu mal até entre alguns apoiadores do presidente.
Na sexta-feira, Flávio rompeu o silêncio das últimas semanas e teve a chance de falar, quase sem ser interpelado, por uma jornalista da TV Record, emissora aliada do governo. Ele criticou o MP-RJ e disse que o órgão estava conduzindo uma investigação “oculta” contra ele. Flávio também afirmou que continua sendo contra o foro privilegiado, mas que recorreu à prerrogativa para que fossem “cumpridas obrigações legais” sobre a competência do caso. “Não quero foro, mas que a lei funcione para mim”, disse. Apesar das críticas, ele pouco esclareceu sobre as movimentações do seu ex-assessor.
Para piorar, a entrevista acabou sendo atropelada pelos acontecimentos. Gravada previamente, ela foi ao ar após minutos depois de a concorrente TV Globo divulgar no Jornal Nacional que o Coaf também identificou depósitos suspeitos em uma conta do próprio Flávio. No total, foram 48 depósitos em espécie entre junho e julho de 2017 na conta do senador eleito, concentrados na agência bancária que fica dentro da Alerj e sempre no mesmo valor: 2 mil reais. O total movimentado chega a 96 mil reais. A forma como os depósitos foram feitos sugerem uma tentativa de ocultar as operações das autoridades fiscais. O foco não estava mais em Queiroz, mas em Flávio.
No sábado, um dia após a reportagem do Jornal Nacional, Flávio foi ao Palácio da Alvorada para se reunir com seu pai. Não era o fim da escalada de más notícias. Na noite de sábado, a TV Globo divulgou que o Coaf também havia identificado outra operação suspeita envolvendo Flávio: o pagamento de um título bancário da Caixa Econômica Federal no valor de 1 milhão de reais. O Coaf diz que não conseguiu identificar o favorecido. No domingo, foi a vez de o jornal O Globo publicar que a movimentação financeira de Queiroz foi a maior do que se supunha, e alcançou 7 milhões de reais entre 2015 e 2017.
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