segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Rancor de gênero e raça seguirá a florescer

Por Benjamin H. Bradlow, no blog Socialista Morena:

O novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que tomou posse em 1º de janeiro, é com frequência chamado de o “Trump dos Trópicos” pela retórica de lei e ordem, comentários racistas e sexistas, postura a favor dos negócios e as promessas de costume feitas por quem está de fora de endireitar a política.

O Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, estava entre os líderes mundiais de direita que estiveram em sua posse em Brasília, ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban.

Bolsonaro usou uma cartilha populista ao estilo de Trump para chegar à presidência brasileira em outubro com 54% dos votos. Espalhando mensagens inflamadas contra o establishment, persuadiu votantes descontentes da classe trabalhadora o suficiente para criar uma coalizão eleitoral vitoriosa, embora incomum, entre a classe trabalhadora e os ricaços.

Diferentemente dos Estados Unidos, porém, onde Trump teve como alvo os americanos da zona rural deixados para trás pelo progresso econômico, os apoiadores de Bolsonaro da classe trabalhadora provinham de cidades brasileiras – sobretudo de subúrbios pobres.

Estas áreas, foco da minha pesquisa sociológica sobre cidades e democracia, foram atingidas com violência pela onda de crimes e recessão severas que dominam o Brasil desde 2015, deixando um enorme grupo de eleitores em situação precária, descontentes, no ponto certo para escutar os apelos de Bolsonaro por mudança radical.

Paradoxalmente, muitos dos brasileiros da classe trabalhadora que votaram em Bolsonaro contra seu oponente progressista, Fernando Haddad, viram sua qualidade de vida melhorar de forma dramática com o partido de Haddad, o Partido dos Trabalhadores, de centro-esquerda.

Os maiores benefícios ocorreram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país de 2003 a 2010. Durante seus dois mandatos, cerca de 30 milhões de pobres brasileiros – 15% da população – foram tirados da pobreza. Conforme as rendas subiam, brasileiros da classe trabalhadora começaram a ir à faculdade, voar de avião e comprar carros – luxos antes reservados aos ricos.

Programas ambiciosos de melhoria dos bairros pobres levaram saneamento, transporte público e eletricidade a favelas urbanas há muito tempo negligenciadas. Financiamentos habitacionais acessíveis colocaram mais pessoas em casas seguras, estáveis. O Brasil foi celebrado mundo afora como uma estrela sul-americana.

As realizações de Lula contra a pobreza fizeram com que o seu Partido dos Trabalhadores merecesse a lealdade irrestrita dos brasileiros mais pobres. Eles votaram de maneira esmagadora por sua reeleição em 2006 e apoiaram sua sucessora escolhida a dedo, Dilma Rousseff, nas eleições presidenciais de 2010 e 2014 no Brasil.

Mas em 2018 Bolsonaro ganhou em muitos bairros de classe trabalhadora urbana onde se esperava que seu oponente do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, saísse vitorioso. Na periferia urbana de São Paulo, por exemplo, Bolsonaro ganhou em 17 das 23 zonas eleitorais que votaram de maneira esmagadora em Dilma na eleição de 2010.

Como um candidato da extrema-direita atraiu votantes de esquerda? Uma nova pesquisa feita no Brasil indica que o apoio a Bolsonaro entre brasileiros mais pobres foi impulsionado em grande parte pelo alto grau de crimes urbanos. O Brasil tem, há mais de uma década, uma das piores taxas de homicídio do mundo. Em média, 175 brasileiros são assassinados a cada dia.

Bairros urbanos pobres são pontos cruciais nesta onda de crimes nacional. Disputas por território entre gangues rivais e tiroteios com a polícia aterrorizam brasileiros diariamente em ocupações e favelas que circundam mesmo as cidades mais ricas do Brasil.

Até em São Paulo, onde os homicídios têm na verdade diminuído desde 1999, assaltos a mão armada frequentes, sobretudo roubos de carros, fazem com que os residentes se sintam inseguros o tempo todo. O plano de combate ao crime de Bolsonaro é vago, mas vigoroso. Inclui instruir a polícia a “atirar para matar”, travar batalha com gangues e usar os militares para o cumprimento da lei.

Especialistas dizem ser improvável que essa abordagem linha-dura reduza a violência. O cumprimento da lei brasileira já é agressivo ao extremo, matando com mais frequência que qualquer outra força policial mundo afora. E enviar soldados para “pacificar” as favelas do Rio de Janeiro em 2017 na verdade aumentou os tiroteios. Mas, vindas de um ex-capitão do exército como Bolsonaro, muitos brasileiros acharam as mensagens de lei e ordem reconfortantes.

Problemas econômicos também fizeram os trabalhadores brasileiros se sentirem ameaçados. Em 2015, o Brasil entrou em uma recessão severa. O produto interno bruto – que desde 2004 ficou na média de cerca de 3% de crescimento ao ano – encolheu em torno de 3,5% tanto em 2015 quanto em 2016. O desemprego dobrou, chegando acima de 12%. Um em quatro brasileiros na idade ativa tornaram-se subitamente “subempregados”.

A recessão, unida a um escândalo de corrupção de proporções nacionais que envolvera muitos funcionários governamentais de alto escalão, inclusive Lula, gerou um sentimento de caos político. A crise no Brasil tão somente se aprofundou após o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016.

O sucessor de Dilma – seu vice-presidente Michel Temer – promoveu medidas de austeridade orçamentária que minaram os programas sociais que assistiam aos brasileiros pobres e da classe trabalhadora. Em janeiro de 2018, quando a corrida presidencial brasileira começou, estava claro que a alardeada “nova classe média” do Brasil fora a mais severamente atingida pela crise.

Presidente Bolsonaro, que quer reduzir o papel do governo na economia brasileira, tinha poucas promessas econômicas para os pobres – em particular quando comparadas ao fenomenal caminho trilhado pelo Partido dos Trabalhadores na redistribuição de renda. Sua campanha substituiu isso por puro ódio.

Bolsonaro promoveu uma narrativa de que a recessão do Brasil foi causada pela corrupção no Partido dos Trabalhadores, e prometeu dar uma limpeza na política. Disse que criminosos deveriam morrer, louvou ditaduras militares e propôs encarcerar esquerdistas. Fez comentários racistas, sexistas e homofóbicos para culpar as minorias e o politicamente correto pelo declínio do Brasil.

Quase 58 milhões de votantes – ricos e nem tão ricos, negros e brancos, homossexuais como heterossexuais – acharam que este bombástico homem-forte autoritário possa ser justo o cara que colocará o Brasil em pé de novo.
Bolsonaro pode ajudar a classe trabalhadora? Agora ela descobrirá se apostou errado. Alguns analistas políticos afirmam que o programa de políticas de Bolsonaro muito provavelmente prejudicará as classes trabalhadoras do Brasil.

O plano de leiloar de vez companhias estatais brasileiras de eletricidade e petróleo ao arrematador de maior lance, por exemplo, pode dar à economia um empurrão no curto prazo, mas economistas alertam que a privatização não tornará estes importantes setores mais eficientes ou inovadores.

Acabar com o Ministério das Cidades, que supervisionava os investimentos federais do Brasil na melhoria de bairros pobres durante os governos de Lula e Dilma, irá prejudicar as cidades mais pobres. Programas de infraestrutura em habitação, saneamento e transporte estão todos sob ameaça.

Mas isso não significa que os votantes da classe trabalhadora urbana abandonarão Bolsonaro. Afinal, as taxas de aprovação de Trump nos Estados Unidos, dentro de sua base da classe trabalhadora branca, têm perdurado relativamente a despeito de uma reforma tributária que beneficiou sobretudo os ricos e das tarifas que prejudicam setores-chave da economia norte-americana.

Bolsonaro usou a batida cartilha dos autoritários mundo afora para ganhar a presidência brasileira. Os rancores de gênero e de raça que ele atiçou entre os eleitores pobres podem continuar a florescer, mesmo se as perspectivas econômicas destes votantes não se concretizarem.

* Benjamin H.Bradlow é candidato a Ph.D. no Departamento de Sociologia da Brown University. Artigo publicado originalmente no site  The Conversation. Tradução de Mauricio Búrigo.

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