domingo, 14 de julho de 2019

Por trás da tela: a violência de gênero na TV

Do site Mídia Ninja:

O drama de Jandira, personagem de Brenda Sabryna em ‘Topíssima’, chegou ao fim nessa semana. A jovem, que se submeteu a um aborto em uma clínica clandestina, morreu durante o procedimento. A trama reacende a discussão sobre a violência de gênero na TV e em séries televisivas.

A partir do episódio dessa quarta, que mostra o extremo de situações vividas pelas mulheres, separamos mais cinco séries protagonizadas por mulheres e convidamos você a questionar e repensar a violência de gênero em suas diversas formas.

Uma das razões pelas quais a violência contra as mulheres começa a fazer parte dos enredos de séries pode ser o aumento do peso dos papéis femininos nas histórias, mas também o estímulo causado pelo protagonismo do movimento feminista nos últimos anos.

Coletivos de atrizes organizados em movimentos como o #MeToo, artistas com o lenço verde (que simboliza a luta pelo aborto legal) no tapete vermelho em Cannes, o #MexeuComUmaMexeuComTodas contra os abusos sistemáticos do galã Zé Mayer puxado pelas atrizes da Rede Globo e também Robin Wright (House of Cards) exigindo publicamente o mesmo salário que o seu companheiro de equipe, Kevin Spacey.

Todas essas manifestações têm impactado na criação das ficções televisivas. Confira alguns exemplos que refletem essa mudança de paradigma na tela:

Coisa Mais Linda

A série nos mostra Ligia (Fernanda Vasconcellos), amiga de infância de Malu (Maria Casadevall) que sonha em ser cantora, mas vive um casamento abusivo com um político influente; Thereza (Mel Lisboa), cunhada de Lígia e única jornalista mulher trabalhando na redação de uma revista feminina; e Adélia (Pathy Dejesus), mulher negra, mãe solo e empregada doméstica, que vira sócia de Malu em seu novo empreendimeto. A série mostra a vida dessas quatro personagens embalada pela bossa nova da década de 1950 no Rio de Janeiro.


Duro é ver que os temas de 1959 não estão superados seis décadas depois. Aborto, casamentos abusivos, violência doméstica, diversidade sexual, carreira e maternidade, além do racismo explícito e também o inconsciente. A série brasileira tem apenas uma temporada, lançada em 2019, e já deixou espectadores ansiosos por mais capítulos.

The Handmaid’s Tale (O conto da Aia)

Produzida pela plataforma web Hulu, a série estreou em 2017 e é baseada no romance homônimo da escritora canadense Margaret Atwood, publicado em 1985. Num futuro distópico – embora de forma alguma alheio à realidade – conhecemos a República de Gileade, uma sociedade totalitária formada no que costumava ser a costa leste dos Estados Unidos.

Depois que a contaminação ambiental causou a infertilidade da maioria da população, um grupo ultra-católico toma o controle do país através de um golpe de Estado, para formar uma sociedade de castas na qual a opressão às mulheres é retratada em sua máxima expressão.

As mulheres que ainda são férteis são escravizadas (chamadas de aias), perdem seus nomes, são separadas de suas famílias e são sistematicamente violadas em rituais, sendo forçadas a dar à luz os filhos das famílias no poder. Conhecidos como “servos”, são concebidos como objetos que não têm controle sobre sua vida ou corpo, manipulados e descartados com o mero propósito de reprodução biológica.

Desta forma, a série não só mostra de forma contundente os extremos aos quais a objetificação das mulheres pode ir, mas também expõe os discursos e mandamentos extremamente patrióticos que fundamentam nossa sociedade atual e a maneira sinistra como são naturalizados de disciplina, terror e morte.

Las chicas del cable

Las Chicas del Cable é uma série espanhola produzida pela Netflix e que em 2017 incorporou a primeira temporada na plataforma. Estrelando um grupo de mulheres que decidiram trabalhar no final da década de 1920, a série entrou em cena com a pretensão de ser feminista. Esta história relata as experiências de mulheres que procuram liberdade individual em um mundo governado e dirigido por homens: sejam pais, chefes, cônjuges ou ditadores.

Na Espanha da época, como em muitos países, poucas mulheres tinham o direito de tomar decisões, de trabalhar por conta própria – e não por necessidade – e muito menos optar por uma liberdade sexual que escapa ao desejo masculino. São essas escolhas na hora de contar a história pela qual a série pode ser rotulada como feminista ou, pelo menos, tenta mostrar os momentos em que o feminismo começou a se expressar na sociedade diante de uma violência de gênero que se manifestou por força de golpes, mas também por exclusão de lugares de poder.

Em dezembro de 2019 espera-se a segunda temporada da série, que apesar de manter estereótipos e clichês de novelas melodramáticas, aposta em mostrar através da ficção a violência sexista e o lugar que parte das mulheres passaram a ocupar no século XX.

Big Little Lies

Big Little Lies é uma minissérie de sete capítulos baseada no livro homônimo de Liane Moriartry e produzida pela HBO. Apresentada por atrizes aclamadas como Nicole Kidman, Laura Dern, Shailene Woodley e Reese Witherspoon que, muitas vezes, têm sido rotuladas por papéis em estereótipos femininos (como a patricinha alienada de Legalmente Loira), a série surpreende com uma amostra grosseira dos exemplos que podem semear a violência machista com suposta naturalidade: violação, espancamentos e manipulação.

Em uma história levada adiante por esse grupo de mulheres que encarnam tensões, emoções muito diferentes entre si, em uma cidade no norte da Califórnia onde a vida digna da classe média alta heteronormativa parece estar imune a qualquer conflito, Big Little Lies não apenas reflete que a violência de gênero atravessa toda a sociedade, mas as várias maneiras pelas quais ela pode ocorrer.

Talvez a coisa mais interessante sobre Big Little Lies seja a forma com que, à medida que os capítulos passa, a união entre as personagens se fortifica na busca pela legitimação de seus direitos, pela equidade de gênero, pela autonomia profissional. A resolução dos conflitos, apesar de custosa, só teria um remédio possível: as mulheres da série buscam, juntas, enfrentar a violência machista e patriarcal.

Jessica Jones

Outra série que retrata a violência machista é Jessica Jones, também da Netflix. Segundo o jornalista e autor do livro Superheroines, Anabel Vélez, esse programa desmistifica estereótipos atribuídos a papéis femininos.

“Há uma nuance importante. Killgrave diz que tudo que ela faz para Jessica Jones é por amor, mas ela o faz por obrigação. Apesar de forte, ela se sente fraca na presença do vilão. Na vida real, existem muitos relacionamentos abusivos baseados no pânico e em fazer o outro pensar que não é nada”.

Este programa também enfatiza o conceito de vítima: estão sujeitos a abusos, mas também têm um papel ativo e principal em reverter e combater sua própria situação.

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