domingo, 10 de novembro de 2019

Lula, Bolsonaro e a relação com os militares

São Bernardo do Campo, 9/11/19
Paulo Pinto/Fotos Públicas
Por André Barrocal, na revista CartaCapital:

A libertação do ex-presidente Lula e a disposição dele de correr o País a encarnar a oposição ao governo coincidem com o pior momento da relação de Jair Bolsonaro com as Forças Armadas, aliados desde a eleição. Há um distanciamento crescente entre o presidente e os militares, sobretudo os da ativa, por motivos como a personalidade do ex-capitão, degola de generais e milícias. A volta à cena de um inimigo comum promoverá uma reaproximação?

Na véspera da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que abriu caminho para a soltura de Lula, um general aposentado dizia: “O pessoal da reserva ainda não, mas o da ativa já descola do governo. Há uma aversão aos métodos do presidente. Acredito que o distanciamento vai aumentar e afetar a credibilidade do governo”. Ele ressaltava, porém, que a aversão a Lula e ao PT segue igual.

O atrelamento a Bolsonaro preocupa as Forças Armadas desde o início do governo, devido ao risco para a imagem dos militares. O ministro da Defesa, o general Fernando de Azevedo e Silva, não se pronuncia sobre a vida política. Até baixou uma norma interna sobre a conduta militar e a impossibilidade de atuação político-partidária.

Os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha têm discrição e visão parecidas. Em agosto, houve em Brasília o I Congresso Nacional das Associações Militares, e um dos assuntos foi o engajamento exagerado de militares nas eleições de 2018.

Por aqueles dias, o chefe do Exército, o general Edson Leal Pujol, mandou uma mensagem às tropas em que dizia: “Devem se manter isentas de questões político-partidárias, sindicais e corporativas”. Ao militar da ativa, afirmava, é “proibida a filiação a quaisquer partidos”. Mais: pela Constituição e o Estatuto dos Militares, estes não podem promover reivindicações, inclusive nas redes sociais.

A postura de Pujol tem sido bem diferente da do antecessor, o general Eduardo Villas Bôas, hoje assessor especial de Bolsonaro. Villas Bôas deu palpites sobre o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula (ameaçou o Supremo, como reconheceu posteriormente) e a eleição, quando fez questão de chamar para uma conversa os principais candidatos.

Pujol, conta um general aposentado, tentou convencer o general Luiz Eduardo Ramos Baptista a entrar para a reserva, quando Ramos assumiu o cargo de secretário de Governo de Bolsonaro. Um gesto para demarcar ainda mais distância entre as tropas da ativa e o governo. Em vão. Ramos, que comandava as forças do Exército em São Paulo, preferiu seguir na ativa.

Ramos entrou no lugar do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, uma demissão até hoje dolorida nas Forças Armadas. Santos Cruz era amigo de Bolsonaro há 30 anos. Foi demitido em junho, por causa de atritos com o secretário de Comunicação Social, Fabio Wajngarten, que era seu subordinado teórico, mas tinha relação direta com a família Bolsonaro. Perdeu a queda de braço.

Também em junho, foram degolados os generais Juarez Cunha, que presidia os Correios e é contra sua privatização, e Franklimberg de Freitas, que comandava a Fundação Nacional do Índio (Funai) e não queria privilegiar fazendeiros. Em outubro, João Carlos Jesus Corrêa deixou o comando do Incra, órgão da reformas agrária, por razões parecidas com as de Freitas.

Agora em 8 de novembro, o general Márcio Velloso Guimarães pediu demissão do comando da Valec, estatal que cuida de ferrovias. Segundo CartaCapital apurou, ele não concordou com a tentativa do ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, de nomear cerca de 15 pessoas na Valec. Com mais essa demissão, está caracterizada uma verdadeira debandada de militares do governo.

Logo após as demissões de Cunha e Freitas, os militares da ativa deram um sinal inequívoco de descolamento do governo e de contrariedade com Bolsonaro. Ao escolherem dois novos generais de quatro estrelas, posto máximo da ativa (há 16 no total), deixaram de fora Otávio Rêgo Barros, que é porta-voz do presidente.

O último capítulo da guerra fria entre Bolsonaro e os quartéis foi a demissão do general da reserva Maynard Marques de Santa Rosa do cargo de Secretário de Assuntos Estratégicos, em 4 de novembro.

Ele saiu por desentender-se com o superior, o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, major da PM. Oliveira invocou “produtividade” para cobrar o subordinado numa reunião, conforme relato feito em um grupo de WhatsApp por um colaborador de Santa Rosa, o coronel Walter Felix Cardoso Junior. O general não gostou da cobrança e resolveu sair.

Um major chamar um general de inoperante aborreceu muito militar. Some-se a isso a certeza de que Oliveira teve aval de Bolsonaro para agir dessa maneira. O major, aliás, deve o cargo à amizade do pai com o presidente. Seu pai chefiou o gabinete de deputado do ex-capitão.

A demissão de Santa Rosa é um exemplo dos “métodos” presidenciais que têm gerado aversão nos militares. Outro? A compra de uma moto de uns 30 mil reais. Foi em 2 de novembro, um feriado. A loja abriu só para atender Bolsonaro. O presidente mobilizou sua segurança oficial e fechou ruas de Brasília, para exibir e provar o brinquedo novo.

Milícias

Há um assunto bem mais delicado do que moto cara a alimentar aversão a Bolsonaro nas Forças Armadas: milícias. A citação ao nome do presidente, por um porteiro, na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco é um mistério, mas o vínculo do clã Bolsonaro com milicianos, não.

“As pessoas não falam, mas essas coisas ficam na cabeça da gente”, diz o general aposentado desta reportagem. “Eu tenho certeza que a família Bolsonaro tem rabo preso com a milícia. O dinheiro que o [Fabricio] Queiroz arrecadava no gabinete do Flavio [Bolsonaro] era para pagar cabo eleitoral, comprar voto. Por que você acha que o Bolsonaro quer controlar as verbas no PSL?”

Amigo do presidente desde 1985, Queiroz foi chefe do gabinete de deputado estadual de Flavio no Rio. Recebeu tanto dinheiro de funcionários do gabinete que acabou investigado juntamente com o filho do presidente. A dupla está blindada desde julho, graças a uma liminar do Supremo que brecou a investigação. O tribunal marcou o julgamento da liminar para 21 de novembro.

A razão principal da briga de Bolsonaro com o PSL, conforme dito nos bastidores por membros do partido, é o desejo do ex-capitão de controlar com mão de ferro as verbas públicas a que a legenda tem direito. Só este ano, 110 milhões de reais, conforme um pedido de Bolsonaro para a Procuradoria Geral da República investigar o PSL.

Os diretórios do PSL nos dois maiores colégios eleitorais do País, São Paulo e Rio, são presididos por filhos de Bolsonaro. O deputado Eduardo, no primeiro caso, e o senador Flavio, no segundo. Flavio, que quando deputado no Rio condecorava miliciano hoje foragido da polícia, o capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega. Que empregava a mãe e a esposa de Adriano, o “Gordinho”, acusado de chefiar a milícia atuante na favela de Rio das Pedras.

A favela fica perto do condomínio em que Bolsonaro tem casa, na Barra da Tijuca. É o condomínio de um dos acusados de matar Marielle, o miliciano Ronnie Lessa, ex-PM. Um amigo do general Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar, que reúne oficiais da reserva, conta ter ouvido que Barbosa mora na Barra e anda numa boa pelo bairro. Motivo: seu prédio paga a milicianos por proteção.

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