Os militares estão rachados. Uma parte ainda tem a mentalidade atrasada, da Guerra Fria, e apoia os extremismos representados na figura de Jair Bolsonaro. Outra fatia já percebeu que o atual presidente da República irá para a “lata de lixo” da História e decidiu optar pela candidatura da terceira via, capitaneada por Sergio Moro, que tem um prazo para decolar.
A dura carta que o almirante Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, enviou a Bolsonaro em auto-defesa após o presidente insinuar que há corrupção por trás da liberação da vacinação infantil é mais um sinal do natural movimento de “descolamento” do governo por parte dos militares.
É o que avalia o historiador e pesquisador Manuel Domingos, em entrevista à TVGGN.
“Ao que me consta, a hierarquia sinalizou alguns meses atrás ao Bolsonaro que ele não seria respaldado como candidato. Surgem as exceções porque Bolsonaro tem seus apoios dentro do meio militar. Creio que eles têm consciência das dificuldades [na reeleição], e também optariam por Moro. Inclusive teriam dado prazo até o final de fevereiro para Moro decolar, do contrário, ele seria descartado”, pontuou.
“Me parece que o candidato preferencial passou a ser o Moro, mas ao mesmo tempo é uma grande interrogação porque Moro não tem o carisma de Bolsonaro. É difícil imaginar o que vai acontecer”, disse Domingos.
“O que é certeza é que eles farão de tudo para continuar influenciando e conduzindo [a política do País].” Nisto, os militares estariam unificados.
“Têm muitas prestações para pagar, dos carros e apartamentos novos que compraram; cuidar dos empregos dos filhos e sobrinhos. Cuidar do sonho dourado… É muita coisa em jogo. Eles não vão largar facilmente a rapadura. O que espero é que a esquerda não continue com a postura de ‘vamos voltar com os militares para o quartel’. Isso é bobagem.”
Manifestação da Anvisa
Para o historiador, a carta de Barra Torres a Bolsonaro é parte do “esforço natural, diante das circunstâncias – ou seja, da perspectiva de Bolsonaro ir para a lata do lixo – uma tentativa das corporações militares de obviamente se livrar de qualquer responsabilidade, se descolar. É nessa circunstância que esse almirante se torna valente.”
Na carta, Barra Torres exige que Bolsonaro mostre provas de corrupção na Anvisa e determina a instauração de um inquérito para apurar, ou retrate-se publicamente pelas ilações que fez.
“A carta dele é uma carta onde ele trás para si a acusação. A rigor, não há uma defesa dos funcionários da Anvisa. Ele [Barra Torres] fez uma autopromoção e certamente isso foi combinado, porque um oficial não se manifesta desta forma sem consultar sua hierarquia. Acho que hoje os militares estão num mato sem cachorro no sentido do que fazer diante desta circunstância. É neste quadro que vejo a manifestação desse almirante.”
A ilusão da esquerda
Para Domingos, a esquerda deveria perder a ilusão de que os militares, num eventual terceiro governo Lula, voltarão para as casernas. Isto não vai acontecer, aposta o pesquisador.
”É preciso que nós não nos esqueçamos. Não há fator de desestabilização maior do que o das forças armadas ao longo da história republicana. Nosso sistema democrático sempre esteve sob ameaça. Vivemos a triste experiência da tutela militar. A definição das forças armadas pelo artigo 142 é um absurdo, é inaceitável. E, no entanto, nos calamos. A esquerda meio que se acovarda, ou então seja desconhecimento. Continuamos sem dominar essa matéria.”
Em um novo governo Lula, o ideal seria redefinir a missão dos militares e fazer investimentos que garantam, de fato, a defesa e soberania nacional.
“Tem que mudar radicalmente a concepção de defesa. As corporações têm que ganhar autonomia em armas e equipamentos. O País está indefeso. Nunca teve defesa e está indefeso, apesar de gastar muito. É obvio que essa defesa só pode ser concebida dentro de um plano de desenvolvimento nacional. Temos ciência, tecnologia, indústria, criação de unidade nacional. Temos que unir o País, a sociedade fraturada. Muita coisa a se fazer. Dizer simplesmente volta para o quartel, sem missão? Vão planejar novas tuitadas”, comentou, lembrando das mensagens disparadas por militares no auge da Lava Jato contra Lula, para pressionar o Judiciário e interferir na política.
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