Por Cristina Serra, em seu blog:
O mercado fez o possível para emplacar um candidato de terceira via. Queria alguém limpinho, que saiba usar os talheres, para aprofundar a pauta ultraliberal de Paulo Guedes, dono de uma fortuna offshore, que caiu em conveniente esquecimento nas páginas da imprensa.
Como não deu certo, agora, em tom de ultimato, o mercado tenta impor sua própria lógica e agenda a Lula, atropelando dinâmicas inerentes à política, num momento em que o candidato busca ampliar ainda mais sua base de sustentação. Não só para se eleger, mas para conseguir governar o país fraturado que sairá das urnas, na hipótese de ser o vencedor.
É lamentável que este jornal assuma papel de porta-voz da insensatez, ao cobrar de Lula o reconhecimento de que “a agenda liberal dos últimos anos trouxe avanços duradouros” e ao exigir que o candidato indique quem será seu ministro da Economia.
“Avanços duradouros” para quem? Para os alunos que dividem um ovo por quatro na merenda escolar? Para Miguel, de 11 anos, que ligou para a polícia, em Minas Gerais, pedindo comida para a mãe e os irmãos? Para os que estão na fila da carcaça? Para os que só conseguem comprar soro de leite para alimentar os filhos? Para as crianças que desmaiam de fome em sala de aula?
Lula não é um desconhecido, nem uma incógnita. Quando governou, respeitou contratos e o equilíbrio fiscal. Deu um passo gigante em direção ao centro, ao trazer Geraldo Alckmin para vice. As adesões de Simone Tebet, de FHC e dos economistas do Plano Real são um reconhecimento das credenciais democráticas de Lula no exato momento em que Bolsonaro afia as garras contra o STF.
Janio de Freitas, mestre e bússola no ofício, assinalou que exigir de Lula nomes de eventuais ministros é pretexto para apoio a Bolsonaro. A estratégia discursiva da (falsa) equivalência entre os dois candidatos desonra o lema deste jornal (“a serviço da democracia”) e é uma deslealdade com os leitores que nele acreditam.
* Publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 11/10/22.
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