Por Ana Prestes
Uma das grandes expectativas, com a vitória do presidente Lula nas eleições de 2022, girou em torno da volta de um Brasil líder do sul global e atuante com altivez no cenário internacional. De fato, estamos de volta, e com uma pauta bem delimitada em defesa do fim das desigualdades, da soberania alimentar, da paz e da construção de uma nova governança global. O que parece ter se deslocado desse carro chefe das prioridades na política externa é o foco na integração latinoamericana e sul americana em particular.
Os primeiros sinais de foco na integração foram animadores. Em especial com a organização da Cúpula de Chefes de Estado da América do Sul em Brasília, em 30 de maio de 2023. O presidente Lula que, muito bem humorado, recebeu a visita do presidente venezuelano Nicolás Maduro no Palácio do Planalto na véspera daquele encontro, não dava sinais de que, um ano mais tarde, chefiaria uma equipe que causaria um enorme mal estar sulamericano em plena Cúpula de Chefes de Estado do “Brics plus” em Kazan, na Rússia, em outubro de 2024. O veto do Brasil à Venezuela no BRICS é um péssimo sinal de desintegração e que se conjuga com outros.
É certo que a conjuntura regional também não tem enviado bons ventos que ajudem a embalar o barco integracionista. No mesmo ano da cúpula sul americana de Brasília, na Argentina, saiu vitorioso das urnas um projeto que está na exata contramão dos objetivos integracionistas do presidente Lula. A vitória de Javier Milei criou enormes dificuldades para as relações políticas bilaterais entre Brasil e Argentina, além de criar maiores entraves para o desenvolvimento da agenda do Mercosul e de uma pretendida regeneração da Unasul, mesmo que com outro nome e formato. Dentro do Mercosul, com a Venezuela suspensa, a tríade Argentina, Paraguai e Uruguai não se move muito na direção dos avanços que o povo do sul do continente merece.
Passado pouco mais de um ano da cúpula sul americana de Brasília, vieram as eleições venezuelanas de julho de 2024. As eleições foram convocadas no âmbito de vários acordos firmados entre o governo e a oposição venezuelana. Foram eles, os acordos de Barbados mediados pela Noruega e que haviam iniciado no México, foram assinados em 17 de outubro de 2023. O primeiro versava sobre os compromissos de parte a parte para uma disputa eleitoral com regras combinadas entre todos os concorrentes e o segundo sobre o respaldo à posição venezuelana na questão da Guiana. Em fevereiro de 2024, a Assembleia Nacional da Venezuela mediou o aprofundamento dos acordos de Barbados, com o detalhamento em 150 pontos do processo eleitoral e em 5 de março foram convocadas eleições para 28 de julho. No dia 20 de junho, 8 das 10 candidaturas inscritas assinaram novo acordo em que se comprometiam a reconhecer os resultados eleitorais anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) uma vez finalizadas as eleições.
Ocorre que o acordo de Barbados já foi desafiado pela oposição no nascedouro. Pois no dia 22 de outubro, poucos dias após a assinatura, a oposição realizou primárias e quem as venceu foi Maria Corina Machado, que estava inabilitada pela justiça venezuelana a concorrer. E o acordo de Barbados dizia, nos seguintes termos, que todos os candidatos seriam habilitados “sempre que em cumprimento com os requisitos estabelecidos para participar das eleições presidenciais, consistentes com os procedimentos estabelecidos pela lei venezuelana”. Interessante notar que neste momento a diplomacia brasileira não “pediu as atas” das oposição venezuelana por descumprir o acordo que acabara de firmar.
Vieram as eleições propriamente ditas e o governo brasileiro enviou o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, Celso Amorim, para acompanhar o pleito. Dali em diante houve uma mudança importante na relação entre os dois governos, com direito a não reconhecimento do resultado eleitoral e que inacreditavelmente redundou em uma ressalva ou veto do Brasil a um possível ingresso da Venezuela no Brics. Uma indisposição absolutamente desnecessária, pois a Venezuela poderia até não ter o ingresso avalizado como país parceiro do Brics por outras razões, mas agora será indiscutivelmente “pelo veto do Brasil”, inclusive com direito a relato do presidente Putin, enquanto anfitrião do encontro da cúpula dos chefes de Estado do bloco em Kazan. Longe do tema ficar restrito ao bloco desafiante da hegemonia dos EUA, acabou por se tornar mais um dificultador regional da almejada integração sul americana.
De modo praticamente simultâneo ao imbróglio com a Venezuela, o governo brasileiro tenta encontrar bom termo para sua integração ou “sinergia” com a China na Iniciativa Cinturão e Rota, que na prática já ocorre, mas para a qual o governo chinês quer uma oficialização. Meu ponto é o de que o cinturão e rota na América do Sul é fator que pode contribuir para a retomada e avanço de projetos de integração regional, em especial na infra-estrutura. Mas o temor brasileiro de se indispor com EUA e Europa também tem impactado na condução desta pauta. E quero tratar da temática em outro artigo, pelos limites do tamanho exigido para o presente texto.
Concluo refletindo que a postura do Brasil em relação às eleições venezuelanas, o veto ao ingresso da Venezuela no Brics plus e a incerteza sobre a qualidade da participação do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota, capitaneada pela China, são fatores que, conjugados com outros alheios às decisões brasileiras, como resultados eleitorais nos países vizinhos, revelam um cenário de muita precariedade e deterioração no processo de retomada da integração sul americana com a qual tanto se sonhou na épica vitória sobre o bolsonarismo em 2022.
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