Reproduzo artigo de Luiz Carlos Bresser-Perreira, intitulado "Dois males afinal evitados", publicado na Folha. Ex-ministro de FHC, o economista faz uma dura crítica às baixarias da campanha de José Serra. Um raro caso de lucidez de origem tucana:
As eleições do último domingo foram livres e democráticas. Foram próprias de uma democracia consolidada, porque o Brasil conta com uma grande classe média de empresários e de profissionais e com uma classe trabalhadora que participa dos ganhos de produtividade.
Porque conta com um sistema constitucional-legal dotado de legitimidade e garantido por um Estado moderno, que é efetivo em garantir a lei e crescentemente eficiente em gerir os serviços sociais e científicos que permitem reduzir a sua desigualdade.
É verdade que os dois principais candidatos não conseguiram desenvolver um debate que oferecesse alternativas programáticas e ideológicas claras aos eleitores. Por isso, a grande maioria dos analistas os criticou. Creio que se equivocaram.
O debate não ocorreu porque a sociedade brasileira é hoje uma sociedade antes coesa do que dividida. Sem dúvida, a fratura entre os ricos e os pobres continua forte, como as pesquisas eleitorais demonstraram. Mas hoje a sociedade brasileira é suficientemente coesa para não permitir que candidatos com programas muito diferentes tenham possibilidades iguais de serem eleitos - o que é uma coisa boa.
Os dois males que de fato rondaram as eleições de 31 de outubro foram os males do udenismo moralista e potencialmente golpista e o da americanização do debate político.
Quando setores da sociedade e militantes partidários afirmaram que a candidata eleita representava uma ameaça para a democracia, para a Constituição e para a moralidade pública, estavam retomando uma prática política que caracterizou a UDN (União Democrática Nacional), o partido político moralista e golpista que derrubou Getulio Vargas em 1954.
Não há nada mais antipolítico ou antidemocrático do que esse tipo de argumento e de prática. As três acusações são gravíssimas; se fossem verdadeiras - e seus proponentes sempre acham que são - justificam o golpe de Estado preventivo. Felizmente a sociedade brasileira teve maturidade e rejeitou esse tipo de argumento.
Quanto ao mal da americanização da política, entendo por isso a mistura de religião com política em um país moderno.
Os Estados Unidos, que no final da Segunda Guerra Mundial eram o exemplo de democracia para todo mundo, experimentaram desde então decadência política e social que teve como uma de suas características a invasão da política por temas de base religiosa como a condenação do aborto.
De repente um candidato passa a ser amigo de Deus ou do diabo, dependendo de ser ele “a favor da vida” ou não. A separação entre a política e a religião - a secularização da política - foi um grande avanço democrático do século 19. Voltarmos a uni-las, um grande atraso, a volta à intolerância.
A sociedade brasileira resistiu bem às duas ameaças. E a democracia saiu incólume e reforçada das eleições.
Em seu discurso após a eleição, Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com os pobres, ao mesmo tempo em que se dispôs a realizar uma política de conciliação, não fazendo distinção entre vitoriosos e vencidos.
Estou seguro que será fiel a esse compromisso, como o foram os últimos presidentes. Nossa democracia o exige e permite
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segunda-feira, 8 de novembro de 2010
domingo, 7 de novembro de 2010
O Réquiem para Zé Bolinha
Reproduzo artigo de Maurício Thuswohl, publicado no sítio Carta Maior:
Com o resultado das eleições presidenciais, José Serra está morto politicamente e já pode repousar ao lado de Fernando Henrique Cardoso no jazigo político do PSDB. Assim como FHC, o ex-governador de São Paulo passa a ser uma figura irrelevante no front da política nacional. A eleição de Dilma Rousseff, mesmo tendo fortalecido o projeto da esquerda brasileira, não foi suficiente para prostrar o PSDB definitivamente e tampouco foi ampla a ponto de fazer recuar as forças conservadoras da sociedade. Serra, no entanto, está acabado.
A constatação pode ser dura e difícil para aqueles que admiram o tucano (não são poucos, a julgar pelos 43,6 milhões de votos recebidos) e para a mídia conservadora que tenta dar ares de vitória a uma derrota histórica. Mas, a verdade das urnas é clara e cristalina. Como escreveu o sempre espirituoso Flávio Aguiar em artigo publicado aqui na Carta Maior, a morte política de Serra é um fato inequívoco e teve direito até mesmo à extrema-unção consagrada pelo Papa Bento XVI em pessoa.
Não se trata mera e simplesmente de uma derrota eleitoral. Ao repetir diversas vezes nos últimos anos - e todos os dias durante a campanha - que se preparou a vida inteira para ser presidente, Serra revelou um sonho, mas também uma obsessão tão forte a ponto de alguns críticos terem inventado para ele o apelido de “presidente nato”. Após abandonar a militância na AP nos anos 60, Serra deixou de ser de esquerda, apesar das teses em contrário. Sua conversão definitiva aos encantos do capital (financeiro, não o livro de Marx) aconteceu em sua passagem pelos Estados Unidos. Quando retornou ao Brasil, já estava pronto para ser um expoente da elite política neoliberal que comandou o país no período pós-ditadura.
Em sua moderna e definitiva encarnação, Serra não precisou pedir, como fez FHC, que esquecessem o que escreveu. Ao contrário, na falta de coisa melhor, registrou um livro como programa de governo. Mas, nestas eleições o tucano associou-se às forças mais tenebrosas da direita de tal forma que transformou sua figura política em uma face disforme.
A campanha difamatória contra Dilma, feita à sombra das catedrais católicas e templos evangélicos, já revelava um Serra disposto a tudo para “cumprir seu destino” e chegar à Presidência. A sórdida e orquestrada repercussão midiática dada à discussão sobre o aborto, no entanto, jogou o Brasil à beira de uma cisão religiosa que nunca antes na história desse país havia acontecido. Para quem se diz “defensor das liberdades democráticas” foi uma irresponsabilidade chocante, mas útil para revelar aos eleitores que o candidato do agronegócio destruidor da Amazônia, o candidato da grande mídia monopolizadora, o candidato dos privatistas entreguistas da riqueza nacional era também o candidato da TFP e de outros segmentos fundamentalistas de nossa sociedade.
No discurso proferido logo após a confirmação da vitória de Dilma, Serra recorreu a bravatas consideradas ingênuas até mesmo na UNE, da qual foi presidente, e alertou aos “que nos imaginam derrotados” que estava “apenas começando uma luta de verdade”. Disse que “o momento não era de adeus”, e sim um “até logo”, mas a verdade é que a luta dos tucanos vai continuar sem ele. Aos 68 anos, a saída mais honrosa para Serra seria assumir a presidência do PSDB nas eleições internas programadas para o ano que vem e se candidatar ao Senado em 2014, quando terá 72 anos. Seu discurso após a derrota, entretanto, revela que a obsessiva procura pela Presidência da República permanece em seus planos. Mas, não será fácil encontrar espaço.
Tucanos divididos
No PSDB, as coisas caminham para a divisão em dois grandes blocos, aglutinados em torno do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do senador eleito Aécio Neves (MG). Ambos almejam disputar a Presidência em 2014, e os efeitos dessa divisão já começam a se fazer sentir na troca de críticas pela imprensa feita entre tucanos mineiros e paulistas. Nessa briga, o fiel da balança pode ser a posição de outras lideranças do PSDB, representadas pelos oito governadores eleitos pelo partido. Se Aécio vencer a queda-de-braço interna e permanecer no PSDB, é o candidato natural do partido. Se não tiver espaço, vai sair, mas, nesse caso, parece impossível imaginar que Alckmin, o “querido amigo”, abrirá mão da disputa em favor de Serra.
Restaria ao “presidente nato” a opção de perseguir seu sonho de poder em outra legenda. Isso, entretanto, só é imaginável se Serra abraçar de vez o perfil mais sombrio que demonstrou durante a última campanha e tentar aglutinar fundamentalistas religiosos, ex-torturadores e barões decadentes da mídia numa espécie de “Tea Party” brasileiro.
Convenhamos que seria um fim de carreira política para lá de melancólico até mesmo para quem é capaz de se submeter a uma tomografia após ter sido atingido por uma bolinha de papel. Isso sem falar nas parcas possibilidades eleitorais que Serra teria em um quadro com candidatáveis do porte de Marina Silva e Eduardo Campos, além dos próprios Aécio e Alckmin e da presidente Dilma, entre outros.
Em conversa com o ex-marido, relatada pelo jornal O Globo, Dilma afirmou: “Eu nunca quis, nunca pensei em ser presidente do Brasil. Nunca tive de fazer arranjos constrangedores para chegar onde cheguei. E o Serra só fez isso (almejar a Presidência) a vida inteira: foi o primeiro aluno da classe, liderou o grêmio estudantil, foi parlamentar e governou sempre de olho na Presidência. Como é surpreendente o processo político brasileiro! Ao contrário do Serra, para mim ser presidente não era uma coisa de vida ou morte. Aconteceu naturalmente”. Como se vê pelas palavras da presidente eleita, não basta ter se preparado a vida inteira. Como diziam os velhos políticos, “Presidência é destino”. Ou, felizmente para o Brasil, Presidência é vontade popular.
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Com o resultado das eleições presidenciais, José Serra está morto politicamente e já pode repousar ao lado de Fernando Henrique Cardoso no jazigo político do PSDB. Assim como FHC, o ex-governador de São Paulo passa a ser uma figura irrelevante no front da política nacional. A eleição de Dilma Rousseff, mesmo tendo fortalecido o projeto da esquerda brasileira, não foi suficiente para prostrar o PSDB definitivamente e tampouco foi ampla a ponto de fazer recuar as forças conservadoras da sociedade. Serra, no entanto, está acabado.
A constatação pode ser dura e difícil para aqueles que admiram o tucano (não são poucos, a julgar pelos 43,6 milhões de votos recebidos) e para a mídia conservadora que tenta dar ares de vitória a uma derrota histórica. Mas, a verdade das urnas é clara e cristalina. Como escreveu o sempre espirituoso Flávio Aguiar em artigo publicado aqui na Carta Maior, a morte política de Serra é um fato inequívoco e teve direito até mesmo à extrema-unção consagrada pelo Papa Bento XVI em pessoa.
Não se trata mera e simplesmente de uma derrota eleitoral. Ao repetir diversas vezes nos últimos anos - e todos os dias durante a campanha - que se preparou a vida inteira para ser presidente, Serra revelou um sonho, mas também uma obsessão tão forte a ponto de alguns críticos terem inventado para ele o apelido de “presidente nato”. Após abandonar a militância na AP nos anos 60, Serra deixou de ser de esquerda, apesar das teses em contrário. Sua conversão definitiva aos encantos do capital (financeiro, não o livro de Marx) aconteceu em sua passagem pelos Estados Unidos. Quando retornou ao Brasil, já estava pronto para ser um expoente da elite política neoliberal que comandou o país no período pós-ditadura.
Em sua moderna e definitiva encarnação, Serra não precisou pedir, como fez FHC, que esquecessem o que escreveu. Ao contrário, na falta de coisa melhor, registrou um livro como programa de governo. Mas, nestas eleições o tucano associou-se às forças mais tenebrosas da direita de tal forma que transformou sua figura política em uma face disforme.
A campanha difamatória contra Dilma, feita à sombra das catedrais católicas e templos evangélicos, já revelava um Serra disposto a tudo para “cumprir seu destino” e chegar à Presidência. A sórdida e orquestrada repercussão midiática dada à discussão sobre o aborto, no entanto, jogou o Brasil à beira de uma cisão religiosa que nunca antes na história desse país havia acontecido. Para quem se diz “defensor das liberdades democráticas” foi uma irresponsabilidade chocante, mas útil para revelar aos eleitores que o candidato do agronegócio destruidor da Amazônia, o candidato da grande mídia monopolizadora, o candidato dos privatistas entreguistas da riqueza nacional era também o candidato da TFP e de outros segmentos fundamentalistas de nossa sociedade.
No discurso proferido logo após a confirmação da vitória de Dilma, Serra recorreu a bravatas consideradas ingênuas até mesmo na UNE, da qual foi presidente, e alertou aos “que nos imaginam derrotados” que estava “apenas começando uma luta de verdade”. Disse que “o momento não era de adeus”, e sim um “até logo”, mas a verdade é que a luta dos tucanos vai continuar sem ele. Aos 68 anos, a saída mais honrosa para Serra seria assumir a presidência do PSDB nas eleições internas programadas para o ano que vem e se candidatar ao Senado em 2014, quando terá 72 anos. Seu discurso após a derrota, entretanto, revela que a obsessiva procura pela Presidência da República permanece em seus planos. Mas, não será fácil encontrar espaço.
Tucanos divididos
No PSDB, as coisas caminham para a divisão em dois grandes blocos, aglutinados em torno do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do senador eleito Aécio Neves (MG). Ambos almejam disputar a Presidência em 2014, e os efeitos dessa divisão já começam a se fazer sentir na troca de críticas pela imprensa feita entre tucanos mineiros e paulistas. Nessa briga, o fiel da balança pode ser a posição de outras lideranças do PSDB, representadas pelos oito governadores eleitos pelo partido. Se Aécio vencer a queda-de-braço interna e permanecer no PSDB, é o candidato natural do partido. Se não tiver espaço, vai sair, mas, nesse caso, parece impossível imaginar que Alckmin, o “querido amigo”, abrirá mão da disputa em favor de Serra.
Restaria ao “presidente nato” a opção de perseguir seu sonho de poder em outra legenda. Isso, entretanto, só é imaginável se Serra abraçar de vez o perfil mais sombrio que demonstrou durante a última campanha e tentar aglutinar fundamentalistas religiosos, ex-torturadores e barões decadentes da mídia numa espécie de “Tea Party” brasileiro.
Convenhamos que seria um fim de carreira política para lá de melancólico até mesmo para quem é capaz de se submeter a uma tomografia após ter sido atingido por uma bolinha de papel. Isso sem falar nas parcas possibilidades eleitorais que Serra teria em um quadro com candidatáveis do porte de Marina Silva e Eduardo Campos, além dos próprios Aécio e Alckmin e da presidente Dilma, entre outros.
Em conversa com o ex-marido, relatada pelo jornal O Globo, Dilma afirmou: “Eu nunca quis, nunca pensei em ser presidente do Brasil. Nunca tive de fazer arranjos constrangedores para chegar onde cheguei. E o Serra só fez isso (almejar a Presidência) a vida inteira: foi o primeiro aluno da classe, liderou o grêmio estudantil, foi parlamentar e governou sempre de olho na Presidência. Como é surpreendente o processo político brasileiro! Ao contrário do Serra, para mim ser presidente não era uma coisa de vida ou morte. Aconteceu naturalmente”. Como se vê pelas palavras da presidente eleita, não basta ter se preparado a vida inteira. Como diziam os velhos políticos, “Presidência é destino”. Ou, felizmente para o Brasil, Presidência é vontade popular.
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Carta aberta à Soninha Francine
Reproduzo artigo do jornalista Ivan Trindade, publicado no blog "Falando sozinho":
Cara Soninha,
Não nos conhecemos. Acompanhei sua carreira pela televisão, desde os tempos de MTV.
Sempre gostei de você, da sua imagem pública, do jeito como você se meteu no futebol, sem medo de entrar em um campo quase que totalmente dos homens.
Fiquei do seu lado quando você foi crucificada pela mídia retrógrada ao assumir que fumava maconha e que já tinha feito um aborto. Solidarizei-me quando você foi demitida da TV Cultura tucana por esses mesmos “crimes”.
Mesmo longe, morando em Porto Alegre e depois no Rio, fiquei sabendo do início da sua carreira política, das suas idéias progressistas quanto ao meio ambiente, e sua luta por um trânsito mais civilizado e humano em São Paulo.
Quando você saiu do PT, achei normal, afinal a luta progressista pode ser feita em ouros espaços e ninguém é obrigado a ser petista, mas não esperava o que estava por vir.
Quando me mudei para São Paulo, em janeiro de 2008, pensei que agora poderia votar em você, mas um descuido me fez perder a data para mudar o domicílio eleitoral, mas te apoiei no primeiro turno da eleição para prefeita.
O primeiro estranhamento veio logo no segundo turno, quando vi você apoiar Gilberto Kassab. Sei que recém saída do PT seria difícil apoiar Marta, mas porque não ficar neutra?
O segundo estranhamento veio quando você aceitou ser sub-prefeita da Lapa na administração do mesmo Kassab. Fiquei pensando se o apoio não tinha sido na verdade a sua parte no trato com o Demo? Será que foi?
Mesmo assim, continuei seu fã. Continuei achando que você representava um conjunto de idéias interessantes para a discussão política no país.
Mas aí, veio 2010, e não tive mais como te apoiar.
Não lembro o dia exato em que aconteceu, mas lembro muito bem da reação que tive ao ler a notícia de que você apoiaria José Serra para presidente. E não apenas isso, faria parte da campanha.
Ok, José Serra não é o demônio e apesar de não votar nele de forma alguma, reconheço que é um nome importante na política nacional. Nada demais em apoiar José Serra, claro.
Porém, você mesmo sentiu que o apoio era difícil de digerir e foi obrigada a publicar uma justificativa no seu blog.
Mas aí veio a campanha e o José Serra que conhecíamos sumiu. No seu lugar, apareceu um beato raivoso, um mentiroso patológico e uma aproveitador baixo.
Serra jogou sua biografia no lixo e você aproveitou para jogar a sua também.
Desde o início, os panfletos apócrifos, a aliança com o que há de pior na igreja católica, nas igrejas evangélicas e na grande mídia.
O que já começou mal, só piorou, com boatos diários atacando a imagem da adversária. Se negavam autoria do jogo sujo, a campanha oficial e o próprio candidato em momento algum desautorizaram a campanha subterrânea mais suja da história da democracia brasileira. E você no centro disso tudo.
Lembra do episódio do metrô, quando sem prova alguma você insinuou uma sabotagem petista?
Teve também a propaganda em que aparecia o Zé Dirceu chamando a Dilma de “Minha companheira de armas”. Que feio tentarem criminalizar os bravos brasileiros que lutaram contra a ditadura, um deles o próprio José Serra.
Mas vocês acharam que isso daria votos. No final, conseguiram dividir o país e criar um clima de ódio como nunca antes se havia visto.
Exploraram também a questão do aborto com a própria esposa do candidato Serra chamando a adversária de “matadora de criancinhas”. Então, como milagre, os apoiadores de Serra colocaram fotos de bebês como avatar no Twitter e no Facebook. A quem serve isso? É com esse debate político que vocês queriam propor uma alternativa para o país? O que dizer então da hipocrisia quando foi revelado que a própria Mônica Serra havia feito um aborto?
É claro que houve erros do lado da campanha da Dilma e dos seus apoiadores, inclusive dos “blogs sujos”, assim apelidados pelo Serra. Não serve a ninguém chamar Serra de vampiro (o que eu fiz também e peço desculpas), de fujão e de qualquer outra coisa, mas você há de convir que há uma grande diferença entre usar apelidos maldosos e distribuir milhões de panfletos chamando Dilma de terrorista assassina. Muitos desses panfletos produzidos em uma gráfica de propriedade da esposa de um tucano envolvido na campanha.
Outro bom fator de comparação entre as duas campanhas foi o programa de TV. No de Serra, ataques, disseminação de preconceitos e tentativa de desclassificação da Dilma, além de propostas vazias e eleitoreiras. No programa de Dilma, prestação de contas dos feitos do governo Lula e compromissos concretos baseados na experiência de quem governa o país com sucesso há oito anos, com 83% de aprovação. Até acho que você pode não ter tido nada a ver com os programas de TV, mas concordou com a exploração do tema do aborto, por exemplo.
Já no primeiro turno, ficou claro que o povo não aprovava tal estratégia e se não fosse o fator Marina, vocês já teriam sido derrotados. A campanha do Serra, porém, não fez essa leitura e resolveu insistir no debate político mais baixo possível.
Não só mantiveram, como aprofundaram a tentativa de enganar a população. Com a ajuda da Rede Globo, forjaram um ataque ao candidato por petistas raivosos em Campo Grande. Uma bolinha de papel virou um objeto de dois quilos, mas que milagrosamente não deixou nenhuma marca ao atingir em cheio a cabeça do candidato. Logo o ridículo foi exposto e Serra virou hit no Twitter. Nesse dia fui ver o que você estava escrevendo no microblog e descobri que o humor tinha sumido da sua vida. Você bradava que o PT sempre fazia isso. Tinha comprado a tese do ataque fajuto.
Veio a eleição e o povo deu o seu recado. Mais 4 anos para o projeto que vem transformando o Brasil desde 2003. Terceira derrota seguida para o partido que quase jogou o Brasil na bancarrota, mesmo vendendo várias partes do patrimônio nacional. E principalmente derrota para o candidato que escolheu o ódio, a divisão, a mentira, a raiva.
Na segunda-feira, dia 1o de novembro, assisti a um vídeo na internet. Era um debate entre você e o prefeito petista de Osasco (obrigado pelas correções). Tenho que te dizer que me assustei. A Soninha que eu estava acostumado a ver na ESPN BR e antes disso na MTV, sempre leve e com um cacoete de rir enquanto falava havia sumido. No lugar, vi uma mulher raivosa, exasperada, desesperada mesmo com a derrota acachapante que havia sofrido (digamos que 12 milhões de votos de diferença é uma derrota acachapante). Vi uma mulher tentando transferir para os adversários tudo aquilo que ela mesma fez durante a campanha. Todas as mentiras, as agressões e as estratégias subterrâneas que mancharam a democracia brasileira.
Hoje me pergunto se vou voltar a ver a Soninha que estava acostumado a ver na TV ou se aquela jornalista séria e progressista deu lugar definitivamente a uma agente política raivosa que usa o que há de pior no mundo da comunicação para tentar eleger seu candidato? Fica a pergunta.
Abraços, Ivan Trindade
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Cara Soninha,
Não nos conhecemos. Acompanhei sua carreira pela televisão, desde os tempos de MTV.
Sempre gostei de você, da sua imagem pública, do jeito como você se meteu no futebol, sem medo de entrar em um campo quase que totalmente dos homens.
Fiquei do seu lado quando você foi crucificada pela mídia retrógrada ao assumir que fumava maconha e que já tinha feito um aborto. Solidarizei-me quando você foi demitida da TV Cultura tucana por esses mesmos “crimes”.
Mesmo longe, morando em Porto Alegre e depois no Rio, fiquei sabendo do início da sua carreira política, das suas idéias progressistas quanto ao meio ambiente, e sua luta por um trânsito mais civilizado e humano em São Paulo.
Quando você saiu do PT, achei normal, afinal a luta progressista pode ser feita em ouros espaços e ninguém é obrigado a ser petista, mas não esperava o que estava por vir.
Quando me mudei para São Paulo, em janeiro de 2008, pensei que agora poderia votar em você, mas um descuido me fez perder a data para mudar o domicílio eleitoral, mas te apoiei no primeiro turno da eleição para prefeita.
O primeiro estranhamento veio logo no segundo turno, quando vi você apoiar Gilberto Kassab. Sei que recém saída do PT seria difícil apoiar Marta, mas porque não ficar neutra?
O segundo estranhamento veio quando você aceitou ser sub-prefeita da Lapa na administração do mesmo Kassab. Fiquei pensando se o apoio não tinha sido na verdade a sua parte no trato com o Demo? Será que foi?
Mesmo assim, continuei seu fã. Continuei achando que você representava um conjunto de idéias interessantes para a discussão política no país.
Mas aí, veio 2010, e não tive mais como te apoiar.
Não lembro o dia exato em que aconteceu, mas lembro muito bem da reação que tive ao ler a notícia de que você apoiaria José Serra para presidente. E não apenas isso, faria parte da campanha.
Ok, José Serra não é o demônio e apesar de não votar nele de forma alguma, reconheço que é um nome importante na política nacional. Nada demais em apoiar José Serra, claro.
Porém, você mesmo sentiu que o apoio era difícil de digerir e foi obrigada a publicar uma justificativa no seu blog.
Mas aí veio a campanha e o José Serra que conhecíamos sumiu. No seu lugar, apareceu um beato raivoso, um mentiroso patológico e uma aproveitador baixo.
Serra jogou sua biografia no lixo e você aproveitou para jogar a sua também.
Desde o início, os panfletos apócrifos, a aliança com o que há de pior na igreja católica, nas igrejas evangélicas e na grande mídia.
O que já começou mal, só piorou, com boatos diários atacando a imagem da adversária. Se negavam autoria do jogo sujo, a campanha oficial e o próprio candidato em momento algum desautorizaram a campanha subterrânea mais suja da história da democracia brasileira. E você no centro disso tudo.
Lembra do episódio do metrô, quando sem prova alguma você insinuou uma sabotagem petista?
Teve também a propaganda em que aparecia o Zé Dirceu chamando a Dilma de “Minha companheira de armas”. Que feio tentarem criminalizar os bravos brasileiros que lutaram contra a ditadura, um deles o próprio José Serra.
Mas vocês acharam que isso daria votos. No final, conseguiram dividir o país e criar um clima de ódio como nunca antes se havia visto.
Exploraram também a questão do aborto com a própria esposa do candidato Serra chamando a adversária de “matadora de criancinhas”. Então, como milagre, os apoiadores de Serra colocaram fotos de bebês como avatar no Twitter e no Facebook. A quem serve isso? É com esse debate político que vocês queriam propor uma alternativa para o país? O que dizer então da hipocrisia quando foi revelado que a própria Mônica Serra havia feito um aborto?
É claro que houve erros do lado da campanha da Dilma e dos seus apoiadores, inclusive dos “blogs sujos”, assim apelidados pelo Serra. Não serve a ninguém chamar Serra de vampiro (o que eu fiz também e peço desculpas), de fujão e de qualquer outra coisa, mas você há de convir que há uma grande diferença entre usar apelidos maldosos e distribuir milhões de panfletos chamando Dilma de terrorista assassina. Muitos desses panfletos produzidos em uma gráfica de propriedade da esposa de um tucano envolvido na campanha.
Outro bom fator de comparação entre as duas campanhas foi o programa de TV. No de Serra, ataques, disseminação de preconceitos e tentativa de desclassificação da Dilma, além de propostas vazias e eleitoreiras. No programa de Dilma, prestação de contas dos feitos do governo Lula e compromissos concretos baseados na experiência de quem governa o país com sucesso há oito anos, com 83% de aprovação. Até acho que você pode não ter tido nada a ver com os programas de TV, mas concordou com a exploração do tema do aborto, por exemplo.
Já no primeiro turno, ficou claro que o povo não aprovava tal estratégia e se não fosse o fator Marina, vocês já teriam sido derrotados. A campanha do Serra, porém, não fez essa leitura e resolveu insistir no debate político mais baixo possível.
Não só mantiveram, como aprofundaram a tentativa de enganar a população. Com a ajuda da Rede Globo, forjaram um ataque ao candidato por petistas raivosos em Campo Grande. Uma bolinha de papel virou um objeto de dois quilos, mas que milagrosamente não deixou nenhuma marca ao atingir em cheio a cabeça do candidato. Logo o ridículo foi exposto e Serra virou hit no Twitter. Nesse dia fui ver o que você estava escrevendo no microblog e descobri que o humor tinha sumido da sua vida. Você bradava que o PT sempre fazia isso. Tinha comprado a tese do ataque fajuto.
Veio a eleição e o povo deu o seu recado. Mais 4 anos para o projeto que vem transformando o Brasil desde 2003. Terceira derrota seguida para o partido que quase jogou o Brasil na bancarrota, mesmo vendendo várias partes do patrimônio nacional. E principalmente derrota para o candidato que escolheu o ódio, a divisão, a mentira, a raiva.
Na segunda-feira, dia 1o de novembro, assisti a um vídeo na internet. Era um debate entre você e o prefeito petista de Osasco (obrigado pelas correções). Tenho que te dizer que me assustei. A Soninha que eu estava acostumado a ver na ESPN BR e antes disso na MTV, sempre leve e com um cacoete de rir enquanto falava havia sumido. No lugar, vi uma mulher raivosa, exasperada, desesperada mesmo com a derrota acachapante que havia sofrido (digamos que 12 milhões de votos de diferença é uma derrota acachapante). Vi uma mulher tentando transferir para os adversários tudo aquilo que ela mesma fez durante a campanha. Todas as mentiras, as agressões e as estratégias subterrâneas que mancharam a democracia brasileira.
Hoje me pergunto se vou voltar a ver a Soninha que estava acostumado a ver na TV ou se aquela jornalista séria e progressista deu lugar definitivamente a uma agente política raivosa que usa o que há de pior no mundo da comunicação para tentar eleger seu candidato? Fica a pergunta.
Abraços, Ivan Trindade
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A falsa tese do “país dividido”
Reproduzo artigo de Idelber Avelar, publicado no excelente blog "O biscoito fino e a massa":
Nem bem contada estava a maior parte dos 55.752.529 votos recebidos por Dilma Rousseff e um insidioso meme começava a circular pelos meios de comunicação brasileiros, especialmente pela Rede Globo de Televisão. Parece que não entendiam, ou se recusavam a entender, o momento histórico que vivíamos. Trata-se da cantilena do “país dividido”, reforçada por um enganoso mapa em que o Brasil aparecia separado entre estados azuis e vermelhos.
Acompanhado por uma série de bizarras declarações de figuras como W. Waack (“a imprensa criou o mito de Lula e ele se voltou contra ela, ingrato”) ou do inacreditável Merval Pereira (“Dilma deve saber que a oposição teve uma votação muito alta”), o mapa cumpriu o papel de sugerir uma divisão que absolutamente não existe: Dilma venceu com larga margem (12%), que em qualquer democracia presidencialista qualificaria como um sacode-Iaiá. Basta lembrar que na categórica vitória de Obama sobre McCain a diferença foi 52,9% a 45,7%, pouco mais da metade, portanto, da diferença imposta por Dilma a Serra.
Como apontou Alexandre Nodari no seu Twitter, a divisão por estados peca por impor ao Brasil um modelo que é essencialmente estadunidense, baseado no princípio de que o candidato vencedor num determinado estado leva todos os seus votos a um Colégio Eleitoral, numa eleição que é, para todos os efeitos, indireta. No Brasil, como se sabe, o presidente é eleito por sufrágio universal, e nele a ideia de estados “vermelhos” e “azuis” não faz o menor sentido. O mapa do Estadão, colorido por municípios e com várias gradações de azul e vermelho, esse sim, serve a um estudo sério, já iniciado pelo Fabricio Vasselai.
A ideia dos estados azuis e vermelhos faz menos sentido ainda depois de estudado o mapa eleitoral do pleito de 2010. A grande maioria dos estados que aparecem em azul no “país dividido” da TV Globo são unidades da federação em que Serra venceu por mínima diferença: Goiás (50,7%), Rio Grande do Sul (50,9%), Espírito Santo (50,8%), Mato Grosso (51,1%). Não se encontra, na coluna azul, nem rastro de um estado em que a vantagem se compare com a conquistada por Dilma em lugares como Amazonas (80%), Maranhão (79%), Ceará (77%), Pernambuco (75%), Bahia (70%), Piauí (69%) e vários outros. Num país com eleição por sufrágio universal e uma diferença tão acachapante entre os estados “dilmistas” e os “serristas”, só com muita desonestidade intelectual você colore alguns estados de azul e outros de vermelho, sem variação no tom das cores, para apresentar um país “dividido”.
Se a tese do país dividido não tem fundamento, menos ainda o tem a tese do país dividido entre Sul/Sudeste, por um lado, e o Norte/Nordeste, por outro. Não custa lembrar, mas essa divisão grita em desacordo com os fatos: Dilma enfiou goleadas acachapantes em Serra no Rio de Janeiro (60,5% x 39,5%) e Minas Gerais (58,5 x 41,5), além conquistar um empate no Rio Grande do Sul. Não custa lembrar aos jornalistas da Globo: Dilma Rousseff venceu as eleições no Sudeste, caso o fato tenha passado despercebido no Jardim Botânico.
Já na segunda-feira, a mídia brasileira havia conseguido insuflar uma onda divisionista que não demorou em encontrar solo fértil no nosso bom e velho racismo latente. No Twitter, proliferava o discurso do ódio aos nordestinos, desinformado até do básico dado de que Dilma teria ganho eleição mesmo se o Brasil não incluísse o Nordeste. Aludindo de forma desonesta ao “fato” que ela mesma havia ajudado a criar, a Globo relatava que havia um “embate” entre regiões do Brasil nas redes sociais, quando na verdade o único embate se deu entre a sanidade e uma minoria racista e ressentida. Começa mal, muito mal a Vênus Platinada, talvez como consequência do que aconteceu nesta eleição histórica: Dilma venceu o pleito com o debate da Band, desmontou a última armação com um vídeo do SBT e concedeu sua primeira entrevista à Record.
Sinais dos tempos.
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Nem bem contada estava a maior parte dos 55.752.529 votos recebidos por Dilma Rousseff e um insidioso meme começava a circular pelos meios de comunicação brasileiros, especialmente pela Rede Globo de Televisão. Parece que não entendiam, ou se recusavam a entender, o momento histórico que vivíamos. Trata-se da cantilena do “país dividido”, reforçada por um enganoso mapa em que o Brasil aparecia separado entre estados azuis e vermelhos.
Acompanhado por uma série de bizarras declarações de figuras como W. Waack (“a imprensa criou o mito de Lula e ele se voltou contra ela, ingrato”) ou do inacreditável Merval Pereira (“Dilma deve saber que a oposição teve uma votação muito alta”), o mapa cumpriu o papel de sugerir uma divisão que absolutamente não existe: Dilma venceu com larga margem (12%), que em qualquer democracia presidencialista qualificaria como um sacode-Iaiá. Basta lembrar que na categórica vitória de Obama sobre McCain a diferença foi 52,9% a 45,7%, pouco mais da metade, portanto, da diferença imposta por Dilma a Serra.
Como apontou Alexandre Nodari no seu Twitter, a divisão por estados peca por impor ao Brasil um modelo que é essencialmente estadunidense, baseado no princípio de que o candidato vencedor num determinado estado leva todos os seus votos a um Colégio Eleitoral, numa eleição que é, para todos os efeitos, indireta. No Brasil, como se sabe, o presidente é eleito por sufrágio universal, e nele a ideia de estados “vermelhos” e “azuis” não faz o menor sentido. O mapa do Estadão, colorido por municípios e com várias gradações de azul e vermelho, esse sim, serve a um estudo sério, já iniciado pelo Fabricio Vasselai.
A ideia dos estados azuis e vermelhos faz menos sentido ainda depois de estudado o mapa eleitoral do pleito de 2010. A grande maioria dos estados que aparecem em azul no “país dividido” da TV Globo são unidades da federação em que Serra venceu por mínima diferença: Goiás (50,7%), Rio Grande do Sul (50,9%), Espírito Santo (50,8%), Mato Grosso (51,1%). Não se encontra, na coluna azul, nem rastro de um estado em que a vantagem se compare com a conquistada por Dilma em lugares como Amazonas (80%), Maranhão (79%), Ceará (77%), Pernambuco (75%), Bahia (70%), Piauí (69%) e vários outros. Num país com eleição por sufrágio universal e uma diferença tão acachapante entre os estados “dilmistas” e os “serristas”, só com muita desonestidade intelectual você colore alguns estados de azul e outros de vermelho, sem variação no tom das cores, para apresentar um país “dividido”.
Se a tese do país dividido não tem fundamento, menos ainda o tem a tese do país dividido entre Sul/Sudeste, por um lado, e o Norte/Nordeste, por outro. Não custa lembrar, mas essa divisão grita em desacordo com os fatos: Dilma enfiou goleadas acachapantes em Serra no Rio de Janeiro (60,5% x 39,5%) e Minas Gerais (58,5 x 41,5), além conquistar um empate no Rio Grande do Sul. Não custa lembrar aos jornalistas da Globo: Dilma Rousseff venceu as eleições no Sudeste, caso o fato tenha passado despercebido no Jardim Botânico.
Já na segunda-feira, a mídia brasileira havia conseguido insuflar uma onda divisionista que não demorou em encontrar solo fértil no nosso bom e velho racismo latente. No Twitter, proliferava o discurso do ódio aos nordestinos, desinformado até do básico dado de que Dilma teria ganho eleição mesmo se o Brasil não incluísse o Nordeste. Aludindo de forma desonesta ao “fato” que ela mesma havia ajudado a criar, a Globo relatava que havia um “embate” entre regiões do Brasil nas redes sociais, quando na verdade o único embate se deu entre a sanidade e uma minoria racista e ressentida. Começa mal, muito mal a Vênus Platinada, talvez como consequência do que aconteceu nesta eleição histórica: Dilma venceu o pleito com o debate da Band, desmontou a última armação com um vídeo do SBT e concedeu sua primeira entrevista à Record.
Sinais dos tempos.
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Veja apela para reconquistar assinantes
Vídeo publicado no blog do Luis Nassif.
Serra vai à guerra
Reproduzo artigo de Mauricio Dias, publicado na revista CartaCapital:
Na noite de domingo 31 de outubro, se o rosto tenso de José Serra, emoldurado pelo ar da tristeza, era um retrato natural após o resultado oficial da vitória de Dilma Rousseff, as palavras que disparou surpreenderam e quebraram a cordialidade protocolar normalmente seguida pelo candidato derrotado.
É um caso raro, único talvez, em que o perdedor de uma eleição democrática declarou guerra ao vencedor. Oposição é oposição. Guerra é guerra.
“E para os que nos imaginam derrotados, eu quero dizer: nós apenas estamos começando uma luta de verdade (…) em defesa da pátria, da liberdade, da democracia”, disse com voz amargurada incapaz de sustentar a confiança das palavras.
Nós quem? Ele fez uma lista de agradecimentos da qual excluiu o ex-governador de Minas Aécio Neves, senador eleito, esperança de uma oposição capaz de vencer e não de derrubar o governo antes da eleição presidencial de 2014.
Embora tenha agradecido a Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito, não fez referência a Paulo Preto, braço direito de Aloysio na Casa Civil do governo paulista. Deu um abraço comovido em Geraldo Alckmin, governador eleito por São Paulo que, posteriormente, em gesto político moderado e republicano, telefonou para a presidente eleita, Dilma Rousseff, para parabenizá-la pela vitória.
Alckmin ainda é uma incógnita nesse processo. Mas Serra invocou a eleição de governadores tucanos e, mais ainda, os 43 milhões de votos que obteve, com a certeza de que ao grito de avante ele seria seguido por todos.
Respeito e humildade, palavras usadas por Serra, se diluem diante da exegese do discurso da derrota, com duração de dez minutos, proferido por ele no QG da oposição montado no Edifício Joelma, no centro de São Paulo.
Serra deixou claro que a campanha eleitoral foi calculadamente transformada em batalha pela oposição, na qual, como se sabe, o candidato tucano foi atingido na cabeça por uma bolinha de papel. Um petardo disparado pelos adversários, as “forças terríveis” às quais se referiu, repetindo frase extraída do discurso de renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. Uma referência de mau augúrio.
Há suspeita, porém, de que pode ter sido uma “bolinha perdida”, uma ocorrência comum, como se sabe, na violenta cidade do Rio de Janeiro. O ferimento deixou sequelas profundas que não foram percebidas pela tomografia feita após o conflito, mas que estão visíveis na mensagem de Serra a seguidores e aliados.
“Vocês alcançaram uma vitória estratégica no Brasil. Cavaram uma grande trincheira, construíram um campo político de defesa da liberdade e da democracia no Brasil”, afirmou Serra terçando armas contra moinhos de vento.
Serra fez um discurso ao mesmo tempo tão próximo e tão distante daqueles que compõem a figura imortal de Dom Quixote, nascido do talento imenso de Cervantes.
Próximo porque tresloucado. Distante porque o “cavaleiro da triste figura” era uma alma ensandecida pela esperança e Serra, ao contrário, é apenas um político ambicioso atordoado pela mágoa e pela frustração pessoal. Perdeu sem grandeza.
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Na noite de domingo 31 de outubro, se o rosto tenso de José Serra, emoldurado pelo ar da tristeza, era um retrato natural após o resultado oficial da vitória de Dilma Rousseff, as palavras que disparou surpreenderam e quebraram a cordialidade protocolar normalmente seguida pelo candidato derrotado.
É um caso raro, único talvez, em que o perdedor de uma eleição democrática declarou guerra ao vencedor. Oposição é oposição. Guerra é guerra.
“E para os que nos imaginam derrotados, eu quero dizer: nós apenas estamos começando uma luta de verdade (…) em defesa da pátria, da liberdade, da democracia”, disse com voz amargurada incapaz de sustentar a confiança das palavras.
Nós quem? Ele fez uma lista de agradecimentos da qual excluiu o ex-governador de Minas Aécio Neves, senador eleito, esperança de uma oposição capaz de vencer e não de derrubar o governo antes da eleição presidencial de 2014.
Embora tenha agradecido a Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito, não fez referência a Paulo Preto, braço direito de Aloysio na Casa Civil do governo paulista. Deu um abraço comovido em Geraldo Alckmin, governador eleito por São Paulo que, posteriormente, em gesto político moderado e republicano, telefonou para a presidente eleita, Dilma Rousseff, para parabenizá-la pela vitória.
Alckmin ainda é uma incógnita nesse processo. Mas Serra invocou a eleição de governadores tucanos e, mais ainda, os 43 milhões de votos que obteve, com a certeza de que ao grito de avante ele seria seguido por todos.
Respeito e humildade, palavras usadas por Serra, se diluem diante da exegese do discurso da derrota, com duração de dez minutos, proferido por ele no QG da oposição montado no Edifício Joelma, no centro de São Paulo.
Serra deixou claro que a campanha eleitoral foi calculadamente transformada em batalha pela oposição, na qual, como se sabe, o candidato tucano foi atingido na cabeça por uma bolinha de papel. Um petardo disparado pelos adversários, as “forças terríveis” às quais se referiu, repetindo frase extraída do discurso de renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. Uma referência de mau augúrio.
Há suspeita, porém, de que pode ter sido uma “bolinha perdida”, uma ocorrência comum, como se sabe, na violenta cidade do Rio de Janeiro. O ferimento deixou sequelas profundas que não foram percebidas pela tomografia feita após o conflito, mas que estão visíveis na mensagem de Serra a seguidores e aliados.
“Vocês alcançaram uma vitória estratégica no Brasil. Cavaram uma grande trincheira, construíram um campo político de defesa da liberdade e da democracia no Brasil”, afirmou Serra terçando armas contra moinhos de vento.
Serra fez um discurso ao mesmo tempo tão próximo e tão distante daqueles que compõem a figura imortal de Dom Quixote, nascido do talento imenso de Cervantes.
Próximo porque tresloucado. Distante porque o “cavaleiro da triste figura” era uma alma ensandecida pela esperança e Serra, ao contrário, é apenas um político ambicioso atordoado pela mágoa e pela frustração pessoal. Perdeu sem grandeza.
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sábado, 6 de novembro de 2010
Os lucros da mídia na eleição dos EUA
Reproduzo artigo de Amy Goodman, apresentador do programa de TV Democracy Now!, publicado no sítio da Adital:
Ao encerrar as eleições na metade do mandato nos Estados Unidos, o maior ganhador ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. Enquanto isso, o maior perdedor tem sido a democracia. Essas foram as eleições legislativas de metade do mandato mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em publicidade.
Pergunto-me o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se escuta debates sobre isso porque as corporações que manejam os meios massivos de comunicação obtêm imensos lucros com os avisos publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas radioelétricas que os meios utilizam para emitir seus sinais são públicas.
Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: "Rich Media, Poor Democracy" (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: "Os meios têm pouco incentivo para oferecer cobertura aos candidatos já que é de seu interesse forçá-los a publicizar suas campanhas".
O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyana, faz um acompanhamento da publicidade política. Após a recente sentença da Corte Suprema no caso "Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral", através do qual as grandes corporações estão autorizadas a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto chama a atenção para "que o tempo nos meios destinado à publicidade está cheio de anúncios relacionados à Câmara de Representantes e ao Senado, ocupando de 20 até 79%, respectivamente, do total do tempo no ar".
Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análises de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group, predisse, no passado mês de julho, ao jornal USA Today que: "haverá mais dinheiro do que espaço publicitário para comprar". Por outro lado, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam emitido o aviso a favor de um candidato a continuação de um aviso publicitário contra esse mesmo candidato. Porém, não estão levando em consideração o patrimônio ligado aos grandes meios. Bem vindos ao "mundo feliz" das campanhas de bilhões de dólares.
No passado, houve tentativas de regular o uso das ondas radioelétricas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi o que se conhece como "Reforma do financiamento das campanhas eleitorais, de McCain Feingold". Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto os democratas quanto os republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O Senador republicano por Nevada, John Ensign, se lamentava: "As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era o momento do ano em que ganhavam menos dinheiro devido à baixa taxa unitária paga durante esse período. Agora, é um de seus momentos preferidos, já que, de fato, é um dos momentos do ano com mais ampla margem de lucro".
Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao "tempo público de ar".
A sentença no caso de Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas, de McCain-Feingold. Nem podemos imaginar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O Senador por Wisconsin, Russ Feingold, perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Ron Johnson. O editorial do Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal pertence à corporação News Corp, de Rupert Murdoch, que também é proprietária da cadeia de TV Fox e que doou quase dois milhões de dólares à campanha dos republicanos.
"As eleições converteram-se em um bem comercial, um centro de lucros para essas rádios e canais de TV", me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse-me também: "As ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e TV são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada à Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições para obter a habilitação que permite a essas cadeias de rádio e TV aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia, poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio por controlar esses bens comuns, de alguma maneira deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito, na rádio e na TV aos candidatos eleitorais".
Esse tema deveria ser debatido nos grandes meios de comunicação, dado que, através deles, a maioria da população estadunidense obtém informação. Porém, as emissoras de rádio e TV têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros vêm antes que nosso processo democrático. Certamente, não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.
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Ao encerrar as eleições na metade do mandato nos Estados Unidos, o maior ganhador ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. Enquanto isso, o maior perdedor tem sido a democracia. Essas foram as eleições legislativas de metade do mandato mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em publicidade.
Pergunto-me o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se escuta debates sobre isso porque as corporações que manejam os meios massivos de comunicação obtêm imensos lucros com os avisos publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas radioelétricas que os meios utilizam para emitir seus sinais são públicas.
Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: "Rich Media, Poor Democracy" (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: "Os meios têm pouco incentivo para oferecer cobertura aos candidatos já que é de seu interesse forçá-los a publicizar suas campanhas".
O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyana, faz um acompanhamento da publicidade política. Após a recente sentença da Corte Suprema no caso "Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral", através do qual as grandes corporações estão autorizadas a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto chama a atenção para "que o tempo nos meios destinado à publicidade está cheio de anúncios relacionados à Câmara de Representantes e ao Senado, ocupando de 20 até 79%, respectivamente, do total do tempo no ar".
Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análises de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group, predisse, no passado mês de julho, ao jornal USA Today que: "haverá mais dinheiro do que espaço publicitário para comprar". Por outro lado, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam emitido o aviso a favor de um candidato a continuação de um aviso publicitário contra esse mesmo candidato. Porém, não estão levando em consideração o patrimônio ligado aos grandes meios. Bem vindos ao "mundo feliz" das campanhas de bilhões de dólares.
No passado, houve tentativas de regular o uso das ondas radioelétricas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi o que se conhece como "Reforma do financiamento das campanhas eleitorais, de McCain Feingold". Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto os democratas quanto os republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O Senador republicano por Nevada, John Ensign, se lamentava: "As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era o momento do ano em que ganhavam menos dinheiro devido à baixa taxa unitária paga durante esse período. Agora, é um de seus momentos preferidos, já que, de fato, é um dos momentos do ano com mais ampla margem de lucro".
Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao "tempo público de ar".
A sentença no caso de Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas, de McCain-Feingold. Nem podemos imaginar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O Senador por Wisconsin, Russ Feingold, perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Ron Johnson. O editorial do Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal pertence à corporação News Corp, de Rupert Murdoch, que também é proprietária da cadeia de TV Fox e que doou quase dois milhões de dólares à campanha dos republicanos.
"As eleições converteram-se em um bem comercial, um centro de lucros para essas rádios e canais de TV", me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse-me também: "As ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e TV são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada à Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições para obter a habilitação que permite a essas cadeias de rádio e TV aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia, poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio por controlar esses bens comuns, de alguma maneira deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito, na rádio e na TV aos candidatos eleitorais".
Esse tema deveria ser debatido nos grandes meios de comunicação, dado que, através deles, a maioria da população estadunidense obtém informação. Porém, as emissoras de rádio e TV têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros vêm antes que nosso processo democrático. Certamente, não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.
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A mídia e a agenda do novo governo
Reproduzo artigo de Gilberto Maringoni, publicado no sítio Carta Maior:
Muito mais do que a candidatura José Serra e sua coalizão demotucana, a derrotada destas eleições foi a grande mídia. Ou o verdadeiro partido de oposição no Brasil. Não falamos aqui de intrincados conceitos gramscianos, mas das reflexões de Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Segundo ela, à falta de uma oposição estruturada no país, a imprensa deve cumprir tal papel. Não é à toa que sustentou José Serra desde o primeiro momento.
Pois a mídia brasileira, mesmo derrotada, não passa recibo. Já está de armas e bagagens empenhada no terceiro turno: a definição da agenda do governo Dilma.
Logo no domingo à noite, mal anunciados os resultados eleitorais, comentaristas revezavam-se diante de câmeras e microfones para alertar o país sobre a necessidade de um duro ajuste fiscal, de uma reforma da Previdência, de restrições a reajustes salariais e de redução da “gastança” governamental. Um saco de maldades estaria à caminho.
Iniciativa perdida
A imprensa brasileira tenta retomar a iniciativa política, perdida nos últimos anos. Apostou contra os interesses nacionais nos enfrentamentos que o Brasil teve na política externa, tentou desmoralizar o presidente da República e demonizar demandas populares. Ela está no seu direito. A novidade é que agora a mídia enfrenta não apenas uma disseminação infindável de pequenos concorrentes pela internet, mas uma repulsa nacional às diretrizes liberais e privatistas que apoiou em tempos recentes.
A imprensa é personagem das disputas políticas. Mais importante do que “fazer a cabeça das pessoas”, ela busca apontar os assuntos sobre os quais as pessoas devem pensar. Essa é a base da Teoria do Agendamento – ou “Agenda setting”, em bom português – formulada nos anos 1970 por dois pesquisadores norteamericanos, Maxwell Mc Combs e Donald Shaw. Funciona mais ou menos assim: uma hora é o mensalão, outra é o suposto caso do vazamento de dados, mais adiante são as polêmicas religiosas e por aí vai. São firulas do varejo político pré eleitoral. O que faziam anteriormente era estabelecer as normas do grande debate de rumos para o país.
O mecanismo funcionou bem até 2006. No primeiro mandato de Lula, com a inestimável colaboração de setores ultraliberais do governo, representados pelos ministros Antonio Palocci, Paulo Bernardo e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a mídia e os setores por ela articulados impuseram uma grande pauta continuísta. Com a situação de desarranjo geral na economia, legado pelo governo FHC, os meios de comunicação viram suas diretrizes vencerem ao longo de quase todo o primeiro quadriênio petista, a ponto de o ajuste fiscal realizado em 2003 ter sido o mais duro desde 1990.
Após a crise política de 2005 e com uma evidente melhoria no quadro internacional, dois postos-chave da administração pública foram mudados, a Fazenda e a Casa Civil. Assumiram suas cadeiras Guido Mantega e Dilma Rousseff. Aos poucos saiu de cena a pauta liberal e tomou corpo uma orientação desenvolvimentista, cujo primeiro esboço foram os maciços investimentos estatais sintetizados na primeira versão do PAC. Uma nova agenda então se consolidou, a do desenvolvimento.
Quem dá o tom
Agendas políticas não são estipuladas apenas pelos governos, mas fazem parte da disputa pela hegemonia na sociedade. Impõe agenda quem tem força e iniciativa política.
Assim, a pauta do início dos anos 1980 não foi obra da ditadura, que vivia seus estertores. A orientação democrática tomou corpo de fora para dentro do governo, pelos partidos de oposição e pelos movimentos sociais, que exigiam o fim do regime de exceção. Da mesma forma, na segunda metade daquela década, a discussão central tinha como eixo norteador a questão do Estado.
Os embates oriundos da sociedade se cristalizaram na Assembleia Constituinte, em 1988, após acirradas contendas realizadas na fase terminal dos governos militares e no epílogo do longo ciclo desenvolvimentista, observado entre 1930 e 1980.
A partir de 1990, com as vitórias de Fernando Collor e de Fernando Henrique, a agenda foi imposta a partir de cima. Com um país traumatizado por quase uma década de inflação descontrolada, a estabilidade ganhou o centro do palco, tendo como decorrência uma redefinição do papel do Estado, via privatizações e financeirização da economia.
A história posterior é conhecida. O modelo liberal se esgotou em 2005.
O desenvolvimentismo destes últimos cinco anos foi marcado por uma forte característica social. Na maior parte da América do Sul se deu algo semelhante. A erradicação da pobreza ganhou relevância.
Nova década
Qual seria uma agenda viável para esta nova década, que fortaleceria a organização da sociedade e suplantaria os interesses das elites, vocalizadas pela mídia?
Há várias. Um ponto parece ter maioria na coalizão da presidenta Dilma Rousseff: o desenvolvimento continua. Mas há um fator que precisa também estar no centro dos debates: o papel das comunicações em nossa sociedade.
A pergunta é: há possibilidade de o Brasil construir um projeto nacional e democrático de desenvolvimento com uma indústria midiática antidemocrática, elitista, excludente e monopolizada, que tenta se legitimar como esfera pública e lócus essencial da definição de rumos para o país?
As entidades populares, os partidos democráticos e incontáveis ativistas sociais já têm um ponto de partida para entrarem nessa conversa. Trata-se das resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. Um tento histórico! Algumas das bandeiras lá definidas começam a se tornar realidade. Assembleias Legislativas de vários estados começam a construir Conselhos Estaduais de Comunicação. O governo Lula deu início ao Plano Nacional de Banda Larga para fazer frente à falta de investimentos das empresas privadas do setor. O IPEA realizará, no final de novembro, em Brasília, a Conferência do Desenvolvimento, na qual o tema comunicação terá espaço destacado (ver em www.ipea.gov.br).
Ninguém quer tolher a livre circulação de informações e impor a censura. A não ser a grande mídia brasileira, que tenta a todo custo, sufocar e colocar uma mordaça esse saudável debate que não tem como ser interrompido.
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Muito mais do que a candidatura José Serra e sua coalizão demotucana, a derrotada destas eleições foi a grande mídia. Ou o verdadeiro partido de oposição no Brasil. Não falamos aqui de intrincados conceitos gramscianos, mas das reflexões de Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Segundo ela, à falta de uma oposição estruturada no país, a imprensa deve cumprir tal papel. Não é à toa que sustentou José Serra desde o primeiro momento.
Pois a mídia brasileira, mesmo derrotada, não passa recibo. Já está de armas e bagagens empenhada no terceiro turno: a definição da agenda do governo Dilma.
Logo no domingo à noite, mal anunciados os resultados eleitorais, comentaristas revezavam-se diante de câmeras e microfones para alertar o país sobre a necessidade de um duro ajuste fiscal, de uma reforma da Previdência, de restrições a reajustes salariais e de redução da “gastança” governamental. Um saco de maldades estaria à caminho.
Iniciativa perdida
A imprensa brasileira tenta retomar a iniciativa política, perdida nos últimos anos. Apostou contra os interesses nacionais nos enfrentamentos que o Brasil teve na política externa, tentou desmoralizar o presidente da República e demonizar demandas populares. Ela está no seu direito. A novidade é que agora a mídia enfrenta não apenas uma disseminação infindável de pequenos concorrentes pela internet, mas uma repulsa nacional às diretrizes liberais e privatistas que apoiou em tempos recentes.
A imprensa é personagem das disputas políticas. Mais importante do que “fazer a cabeça das pessoas”, ela busca apontar os assuntos sobre os quais as pessoas devem pensar. Essa é a base da Teoria do Agendamento – ou “Agenda setting”, em bom português – formulada nos anos 1970 por dois pesquisadores norteamericanos, Maxwell Mc Combs e Donald Shaw. Funciona mais ou menos assim: uma hora é o mensalão, outra é o suposto caso do vazamento de dados, mais adiante são as polêmicas religiosas e por aí vai. São firulas do varejo político pré eleitoral. O que faziam anteriormente era estabelecer as normas do grande debate de rumos para o país.
O mecanismo funcionou bem até 2006. No primeiro mandato de Lula, com a inestimável colaboração de setores ultraliberais do governo, representados pelos ministros Antonio Palocci, Paulo Bernardo e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a mídia e os setores por ela articulados impuseram uma grande pauta continuísta. Com a situação de desarranjo geral na economia, legado pelo governo FHC, os meios de comunicação viram suas diretrizes vencerem ao longo de quase todo o primeiro quadriênio petista, a ponto de o ajuste fiscal realizado em 2003 ter sido o mais duro desde 1990.
Após a crise política de 2005 e com uma evidente melhoria no quadro internacional, dois postos-chave da administração pública foram mudados, a Fazenda e a Casa Civil. Assumiram suas cadeiras Guido Mantega e Dilma Rousseff. Aos poucos saiu de cena a pauta liberal e tomou corpo uma orientação desenvolvimentista, cujo primeiro esboço foram os maciços investimentos estatais sintetizados na primeira versão do PAC. Uma nova agenda então se consolidou, a do desenvolvimento.
Quem dá o tom
Agendas políticas não são estipuladas apenas pelos governos, mas fazem parte da disputa pela hegemonia na sociedade. Impõe agenda quem tem força e iniciativa política.
Assim, a pauta do início dos anos 1980 não foi obra da ditadura, que vivia seus estertores. A orientação democrática tomou corpo de fora para dentro do governo, pelos partidos de oposição e pelos movimentos sociais, que exigiam o fim do regime de exceção. Da mesma forma, na segunda metade daquela década, a discussão central tinha como eixo norteador a questão do Estado.
Os embates oriundos da sociedade se cristalizaram na Assembleia Constituinte, em 1988, após acirradas contendas realizadas na fase terminal dos governos militares e no epílogo do longo ciclo desenvolvimentista, observado entre 1930 e 1980.
A partir de 1990, com as vitórias de Fernando Collor e de Fernando Henrique, a agenda foi imposta a partir de cima. Com um país traumatizado por quase uma década de inflação descontrolada, a estabilidade ganhou o centro do palco, tendo como decorrência uma redefinição do papel do Estado, via privatizações e financeirização da economia.
A história posterior é conhecida. O modelo liberal se esgotou em 2005.
O desenvolvimentismo destes últimos cinco anos foi marcado por uma forte característica social. Na maior parte da América do Sul se deu algo semelhante. A erradicação da pobreza ganhou relevância.
Nova década
Qual seria uma agenda viável para esta nova década, que fortaleceria a organização da sociedade e suplantaria os interesses das elites, vocalizadas pela mídia?
Há várias. Um ponto parece ter maioria na coalizão da presidenta Dilma Rousseff: o desenvolvimento continua. Mas há um fator que precisa também estar no centro dos debates: o papel das comunicações em nossa sociedade.
A pergunta é: há possibilidade de o Brasil construir um projeto nacional e democrático de desenvolvimento com uma indústria midiática antidemocrática, elitista, excludente e monopolizada, que tenta se legitimar como esfera pública e lócus essencial da definição de rumos para o país?
As entidades populares, os partidos democráticos e incontáveis ativistas sociais já têm um ponto de partida para entrarem nessa conversa. Trata-se das resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. Um tento histórico! Algumas das bandeiras lá definidas começam a se tornar realidade. Assembleias Legislativas de vários estados começam a construir Conselhos Estaduais de Comunicação. O governo Lula deu início ao Plano Nacional de Banda Larga para fazer frente à falta de investimentos das empresas privadas do setor. O IPEA realizará, no final de novembro, em Brasília, a Conferência do Desenvolvimento, na qual o tema comunicação terá espaço destacado (ver em www.ipea.gov.br).
Ninguém quer tolher a livre circulação de informações e impor a censura. A não ser a grande mídia brasileira, que tenta a todo custo, sufocar e colocar uma mordaça esse saudável debate que não tem como ser interrompido.
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010
As perspectivas políticas no pós-Lula
Por Altamiro Borges
A eleição de Dilma Rousseff abre novos horizontes para o enfrentamento dos graves problemas brasileiros. Permite uma pauta positiva, com a intensificação das lutas por mudanças profundas no país. Caso José Serra fosse vitorioso, o Brasil retrocederia e forçaria uma agenda defensiva e reativa dos trabalhadores, contra a retomada das privatizações, a destruição dos programas sociais, a criminalização dos movimentos populares e o realinhamento colonizado aos EUA.
A vitória de Dilma garante um cenário mais favorável à luta por reformas estruturais no país. Ela mantém o ciclo político aberto pelo presidente Lula, garantindo a sua continuidade, mas sinaliza com novos avanços. Além disso, ela fortalece o pólo progressista na América Latina e dá novo impulso à integração regional soberana. Não é para menos que todos os governantes de esquerda do continente saudaram a nova presidenta. A sua vitória permite avançar na construção de uma América Latina liberta das garras do império, com soberania, desenvolvimento e justiça social.
Enterrar o tripé neoliberal
De imediato, a presidenta Dilma Rousseff terá de enfrentar os gargalos impostos pela política macroeconômica de viés neoliberal. Em função da correlação de forças e de convicções pessoais, ela não foi totalmente superada pelo governo Lula, que manteve o seu tripé da política monetária de juros elevados; da política fiscal de contração dos investimentos; e da política cambial de total libertinagem financeira. Este último aspecto já dá sinais de alerta.
Os EUA tentam escapar do seu colapso através da guerra cambial. Ao desvalorizar o dólar, eles jogam o ônus da crise para os países da periferia que ficam com as suas moedas artificialmente valorizadas. No caso do real, isto diminui as exportações, gerando quebradeira nas indústrias e desemprego, e aumenta as importações, causando o perigoso déficit na balança comercial. Nas primeiras entrevistas como presidenta eleita, Dilma Rousseff já manifestou temor diante deste cenário. Mas o governo insiste em manter a atual política cambial.
Da mesma forma, a equipe de transição não dá sinais de que irá alterar a política monetária, que faz o país continuar no vergonhoso topo das maiores taxas de juros do planeta, nem a política fiscal, que trava novos investimentos em infraestrutura e nos programas sociais. A luta contra este tripé neoliberal ainda está na ordem-do-dia. O corte drástico dos juros, a redução do superávit e a mudança na política cambial permitiriam um crescimento econômico mais robusto, com o aumento da produção e do consumo e, conseqüentemente, do emprego e da renda salarial.
O que fez o Brasil se safar mais rapidamente da crise mundial do ano passado foi exatamente a queda gradual dos juros e do superávit. Não há mais porque manter este tripé perverso, que serve somente aos banqueiros e rentistas em detrimento da produção e da geração de emprego e renda.
Urgência das reformas estruturais
Do ponto de vista mais estratégico, a presidenta Dilma Rousseff precisará enfrentar os graves problemas estruturais que travam o país. Urge promover profundas reformas no Brasil. Seis delas se destacam na atualidade e as urnas inclusive ajudaram a desvendá-las. No campo social, o país necessita das reformas agrária, urbana e educacional.
A eleição mostrou que a concentração das terras nas mãos dos latifundiários, muitos travestidos de modernos barões do agronegócio, não combina com democracia. Apesar de o governo Lula ter cedido aos ruralistas, com anistia das dívidas e fartos subsídios, eles votaram em peso nos demotucanos. A reforma agrária permitiria assentar mais de 100 mil famílias hoje acampadas em condições desumanas, elevaria a produção de alimentos para a mesa dos brasileiros e geraria mais empregos no campo.
Já a reforma urbana é indispensável para enfrentar os caos nas cidades. Apesar dos avanços da fase recente, são graves os problemas nos centros urbanos: falta de saneamento básico, péssima qualidade da saúde pública, favelas e habitações precárias, colapso no transporte urbano e crise na segurança pública. A reforma urbana significa novas prioridades, com maiores investimentos públicos em áreas que afligem os milhões que vivem nas cidades. Já a reforma educacional é uma exigência do futuro. O Brasil está crescendo e deve despontar com quinta maior economia do planeta. Isto exige cidadãos mais bem formados e capacitados, com o fim do analfabetismo real e funcional, aumento dos anos de escolaridade, multiplicação de universidades.
Aprofundar a democracia no Brasil
Além destas, o país necessita das reformas política, tributária e da mídia. As eleições mostraram que o sistema político brasileiro é viciado, beneficiando os ricaços e estimulando a corrupção. É preciso garantir mais transparência e democracia nos processos eleitorais, coibindo o poder dos milionários. O financiamento público de campanha e o voto em lista, que fortalece os partidos, são duas medidas urgentes para aperfeiçoar a democracia brasileira.
Também é urgente coibir o poder da ditadura midiática. Sete famílias hoje dominam os meios de comunicação, manipulando corações e mentes de milhões de brasileiros. Lula e Dilma sentiram o peso deformador da mídia, que hoje é o principal partido político da direita. A reforma da mídia, a exemplo que já foi feito em vários países – inclusive nos EUA e Europa –, permitiria estimular a pluralidade informativa, multiplicar os meios alternativos e comunitários de comunicação e fortalecer o senso crítico da sociedade.
Por último, até como medida indispensável para garantir novos investimentos, urge realizar uma profunda reforma tributária. Quem paga impostos no Brasil são os trabalhadores. Os ricos são beneficiados pela tributação regressiva e indireta e ainda sonegam. O sistema tributário não é alto; é injusto. Ele penaliza a produção e beneficia especuladores e ricaços. Até nos EUA, país tão paparicado pela elite colonizada, a tributação é menos injusta. A reforma tributária deve taxar grandes fortunas, penalizar sonegadores e aliviar a carga sobre a produção e o trabalho.
Apostar na politização da sociedade
Como se observa, a presidenta Dilma terá enormes desafios pela frente. Estas e outras mudanças exigirão muita convicção e habilidade política. Elas mexem com interesses poderosos. A direita se reagrupou em torno do demotucano Serra e fez campanha contra qualquer reforma no país. A elite não aceita democratizar a terra, rejeita a “gastança” na reforma urbana, prega uma educação elitista; deseja manter o poder concentrado e manipulador da mídia, quer barrar as mudanças democráticas no sistema político; e pretende reduzir ainda mais os impostos dos ricaços.
Na campanha eleitoral, a elite esbanjou ódio. Mostrou que está disposta a acirrar o confronto no país, a radicalizar a disputa de projetos para a sociedade. Apesar do jogo sujo, Dilma venceu o pleito presidencial e ainda conquistou maioria no parlamento. Mas não terá uma vida fácil. Até o preconceito machista será usado para enquadrá-la ou, num cenário de maior radicalização, para desestabilizá-la e mesmo derrubá-la. A luta de classes tende a se acirrar no Brasil.
Mais do que nunca será preciso investir na conscientização, politização e organização do povo brasileiro. Num quadro de acirramento da luta de classes, programas como o Bolsa Família não serão suficientes para manter a rota de mudanças no país. Diante dos riscos, o governo Dilma Rousseff precisará ser mais ousado do que o anterior na politização do povo.
Mas não dá para esperar passivamente. Os movimentos sociais é que terão o desafio de politizar mais as suas bases e interferir com mais força na luta política no país. Do contrário, a direita neoliberal voltará a ranger os seus dentes – seja nos futuros processos eleitorais ou nas práticas golpistas. O Brasil está numa encruzilhada histórica. Tem tudo para avançar com mais firmeza nas mudanças exigidas pelo sofrido povo brasileiro. Não pode perder esta oportunidade histórica.
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A eleição de Dilma Rousseff abre novos horizontes para o enfrentamento dos graves problemas brasileiros. Permite uma pauta positiva, com a intensificação das lutas por mudanças profundas no país. Caso José Serra fosse vitorioso, o Brasil retrocederia e forçaria uma agenda defensiva e reativa dos trabalhadores, contra a retomada das privatizações, a destruição dos programas sociais, a criminalização dos movimentos populares e o realinhamento colonizado aos EUA.
A vitória de Dilma garante um cenário mais favorável à luta por reformas estruturais no país. Ela mantém o ciclo político aberto pelo presidente Lula, garantindo a sua continuidade, mas sinaliza com novos avanços. Além disso, ela fortalece o pólo progressista na América Latina e dá novo impulso à integração regional soberana. Não é para menos que todos os governantes de esquerda do continente saudaram a nova presidenta. A sua vitória permite avançar na construção de uma América Latina liberta das garras do império, com soberania, desenvolvimento e justiça social.
Enterrar o tripé neoliberal
De imediato, a presidenta Dilma Rousseff terá de enfrentar os gargalos impostos pela política macroeconômica de viés neoliberal. Em função da correlação de forças e de convicções pessoais, ela não foi totalmente superada pelo governo Lula, que manteve o seu tripé da política monetária de juros elevados; da política fiscal de contração dos investimentos; e da política cambial de total libertinagem financeira. Este último aspecto já dá sinais de alerta.
Os EUA tentam escapar do seu colapso através da guerra cambial. Ao desvalorizar o dólar, eles jogam o ônus da crise para os países da periferia que ficam com as suas moedas artificialmente valorizadas. No caso do real, isto diminui as exportações, gerando quebradeira nas indústrias e desemprego, e aumenta as importações, causando o perigoso déficit na balança comercial. Nas primeiras entrevistas como presidenta eleita, Dilma Rousseff já manifestou temor diante deste cenário. Mas o governo insiste em manter a atual política cambial.
Da mesma forma, a equipe de transição não dá sinais de que irá alterar a política monetária, que faz o país continuar no vergonhoso topo das maiores taxas de juros do planeta, nem a política fiscal, que trava novos investimentos em infraestrutura e nos programas sociais. A luta contra este tripé neoliberal ainda está na ordem-do-dia. O corte drástico dos juros, a redução do superávit e a mudança na política cambial permitiriam um crescimento econômico mais robusto, com o aumento da produção e do consumo e, conseqüentemente, do emprego e da renda salarial.
O que fez o Brasil se safar mais rapidamente da crise mundial do ano passado foi exatamente a queda gradual dos juros e do superávit. Não há mais porque manter este tripé perverso, que serve somente aos banqueiros e rentistas em detrimento da produção e da geração de emprego e renda.
Urgência das reformas estruturais
Do ponto de vista mais estratégico, a presidenta Dilma Rousseff precisará enfrentar os graves problemas estruturais que travam o país. Urge promover profundas reformas no Brasil. Seis delas se destacam na atualidade e as urnas inclusive ajudaram a desvendá-las. No campo social, o país necessita das reformas agrária, urbana e educacional.
A eleição mostrou que a concentração das terras nas mãos dos latifundiários, muitos travestidos de modernos barões do agronegócio, não combina com democracia. Apesar de o governo Lula ter cedido aos ruralistas, com anistia das dívidas e fartos subsídios, eles votaram em peso nos demotucanos. A reforma agrária permitiria assentar mais de 100 mil famílias hoje acampadas em condições desumanas, elevaria a produção de alimentos para a mesa dos brasileiros e geraria mais empregos no campo.
Já a reforma urbana é indispensável para enfrentar os caos nas cidades. Apesar dos avanços da fase recente, são graves os problemas nos centros urbanos: falta de saneamento básico, péssima qualidade da saúde pública, favelas e habitações precárias, colapso no transporte urbano e crise na segurança pública. A reforma urbana significa novas prioridades, com maiores investimentos públicos em áreas que afligem os milhões que vivem nas cidades. Já a reforma educacional é uma exigência do futuro. O Brasil está crescendo e deve despontar com quinta maior economia do planeta. Isto exige cidadãos mais bem formados e capacitados, com o fim do analfabetismo real e funcional, aumento dos anos de escolaridade, multiplicação de universidades.
Aprofundar a democracia no Brasil
Além destas, o país necessita das reformas política, tributária e da mídia. As eleições mostraram que o sistema político brasileiro é viciado, beneficiando os ricaços e estimulando a corrupção. É preciso garantir mais transparência e democracia nos processos eleitorais, coibindo o poder dos milionários. O financiamento público de campanha e o voto em lista, que fortalece os partidos, são duas medidas urgentes para aperfeiçoar a democracia brasileira.
Também é urgente coibir o poder da ditadura midiática. Sete famílias hoje dominam os meios de comunicação, manipulando corações e mentes de milhões de brasileiros. Lula e Dilma sentiram o peso deformador da mídia, que hoje é o principal partido político da direita. A reforma da mídia, a exemplo que já foi feito em vários países – inclusive nos EUA e Europa –, permitiria estimular a pluralidade informativa, multiplicar os meios alternativos e comunitários de comunicação e fortalecer o senso crítico da sociedade.
Por último, até como medida indispensável para garantir novos investimentos, urge realizar uma profunda reforma tributária. Quem paga impostos no Brasil são os trabalhadores. Os ricos são beneficiados pela tributação regressiva e indireta e ainda sonegam. O sistema tributário não é alto; é injusto. Ele penaliza a produção e beneficia especuladores e ricaços. Até nos EUA, país tão paparicado pela elite colonizada, a tributação é menos injusta. A reforma tributária deve taxar grandes fortunas, penalizar sonegadores e aliviar a carga sobre a produção e o trabalho.
Apostar na politização da sociedade
Como se observa, a presidenta Dilma terá enormes desafios pela frente. Estas e outras mudanças exigirão muita convicção e habilidade política. Elas mexem com interesses poderosos. A direita se reagrupou em torno do demotucano Serra e fez campanha contra qualquer reforma no país. A elite não aceita democratizar a terra, rejeita a “gastança” na reforma urbana, prega uma educação elitista; deseja manter o poder concentrado e manipulador da mídia, quer barrar as mudanças democráticas no sistema político; e pretende reduzir ainda mais os impostos dos ricaços.
Na campanha eleitoral, a elite esbanjou ódio. Mostrou que está disposta a acirrar o confronto no país, a radicalizar a disputa de projetos para a sociedade. Apesar do jogo sujo, Dilma venceu o pleito presidencial e ainda conquistou maioria no parlamento. Mas não terá uma vida fácil. Até o preconceito machista será usado para enquadrá-la ou, num cenário de maior radicalização, para desestabilizá-la e mesmo derrubá-la. A luta de classes tende a se acirrar no Brasil.
Mais do que nunca será preciso investir na conscientização, politização e organização do povo brasileiro. Num quadro de acirramento da luta de classes, programas como o Bolsa Família não serão suficientes para manter a rota de mudanças no país. Diante dos riscos, o governo Dilma Rousseff precisará ser mais ousado do que o anterior na politização do povo.
Mas não dá para esperar passivamente. Os movimentos sociais é que terão o desafio de politizar mais as suas bases e interferir com mais força na luta política no país. Do contrário, a direita neoliberal voltará a ranger os seus dentes – seja nos futuros processos eleitorais ou nas práticas golpistas. O Brasil está numa encruzilhada histórica. Tem tudo para avançar com mais firmeza nas mudanças exigidas pelo sofrido povo brasileiro. Não pode perder esta oportunidade histórica.
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Dilma e a agenda dos trabalhadores
Reproduzo entrevista concedida à jornalista Luana Bonone, publicada no sítio Vermelho:
O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, em entrevista exclusiva, falou ao Vermelho sobre as expectativas relacionadas à eleição da presidente Dilma Rousseff, comentou a polêmica sobre o valor do salário mínimo para 2011 e pautou as principais bandeiras do movimento sindical que serão priorizadas desde o início do próximo governo.
Para Wagner Gomes, banqueiros já ganharam demais, é hora da Dilma "pôr o guizo no gato". Perguntado sobre as tarefas e os desafios dos movimentos sociais no próximo período, Wagner Gomes foi claro: "Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda".
Leia a íntegra da entrevista, em que o presidente da CTB elege a mudança da política macroeconômica como uma prioridade das centrais.
Como a CTB vê a eleição de Dilma Rousseff?
Desde o começo do ano as centrais sindicais se reuniram para ver de que modo participariam da eleição para presidente neste ano. A resolução que nós tomamos foi de que deveríamos ter uma participação ativa nas eleições, e não apenas indicar o voto em um candidato ou candidata. Então surgiu a ideia de fazer a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que foi o encontro das centrais onde nós preparamos uma plataforma. No nosso documento tem a opinião do movimento sindical sobre todas as questões centrais do Brasil, que é a agenda da Classe Trabalhadora, que foi debatida nos estados e aprovada no dia 1º de junho no estádio do Pacaembu aqui em São Paulo. Com esse documento nas mãos, nós tiramos a diretiva de apoiar a candidata que nós considerávamos a única que atenderia ao perfil desse documento.
Desde o primeiro turno...
Desde o primeiro turno. E chegamos à conclusão que nós precisaríamos continuar o processo de mudanças que o país vem adotando. Não só continuar, como aprofundar essas mudanças. Nós achamos que o presidente Lula, em oito anos, fez um governo de avanço, mas que o próximo governo tinha que aprofundar essas mudanças. Em cima desse raciocínio e com esse documento nós tiramos apoio à candidata Dilma já no primeiro turno e saímos à caça de votos para que a presidente Dilma fosse eleita.
Qual o significado da eleição da Dilma para os trabalhadores?
São dois. O primeiro é a perspectiva de continuar esse processo de mudança do nosso país. O Brasil precisa avançar e aprofundar as mudanças, isso inclusive nós discutimos com a candidata. Houve realizações necessárias nesse primeiro período, mas tem coisas que precisam melhorar, precisam avançar. Não dá para fazer um governo igual ao do Lula, ela tem que fazer um governo mais avançado. Quer dizer, as transformações têm que ser mais profundas do que foi feito no governo Lula. Essa é a nossa expectativa.
O segundo, que vem colado, é a valorização do papel da mulher na política. Queiramos ou não, a eleição de uma mulher para presidente traz uma luta contra um preconceito antigo em relação ao papel da mulher na sociedade. Quer dizer, no ano que vem nós vamos ter uma mulher no mais alto posto da política brasileira.
Eu acho que o segundo turno começou com um debate que não era o central, esse debate do aborto, da questão da religião, não era o problema central, mas depois, quando entrou no debate sobre o Estado, sobre que tipo de Estado cada candidatura defendia, esse problema das privatizações... foi aí que a candidatura da Dilma de fato decolou de vez e ganhou a eleição, com uma margem de votos grande. Quando politizou a campanha, aí sim a nossa candidata, a Dilma, cresceu. Ela tem uma responsabilidade grande, né? Vai entrar no lugar de um presidente que tem muita aprovação popular, de 83%... agora, se ela fizer um governo voltado para o desenvolvimento do país, eu tenho a impressão de que ela também, no final dos quatro anos, vai ter seguramente uma aprovação muito grande por parte do povo.
Vamos falar das bandeiras para esse desenvolvimento do país... Nos últimos oito anos as centrais foram legalizadas, o que significou um avanço para a organização dos trabalhadores no país, houve política de valorização do salário mínimo, então houve alguns avanços importante do ponto de vista do movimento sindical, da organização dos trabalhadores e da conquista de direitos. Que bandeiras são as mais centrais, as mais estruturais neste momento, para que esse avanço seja mais ousado, para que haja conquistas para além do governo Lula, como você acabou de mencionar?
O Brasil tem que fazer algumas reformas em profundidade. A reforma política é uma delas, que tem que ser uma reforma baseada no aspecto democrático. O Brasil tem que fazer uma reforma fiscal para pôr o dedo nessa sangria que é a economia brasileira e os juros que o Brasil ainda paga, juros internos muito altos. E a outra questão é desenvolvimento. O Brasil precisa criar as condições para se desenvolver com soberania. Nós temos aí esse problema do Pré-Sal que há uma disputa grande sobre para que lado vai, e o Pré-Sal é uma riqueza que o país tem que ter como do povo mesmo. A gente que está aqui de fora não percebe, mas a luta no Congresso, a luta entre os privatistas e os que defendem o Estado brasileiro é grande. Então nós temos que atentar para isso.
Nós temos que ver também esse problema do emprego. O Brasil precisa gerar mais empregos. Banqueiros já ganharam demais no Brasil, está na hora de eles também darem a parte deles para o desenvolvimento da nossa nação. Neste momento vivemos o problema da guerra fiscal. Os EUA jogaram 600 bilhões de dólares para poder competir com as outras moedas, para eles poderem exportar mais. Se a gente continuar do jeito que está, com o real supervalorizado, nós vamos ter dificuldades de exportar produtos e nós podemos ter problemas. Então a presidente Dilma tem uma tarefa grande para fazer. E isso tem que ter uma equipe que queira fazer. Nós sabemos que o governo é uma composição de forças. Tem gente lá de centro, tem gente de centro-direita e tem gente de esquerda. Eu acho que a presidente tem que ouvir igualmente todos os setores da sociedade. Eu espero que o setor de esquerda possa opinar no destino do Brasil nos próximos quatro anos. Porque é a única forma de a gente ter certeza de que as mudanças serão aprofundadas.
Sobre o Salário Mínimo. Não existe ainda uma política de Estado. Na entrevista coletiva que a presidente eleita Dilma deu no Planalto ela disse que o Salário Mínimo pode chegar a 600 reais em 2011, chegou a falar em aumento maior para 2012, apostando muito no crescimento do Brasil. Essa não parecer ser, entretanto, a postura dos atuais Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O Executivo propõe para o Orçamento 2011 R$ 538,15, tanto que é o debate que as centrais estão tendo com o governo... aí o relator Gim Argello (PTB) propõe R$ 540,00, que é um arredondamento desta proposta. Como é o acordo das centrais com o governo Lula e qual é a proposta das centrais para o Salário Mínimo?
Nós fizemos um acordo com o governo que vigora até 2023. Tem uma lei no Congresso; não tramitou, mas está lá com esse acordo. Então a primeira coisa que nós temos que fazer, e vamos já conversar na semana que vem, é ver como aprovar essa lei do Salário Mínimo, que diz o seguinte: o Salário Mínimo será corrigido; terá a correção da inflação e o PIB de 2 anos atrás. Todo ano você tem a correção da inflação e do PIB de dois anos atrás. Qual o problema que ocorreu em 2011? Você vai pegar a inflação de 2010 mais o PIB de 2009. Só que o PIB de 2009 foi zero. Portanto, o Salário Mínimo para 2011 teria só o reajuste da inflação, sem nada do PIB. O que nós negociamos para 2011 e a presidente Dilma aceitou? Que era preciso arrumar alguma compensação para esse PIB de 2009 que foi zero. Então essa é a discussão, de qual a porcentagem que será utilizada para, junto com a inflação, compor o salário de 2011. Se fosse aplicar só o que está no acordo, o salário seria 538 reais. Nós achamos, e vamos discutir com a equipe de transição, que é preciso colocar algum índice em 2009, para poder não ficar defasado. A presidente concorda com isso. Agora, qual é a discussão: a inflação e mais quanto? Esse é o problema. Nós achamos que mais 4% seria um número razoável. Botaria 4% do PIB de 2009, apesar de ter dado zero, mais a inflação de 2010, para poder dar o salário de 2011. O debate é esse.
Agora, em 2012, que é calculado um ano antes, o salário seguramente vai ser maior que 600 reais, porque ele vai pegar a inflação de 2011 mais o PIB de 2010, que foi 7%. Então vai ser um reajuste que vai passar dos 600 reais. Na imprensa acabou saindo um pouco confuso, mas vai passar de 600 reais em 2012. Para 2011 não. Então esse é o debate em relação ao Salário Mínimo.
Mas qual critério vocês estão propondo? Por que, por exemplo, 4%?
A ideia é tirar uma média do aumento do PIB dos últimos 5 anos e aplicar em cima de 2009. Eu não sei qual é a proposta que o governo vai fazer. Porque a discussão que as centrais vão fazer sobre o Salário Mínimo é com o governo, e não com o Congresso. Ainda não houve a primeira conversa. A Dilma sinalizou que quer dar alguma coisa além de zero, ela diz que já tem compromisso com isso, já tem opinião formada. Agora, quanto vai ser? Essa é a discussão que nós faremos com ela assim que voltar da viagem com o presidente Lula. Aí serão abertas as discussões para ver quanto porcento a gente joga para 2009, que, somado à inflação de 2010, dá o Salário Mínimo de 2011.
Uma coisa já foi dita pela Dilma: ela acha que aplicar o zero porcento, que foi o PIB de 2009, defasa o Salário Mínimo. Ela acha que tem que ter alguma porcentagem. Mas também não falou quanto. Então vai se estabelecer uma negociação das centrais com o governo para saber quanto consideramos para 2009.
Por enquanto não há mobilizações marcadas das centrais?
Não, porque a mobilização depende da resposta do governo. Evidente que se o governo fizer uma proposta que não atenda às centrais sindicais, aí sim... As centrais inclusive estão fazendo hoje uma reunião com o deputado Gim Argello, que é o relator do Orçamento, pedindo para que ele considere, na peça que ele vai apresentar no Senado hoje, 4% de reajuste a mais no Salário Mínimo. As centrais estão conversando com ele, não sabemos o resultado ainda, mas na verdade essa negociação vai acabar sendo feita mesmo com a presidente e com a equipe econômica que ela deve nomear logo.
4% levaria o salário para um pouco mais de 560 reais...
É, a idéia é que ele chegue por volta de 560, 570 reais. Os 600 reais que o Serra usou para tentar jogar fumaça nos olhos dos eleitores... ele prometeu uma coisa que ele não poderia nem cumprir... porque quem determina o salário de 2011 é o governo anterior, então mesmo que ele tivesse ganho a eleição, ele não teria como pagar um salário de 600 reais, porque o Orçamento já estaria definido antes dele entrar na presidência. Então ele tentou fazer um jogo de fumaça, mas ninguém caiu e felizmente ele perdeu a eleição. Então esse problema do Salário Mínimo... essa política que já vem desde 2002, ela foi um dos fatores para o Brasil sofrer menos por conta da crise mundial.
O então candidato Serra propunha um valor para o Salário, não propunha uma política... os 600 reais poderiam até servir para 2011, mas e para os próximos anos?
Eu acho que ele faria o que fez o Fernando Henrique. O Fernando Henrique, quando assumiu, deu um reajuste muito bom para o Salário Mínimo. Mas depois passou sete anos sem reajuste... deve ser a mesma receita. Eu acho que o Serra daria um reajuste até bom, mas depois não daria mais reajuste nenhum, o que para nós não resolve. O que resolve para nós é esta política que garante a inflação mais o PIB até 2023. Se essa lei for aprovada - porque não foi aprovada ainda e isso é importante... para aprovar vai ser uma batalha grande – nós vamos chegar em 2023 com um Salário Mínimo bem razoável para que a população de baixa renda possa ter uma vida pelo menos com um mínimo de decência, que possa ter um lugar decente para morar, possa se alimentar com alguma consistência. Então nós estamos interessados em aprovar essa política.
Além do salário mínimo, que outras políticas centrais deveriam ser priorizadas pelo governo, ou que os movimentos sociais deveriam priorizar na batalha logo no início do novo governo?
O problema da política macro-econômica é um problema grande. Esse problema dos juros, que nós já conversamos, esse problema da supervalorização da moeda brasileira, que derruba as nossas importações, porque a nossa moeda fica com um valor artificial, muito valorizada, então ninguém compra do Brasil... ao contrário, você só importa, não vende nada. Eu acho que isso é uma questão importante. Eu acho que a montagem do governo vai determinar para que lado vai... se a presidente Dilma vai continuar com a mesma política ou se pretende aprofundar as mudanças. Então, estamos aguardando o ministério. Eu acho que no Brasil essas reformas de base precisam ser feitas na área da educação... precisamos de uma política radical de modernização dos portos, dos aeroportos, o Brasil precisa se preparar para poder ser um país que importe, mas que possa exportar muito. E isso é decisivo. Mas com essa política, com essa guerra cambial, o Brasil corre o risco de não conseguir exportar nada, e isso faz com que caia também o emprego. Então, eu acho que os movimentos sociais precisarão ter uma atuação grande para referendar e manter o que tem, que não é fácil, e fazer o nosso país ter mudanças de qualidade, para que a gente possa jogar um papel de protagonismo na política mundial.
E também a questão financeira. Os bancos já ganharam muito. Então o Brasil precisa fazer uma reforma fiscal, uma reforma tributária, que sejam coisas que tragam benefícios para a nação. E aí quem ganha mais tem que pagar mais, né? Vai ser também uma queda de braço, porque o sistema financeiro continua sendo o que mais ganha no Brasil. Nunca ganharam tanto dinheiro como estão ganhando agora, apesar do governo Lula fazer uma política mais popular.
E é um dinheiro que não tem base na produção.
Não, ele só ganha. Risco zero. Ele tem lá uma fortuna, aplica, ganha, joga o dinheiro para fora do Brasil... até para os empresários acaba ficando uma situação que é mais fácil aplicar no mercado financeiro do que investir na indústria. E mercado financeiro não gera emprego. Ele gera uma fortuna para quem investe. Então isso precisa ser resolvido, precisa ter um jeito de forçar para que quem tem dinheiro invista na produção, que é o que gera emprego, que é o que gera riqueza para o Brasil.
E o que é esse “ser resolvido”? Porque esse é o modelo da economia no mundo... você diz um estímulo interno maior para a produção?
Os economistas mais nacionalistas apresentam formas para fazer com que aplicações na produção gerem um ganho razoável. Do jeito que está hoje, por que quem tem dinheiro vai arriscar montar uma empresa? Se ele pode pegar o dinheiro dele e aplicar na ciranda financeira, e ganhar, sem risco nenhum? Então tem que ter uma forma para que quem invista na produção possa ganhar, tenha garantia de que vai ganhar. Aí, tendo isso, você tem emprego, você tem mais gente ganhando salário, as pessoas compram mais, o que exige mais produção. É a famosa roda que faz a produção no país.
Neste mês o instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está organizando uma Conferência sobre Desenvolvimento em Brasília, cujo alvo principal são justamente as organizações sociais. Você acha que esse vai ser um espaço dessa disputa? Tem alguma condição dos movimentos conseguirem se organizar para jogar um papel, por exemplo, nessa Conferência, e construir outros espaços similares?
Inclusive eu acabei de receber um convite aqui do Ipea para eu falar lá sobre o tema “os trabalhadores e a macroeconomia”. Dia 25 de novembro. Eu acho que as centrais sindicais, os trabalhadores, além das questões econômicas do salário, da condição de trabalho, têm que opinar fortemente nessa questão. O Brasil não mudou nada na questão macroeconômica. Não mexeu nada. Há muitos anos está do mesmo jeito. Isso criou um gargalo que, ou você faz mudanças na macroeconomia, para o país poder ter um avanço, ou a tendência é patinar e voltar para trás. E quando falo em macroeconomia, isso envolve setor financeiro, setor empresarial, reformas de profundidade, para o país poder continuar crescendo. E uma das coisas que vai ser debatida lá é isso. O Brasil hoje tem uma quantidade de dólar investido, um dinheiro que entra e sai todo dia, deposita hoje e já leva embora, que nenhum país tem mais. O Brasil está hoje em uma situação em que todo mundo vem aqui aplicar e leva embora, e isso precisa ser atacado.
Não tem controle do fluxo de capitais...
Nenhum. E isso precisa ser atacado. O Brasil tem que estar voltado para a produção. E aí tem que por a mão no setor mais complicado que tem, que é o setor financeiro. A Dilma tem respaldo popular para enfrentar isso, para dizer para o sistema financeiro: vocês agora vão ter que ajudar no crescimento do país, já ganharam bastante, então vamos ver um jeito aqui para que o Brasil não viva de especulação, mas viva produzindo para poder gerar emprego. Essa é a hora de por o guizo no pescoço do gato. Tem que chegar neles e dizer: no meu governo a prioridade é a produção e vai ser dessa forma. E desestimulando a ciranda financeira, você joga, quase que de forma automática, o dinheiro para o setor produtivo.
Tem algo importante ainda que você queira abordar?
Eu acho que as centrais têm como tarefa influenciar o governo. E como agora a coisa já está mais pé no chão, nós vamos ter que cobrar mais. Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Essa é a nossa palavra de ordem: desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Com isso como faixa, como bandeira principal, a gente deve ter uma posição independente e cobrar para que seja aplicado esse documento, pois nós fizemos um grande debate em torno dele.
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O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, em entrevista exclusiva, falou ao Vermelho sobre as expectativas relacionadas à eleição da presidente Dilma Rousseff, comentou a polêmica sobre o valor do salário mínimo para 2011 e pautou as principais bandeiras do movimento sindical que serão priorizadas desde o início do próximo governo.
Para Wagner Gomes, banqueiros já ganharam demais, é hora da Dilma "pôr o guizo no gato". Perguntado sobre as tarefas e os desafios dos movimentos sociais no próximo período, Wagner Gomes foi claro: "Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda".
Leia a íntegra da entrevista, em que o presidente da CTB elege a mudança da política macroeconômica como uma prioridade das centrais.
Como a CTB vê a eleição de Dilma Rousseff?
Desde o começo do ano as centrais sindicais se reuniram para ver de que modo participariam da eleição para presidente neste ano. A resolução que nós tomamos foi de que deveríamos ter uma participação ativa nas eleições, e não apenas indicar o voto em um candidato ou candidata. Então surgiu a ideia de fazer a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que foi o encontro das centrais onde nós preparamos uma plataforma. No nosso documento tem a opinião do movimento sindical sobre todas as questões centrais do Brasil, que é a agenda da Classe Trabalhadora, que foi debatida nos estados e aprovada no dia 1º de junho no estádio do Pacaembu aqui em São Paulo. Com esse documento nas mãos, nós tiramos a diretiva de apoiar a candidata que nós considerávamos a única que atenderia ao perfil desse documento.
Desde o primeiro turno...
Desde o primeiro turno. E chegamos à conclusão que nós precisaríamos continuar o processo de mudanças que o país vem adotando. Não só continuar, como aprofundar essas mudanças. Nós achamos que o presidente Lula, em oito anos, fez um governo de avanço, mas que o próximo governo tinha que aprofundar essas mudanças. Em cima desse raciocínio e com esse documento nós tiramos apoio à candidata Dilma já no primeiro turno e saímos à caça de votos para que a presidente Dilma fosse eleita.
Qual o significado da eleição da Dilma para os trabalhadores?
São dois. O primeiro é a perspectiva de continuar esse processo de mudança do nosso país. O Brasil precisa avançar e aprofundar as mudanças, isso inclusive nós discutimos com a candidata. Houve realizações necessárias nesse primeiro período, mas tem coisas que precisam melhorar, precisam avançar. Não dá para fazer um governo igual ao do Lula, ela tem que fazer um governo mais avançado. Quer dizer, as transformações têm que ser mais profundas do que foi feito no governo Lula. Essa é a nossa expectativa.
O segundo, que vem colado, é a valorização do papel da mulher na política. Queiramos ou não, a eleição de uma mulher para presidente traz uma luta contra um preconceito antigo em relação ao papel da mulher na sociedade. Quer dizer, no ano que vem nós vamos ter uma mulher no mais alto posto da política brasileira.
Eu acho que o segundo turno começou com um debate que não era o central, esse debate do aborto, da questão da religião, não era o problema central, mas depois, quando entrou no debate sobre o Estado, sobre que tipo de Estado cada candidatura defendia, esse problema das privatizações... foi aí que a candidatura da Dilma de fato decolou de vez e ganhou a eleição, com uma margem de votos grande. Quando politizou a campanha, aí sim a nossa candidata, a Dilma, cresceu. Ela tem uma responsabilidade grande, né? Vai entrar no lugar de um presidente que tem muita aprovação popular, de 83%... agora, se ela fizer um governo voltado para o desenvolvimento do país, eu tenho a impressão de que ela também, no final dos quatro anos, vai ter seguramente uma aprovação muito grande por parte do povo.
Vamos falar das bandeiras para esse desenvolvimento do país... Nos últimos oito anos as centrais foram legalizadas, o que significou um avanço para a organização dos trabalhadores no país, houve política de valorização do salário mínimo, então houve alguns avanços importante do ponto de vista do movimento sindical, da organização dos trabalhadores e da conquista de direitos. Que bandeiras são as mais centrais, as mais estruturais neste momento, para que esse avanço seja mais ousado, para que haja conquistas para além do governo Lula, como você acabou de mencionar?
O Brasil tem que fazer algumas reformas em profundidade. A reforma política é uma delas, que tem que ser uma reforma baseada no aspecto democrático. O Brasil tem que fazer uma reforma fiscal para pôr o dedo nessa sangria que é a economia brasileira e os juros que o Brasil ainda paga, juros internos muito altos. E a outra questão é desenvolvimento. O Brasil precisa criar as condições para se desenvolver com soberania. Nós temos aí esse problema do Pré-Sal que há uma disputa grande sobre para que lado vai, e o Pré-Sal é uma riqueza que o país tem que ter como do povo mesmo. A gente que está aqui de fora não percebe, mas a luta no Congresso, a luta entre os privatistas e os que defendem o Estado brasileiro é grande. Então nós temos que atentar para isso.
Nós temos que ver também esse problema do emprego. O Brasil precisa gerar mais empregos. Banqueiros já ganharam demais no Brasil, está na hora de eles também darem a parte deles para o desenvolvimento da nossa nação. Neste momento vivemos o problema da guerra fiscal. Os EUA jogaram 600 bilhões de dólares para poder competir com as outras moedas, para eles poderem exportar mais. Se a gente continuar do jeito que está, com o real supervalorizado, nós vamos ter dificuldades de exportar produtos e nós podemos ter problemas. Então a presidente Dilma tem uma tarefa grande para fazer. E isso tem que ter uma equipe que queira fazer. Nós sabemos que o governo é uma composição de forças. Tem gente lá de centro, tem gente de centro-direita e tem gente de esquerda. Eu acho que a presidente tem que ouvir igualmente todos os setores da sociedade. Eu espero que o setor de esquerda possa opinar no destino do Brasil nos próximos quatro anos. Porque é a única forma de a gente ter certeza de que as mudanças serão aprofundadas.
Sobre o Salário Mínimo. Não existe ainda uma política de Estado. Na entrevista coletiva que a presidente eleita Dilma deu no Planalto ela disse que o Salário Mínimo pode chegar a 600 reais em 2011, chegou a falar em aumento maior para 2012, apostando muito no crescimento do Brasil. Essa não parecer ser, entretanto, a postura dos atuais Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O Executivo propõe para o Orçamento 2011 R$ 538,15, tanto que é o debate que as centrais estão tendo com o governo... aí o relator Gim Argello (PTB) propõe R$ 540,00, que é um arredondamento desta proposta. Como é o acordo das centrais com o governo Lula e qual é a proposta das centrais para o Salário Mínimo?
Nós fizemos um acordo com o governo que vigora até 2023. Tem uma lei no Congresso; não tramitou, mas está lá com esse acordo. Então a primeira coisa que nós temos que fazer, e vamos já conversar na semana que vem, é ver como aprovar essa lei do Salário Mínimo, que diz o seguinte: o Salário Mínimo será corrigido; terá a correção da inflação e o PIB de 2 anos atrás. Todo ano você tem a correção da inflação e do PIB de dois anos atrás. Qual o problema que ocorreu em 2011? Você vai pegar a inflação de 2010 mais o PIB de 2009. Só que o PIB de 2009 foi zero. Portanto, o Salário Mínimo para 2011 teria só o reajuste da inflação, sem nada do PIB. O que nós negociamos para 2011 e a presidente Dilma aceitou? Que era preciso arrumar alguma compensação para esse PIB de 2009 que foi zero. Então essa é a discussão, de qual a porcentagem que será utilizada para, junto com a inflação, compor o salário de 2011. Se fosse aplicar só o que está no acordo, o salário seria 538 reais. Nós achamos, e vamos discutir com a equipe de transição, que é preciso colocar algum índice em 2009, para poder não ficar defasado. A presidente concorda com isso. Agora, qual é a discussão: a inflação e mais quanto? Esse é o problema. Nós achamos que mais 4% seria um número razoável. Botaria 4% do PIB de 2009, apesar de ter dado zero, mais a inflação de 2010, para poder dar o salário de 2011. O debate é esse.
Agora, em 2012, que é calculado um ano antes, o salário seguramente vai ser maior que 600 reais, porque ele vai pegar a inflação de 2011 mais o PIB de 2010, que foi 7%. Então vai ser um reajuste que vai passar dos 600 reais. Na imprensa acabou saindo um pouco confuso, mas vai passar de 600 reais em 2012. Para 2011 não. Então esse é o debate em relação ao Salário Mínimo.
Mas qual critério vocês estão propondo? Por que, por exemplo, 4%?
A ideia é tirar uma média do aumento do PIB dos últimos 5 anos e aplicar em cima de 2009. Eu não sei qual é a proposta que o governo vai fazer. Porque a discussão que as centrais vão fazer sobre o Salário Mínimo é com o governo, e não com o Congresso. Ainda não houve a primeira conversa. A Dilma sinalizou que quer dar alguma coisa além de zero, ela diz que já tem compromisso com isso, já tem opinião formada. Agora, quanto vai ser? Essa é a discussão que nós faremos com ela assim que voltar da viagem com o presidente Lula. Aí serão abertas as discussões para ver quanto porcento a gente joga para 2009, que, somado à inflação de 2010, dá o Salário Mínimo de 2011.
Uma coisa já foi dita pela Dilma: ela acha que aplicar o zero porcento, que foi o PIB de 2009, defasa o Salário Mínimo. Ela acha que tem que ter alguma porcentagem. Mas também não falou quanto. Então vai se estabelecer uma negociação das centrais com o governo para saber quanto consideramos para 2009.
Por enquanto não há mobilizações marcadas das centrais?
Não, porque a mobilização depende da resposta do governo. Evidente que se o governo fizer uma proposta que não atenda às centrais sindicais, aí sim... As centrais inclusive estão fazendo hoje uma reunião com o deputado Gim Argello, que é o relator do Orçamento, pedindo para que ele considere, na peça que ele vai apresentar no Senado hoje, 4% de reajuste a mais no Salário Mínimo. As centrais estão conversando com ele, não sabemos o resultado ainda, mas na verdade essa negociação vai acabar sendo feita mesmo com a presidente e com a equipe econômica que ela deve nomear logo.
4% levaria o salário para um pouco mais de 560 reais...
É, a idéia é que ele chegue por volta de 560, 570 reais. Os 600 reais que o Serra usou para tentar jogar fumaça nos olhos dos eleitores... ele prometeu uma coisa que ele não poderia nem cumprir... porque quem determina o salário de 2011 é o governo anterior, então mesmo que ele tivesse ganho a eleição, ele não teria como pagar um salário de 600 reais, porque o Orçamento já estaria definido antes dele entrar na presidência. Então ele tentou fazer um jogo de fumaça, mas ninguém caiu e felizmente ele perdeu a eleição. Então esse problema do Salário Mínimo... essa política que já vem desde 2002, ela foi um dos fatores para o Brasil sofrer menos por conta da crise mundial.
O então candidato Serra propunha um valor para o Salário, não propunha uma política... os 600 reais poderiam até servir para 2011, mas e para os próximos anos?
Eu acho que ele faria o que fez o Fernando Henrique. O Fernando Henrique, quando assumiu, deu um reajuste muito bom para o Salário Mínimo. Mas depois passou sete anos sem reajuste... deve ser a mesma receita. Eu acho que o Serra daria um reajuste até bom, mas depois não daria mais reajuste nenhum, o que para nós não resolve. O que resolve para nós é esta política que garante a inflação mais o PIB até 2023. Se essa lei for aprovada - porque não foi aprovada ainda e isso é importante... para aprovar vai ser uma batalha grande – nós vamos chegar em 2023 com um Salário Mínimo bem razoável para que a população de baixa renda possa ter uma vida pelo menos com um mínimo de decência, que possa ter um lugar decente para morar, possa se alimentar com alguma consistência. Então nós estamos interessados em aprovar essa política.
Além do salário mínimo, que outras políticas centrais deveriam ser priorizadas pelo governo, ou que os movimentos sociais deveriam priorizar na batalha logo no início do novo governo?
O problema da política macro-econômica é um problema grande. Esse problema dos juros, que nós já conversamos, esse problema da supervalorização da moeda brasileira, que derruba as nossas importações, porque a nossa moeda fica com um valor artificial, muito valorizada, então ninguém compra do Brasil... ao contrário, você só importa, não vende nada. Eu acho que isso é uma questão importante. Eu acho que a montagem do governo vai determinar para que lado vai... se a presidente Dilma vai continuar com a mesma política ou se pretende aprofundar as mudanças. Então, estamos aguardando o ministério. Eu acho que no Brasil essas reformas de base precisam ser feitas na área da educação... precisamos de uma política radical de modernização dos portos, dos aeroportos, o Brasil precisa se preparar para poder ser um país que importe, mas que possa exportar muito. E isso é decisivo. Mas com essa política, com essa guerra cambial, o Brasil corre o risco de não conseguir exportar nada, e isso faz com que caia também o emprego. Então, eu acho que os movimentos sociais precisarão ter uma atuação grande para referendar e manter o que tem, que não é fácil, e fazer o nosso país ter mudanças de qualidade, para que a gente possa jogar um papel de protagonismo na política mundial.
E também a questão financeira. Os bancos já ganharam muito. Então o Brasil precisa fazer uma reforma fiscal, uma reforma tributária, que sejam coisas que tragam benefícios para a nação. E aí quem ganha mais tem que pagar mais, né? Vai ser também uma queda de braço, porque o sistema financeiro continua sendo o que mais ganha no Brasil. Nunca ganharam tanto dinheiro como estão ganhando agora, apesar do governo Lula fazer uma política mais popular.
E é um dinheiro que não tem base na produção.
Não, ele só ganha. Risco zero. Ele tem lá uma fortuna, aplica, ganha, joga o dinheiro para fora do Brasil... até para os empresários acaba ficando uma situação que é mais fácil aplicar no mercado financeiro do que investir na indústria. E mercado financeiro não gera emprego. Ele gera uma fortuna para quem investe. Então isso precisa ser resolvido, precisa ter um jeito de forçar para que quem tem dinheiro invista na produção, que é o que gera emprego, que é o que gera riqueza para o Brasil.
E o que é esse “ser resolvido”? Porque esse é o modelo da economia no mundo... você diz um estímulo interno maior para a produção?
Os economistas mais nacionalistas apresentam formas para fazer com que aplicações na produção gerem um ganho razoável. Do jeito que está hoje, por que quem tem dinheiro vai arriscar montar uma empresa? Se ele pode pegar o dinheiro dele e aplicar na ciranda financeira, e ganhar, sem risco nenhum? Então tem que ter uma forma para que quem invista na produção possa ganhar, tenha garantia de que vai ganhar. Aí, tendo isso, você tem emprego, você tem mais gente ganhando salário, as pessoas compram mais, o que exige mais produção. É a famosa roda que faz a produção no país.
Neste mês o instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está organizando uma Conferência sobre Desenvolvimento em Brasília, cujo alvo principal são justamente as organizações sociais. Você acha que esse vai ser um espaço dessa disputa? Tem alguma condição dos movimentos conseguirem se organizar para jogar um papel, por exemplo, nessa Conferência, e construir outros espaços similares?
Inclusive eu acabei de receber um convite aqui do Ipea para eu falar lá sobre o tema “os trabalhadores e a macroeconomia”. Dia 25 de novembro. Eu acho que as centrais sindicais, os trabalhadores, além das questões econômicas do salário, da condição de trabalho, têm que opinar fortemente nessa questão. O Brasil não mudou nada na questão macroeconômica. Não mexeu nada. Há muitos anos está do mesmo jeito. Isso criou um gargalo que, ou você faz mudanças na macroeconomia, para o país poder ter um avanço, ou a tendência é patinar e voltar para trás. E quando falo em macroeconomia, isso envolve setor financeiro, setor empresarial, reformas de profundidade, para o país poder continuar crescendo. E uma das coisas que vai ser debatida lá é isso. O Brasil hoje tem uma quantidade de dólar investido, um dinheiro que entra e sai todo dia, deposita hoje e já leva embora, que nenhum país tem mais. O Brasil está hoje em uma situação em que todo mundo vem aqui aplicar e leva embora, e isso precisa ser atacado.
Não tem controle do fluxo de capitais...
Nenhum. E isso precisa ser atacado. O Brasil tem que estar voltado para a produção. E aí tem que por a mão no setor mais complicado que tem, que é o setor financeiro. A Dilma tem respaldo popular para enfrentar isso, para dizer para o sistema financeiro: vocês agora vão ter que ajudar no crescimento do país, já ganharam bastante, então vamos ver um jeito aqui para que o Brasil não viva de especulação, mas viva produzindo para poder gerar emprego. Essa é a hora de por o guizo no pescoço do gato. Tem que chegar neles e dizer: no meu governo a prioridade é a produção e vai ser dessa forma. E desestimulando a ciranda financeira, você joga, quase que de forma automática, o dinheiro para o setor produtivo.
Tem algo importante ainda que você queira abordar?
Eu acho que as centrais têm como tarefa influenciar o governo. E como agora a coisa já está mais pé no chão, nós vamos ter que cobrar mais. Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Essa é a nossa palavra de ordem: desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Com isso como faixa, como bandeira principal, a gente deve ter uma posição independente e cobrar para que seja aplicado esse documento, pois nós fizemos um grande debate em torno dele.
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Solidariedade aos vencidos: lista é grande
Reproduzo artigo de Wanderley Caixe, publicado no blog Escrevinhador:
Nunca é ético tripudiar sobre o vencido. Nas vitórias, recomenda-se uma certa condescendência com quem perdeu. Por isso, para aqueles de coração aberto, ofereço aqui algumas sugestões de votos de solidariedade para com os derrotados, neste momento em que estão lambendo suas feridas.
Em primeiro lugar, pode-se escolher a solidariedade com o tucano vencido, porque é fácil imaginar a dor de cabeça que o forte impacto de uma bolinha de papel lhe deve ter causado, moral e fisicamente; ou o arrependimento que deve estar sentindo por não ter deixado a outro (um mineiro, talvez) a ingrata missão de opor-se a um projeto de aprovação popular.
A solidaridade ao candidato pode e deve estender-se a muita gente próxima a ele, que deve ter passado noites insones, ao longo do período eleitoral, imaginando a candidata vencedora a executar criancinhas em praça pública, em cerimônias de aborto coletivo…
Igualmente humanitária seria a posição de solidariedade que se dirigisse para os políticos vencidos na derrota dos tucanos. Ela poderia destinar-se, por exemplo, a uma série de ex-senadores (tucanos ou agregados), a maioria deles do Norte ou Nordeste, caciques que, de repente, se descobriram sem tribos, e que, até agora, não devem estar entendendo como conseguiram perder as eleições depois de tentar destruir, sem tréguas, a figura de um presidente com 82% de aplauso do povo.
Um voto especial, nesse âmbito, pode ir, seguramente, para o Sr. César Maia, que, na voz das urnas, encontrou ressonância equivalente às vozes que vemos diuturnamente ecoar na “Cidade da Música”, elefante branco que marcou a sua gestão na Prefeitura carioca…
Outra que merece essa mão estendida é a mídia corporativa desse país, esse poderosíssimo poder de fazer cabeças, mas injustamente não levada em consideração no pleito presidencial pela maioria dos eleitores, apesar dos esforços éticos e aéticos, factuais ou ficcionais, que levou a efeito para tentar eleger o candidato que perdeu.
E, nesse caso específico, a solidariedade deve abranger os valentes profissionais que compõem essa mídia, entre eles alguns comentaristas políticos e economistas de nomeada ”especialistas”, que devem até agora estar se interrogando sobre como, onde e por quê erraram, já que fizeram certinho o dever de casa (ou melhor, o dever “da casa” onde trabalham)… Deve ser horrível fazer jornalismo em um país em que as pessoas se atrevem a ter juízo próprio…
Por falar nisso, não se deve esquecer uma possível solidariedade aos leitores que escrevem cartas nessas publicações midiáticas – em sua esmagadora maioria, legitimos representantes de uma elite que, raivosa, a julgar pela forma como se manifesta, tem imensa dificuldade em conviver bem com a melhor repartição do pão que sobra em fartas mesas, com o maior movimento de gente nos aeroportos, com a maior presença de “estranhos” nas universidades, enfim, com a felicidade melhor distribuída…Imagino como estejam tristes pelo fato de não ter sido ainda desta vez que se reinstaurou entre nós o nirvana dos privilegiados…
Também há a possibilidade de se ser solidário a algumas entidades religiosas (instituições ou seitas, não importa)que, não se pode negar, cumpriram direitinho – embora sem êxito, no final das contas (que pena!) - o seu papel de aterrorizar os eleitores com assuntos que não deveriam ter composto o cardápio eleitoral. Um destaque especial pode ser conferido ao Papa, que fez todo o esforço possível para que o obscurantismo prevalecesse, mas que não encontrou, entre os seus fiéis, tanta devoção à causa quanto julgava, apesar das recomendadas lavagens cerebrais eclesiásticas.
Há ainda a solidariedade aos verdes – cuja “onda”, afinal de contas, acabou por não gerar mais que uns gatos pingados no Congresso - e aos de outras colorações que, por não terem uma posição firmada sobre coisa alguma, encontraram grande dificuldade para se manterem em cima de muros, em posição desconfortável que, quem sabe, ainda lhes poderá trazer, no futuro, outros problemas de desvio na coluna ideológica. Aqui excluo, em nome da verdade, o Sr Fernando Gabeira, que, embora verde, jamais se omitiu e deixou claríssima sua posição de aproximação retrógrada com a turma da direita
Pode ser que, tocados por essa onda de solidariedade, alguns desses derrotados venham a experimentar uma crise de consciência ou uma correção de rumos. Não sou muito otimista quanto a isso. A julgar pelo tom da “saudação” do candidato derrotado no discurso que se seguiu à proclamação dos resultados, penso que Dilma e as forças vitoriosas não devem desprezar as potencialidades venenosamente vingativas desse pessoal. E devem, desde já, prevenir-se com o antídoto infalível – porque já testado e comprovado – da continuidade dos projetos de redenção social como tônica do governo.
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Nunca é ético tripudiar sobre o vencido. Nas vitórias, recomenda-se uma certa condescendência com quem perdeu. Por isso, para aqueles de coração aberto, ofereço aqui algumas sugestões de votos de solidariedade para com os derrotados, neste momento em que estão lambendo suas feridas.
Em primeiro lugar, pode-se escolher a solidariedade com o tucano vencido, porque é fácil imaginar a dor de cabeça que o forte impacto de uma bolinha de papel lhe deve ter causado, moral e fisicamente; ou o arrependimento que deve estar sentindo por não ter deixado a outro (um mineiro, talvez) a ingrata missão de opor-se a um projeto de aprovação popular.
A solidaridade ao candidato pode e deve estender-se a muita gente próxima a ele, que deve ter passado noites insones, ao longo do período eleitoral, imaginando a candidata vencedora a executar criancinhas em praça pública, em cerimônias de aborto coletivo…
Igualmente humanitária seria a posição de solidariedade que se dirigisse para os políticos vencidos na derrota dos tucanos. Ela poderia destinar-se, por exemplo, a uma série de ex-senadores (tucanos ou agregados), a maioria deles do Norte ou Nordeste, caciques que, de repente, se descobriram sem tribos, e que, até agora, não devem estar entendendo como conseguiram perder as eleições depois de tentar destruir, sem tréguas, a figura de um presidente com 82% de aplauso do povo.
Um voto especial, nesse âmbito, pode ir, seguramente, para o Sr. César Maia, que, na voz das urnas, encontrou ressonância equivalente às vozes que vemos diuturnamente ecoar na “Cidade da Música”, elefante branco que marcou a sua gestão na Prefeitura carioca…
Outra que merece essa mão estendida é a mídia corporativa desse país, esse poderosíssimo poder de fazer cabeças, mas injustamente não levada em consideração no pleito presidencial pela maioria dos eleitores, apesar dos esforços éticos e aéticos, factuais ou ficcionais, que levou a efeito para tentar eleger o candidato que perdeu.
E, nesse caso específico, a solidariedade deve abranger os valentes profissionais que compõem essa mídia, entre eles alguns comentaristas políticos e economistas de nomeada ”especialistas”, que devem até agora estar se interrogando sobre como, onde e por quê erraram, já que fizeram certinho o dever de casa (ou melhor, o dever “da casa” onde trabalham)… Deve ser horrível fazer jornalismo em um país em que as pessoas se atrevem a ter juízo próprio…
Por falar nisso, não se deve esquecer uma possível solidariedade aos leitores que escrevem cartas nessas publicações midiáticas – em sua esmagadora maioria, legitimos representantes de uma elite que, raivosa, a julgar pela forma como se manifesta, tem imensa dificuldade em conviver bem com a melhor repartição do pão que sobra em fartas mesas, com o maior movimento de gente nos aeroportos, com a maior presença de “estranhos” nas universidades, enfim, com a felicidade melhor distribuída…Imagino como estejam tristes pelo fato de não ter sido ainda desta vez que se reinstaurou entre nós o nirvana dos privilegiados…
Também há a possibilidade de se ser solidário a algumas entidades religiosas (instituições ou seitas, não importa)que, não se pode negar, cumpriram direitinho – embora sem êxito, no final das contas (que pena!) - o seu papel de aterrorizar os eleitores com assuntos que não deveriam ter composto o cardápio eleitoral. Um destaque especial pode ser conferido ao Papa, que fez todo o esforço possível para que o obscurantismo prevalecesse, mas que não encontrou, entre os seus fiéis, tanta devoção à causa quanto julgava, apesar das recomendadas lavagens cerebrais eclesiásticas.
Há ainda a solidariedade aos verdes – cuja “onda”, afinal de contas, acabou por não gerar mais que uns gatos pingados no Congresso - e aos de outras colorações que, por não terem uma posição firmada sobre coisa alguma, encontraram grande dificuldade para se manterem em cima de muros, em posição desconfortável que, quem sabe, ainda lhes poderá trazer, no futuro, outros problemas de desvio na coluna ideológica. Aqui excluo, em nome da verdade, o Sr Fernando Gabeira, que, embora verde, jamais se omitiu e deixou claríssima sua posição de aproximação retrógrada com a turma da direita
Pode ser que, tocados por essa onda de solidariedade, alguns desses derrotados venham a experimentar uma crise de consciência ou uma correção de rumos. Não sou muito otimista quanto a isso. A julgar pelo tom da “saudação” do candidato derrotado no discurso que se seguiu à proclamação dos resultados, penso que Dilma e as forças vitoriosas não devem desprezar as potencialidades venenosamente vingativas desse pessoal. E devem, desde já, prevenir-se com o antídoto infalível – porque já testado e comprovado – da continuidade dos projetos de redenção social como tônica do governo.
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Dilma e o legado do governo Lula
Por Altamiro Borges
A eleição no Brasil se deu num quadro de relativa estabilidade econômica. A crise capitalista mundial de 2008/2009 atingiu o país numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. A economia brasileira encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e direitos sociais.
Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo Lula projeta crescimento de 7% na economia em 2010. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento já projeta o Brasil como a quinta economia mundial, com melhores condições para enfrentar seus gargalos estruturais e os graves problemas sociais. Cada um por cento de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) representa cerca de 400 mil novos empregos com carteira assinada.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida retomada da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro mais favorável às lutas sociais. Somente no primeiro semestre de 2010 foram criados 1,473 milhão de empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia é que em pleno auge da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico também garantiu aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara as falácias neoliberais sobre déficit na Previdência Social como forma de se opor ao reajuste das aposentarias e pensões e ao fim do fator previdenciário.
Razões do crescimento econômico
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte ou dádiva divina, como dizem os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise.
“Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo. Essa melhora da renda garantiu maior consumo, o que forçou maior produção e gerou mais empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV.
Bancos públicos e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram a circulação de dinheiro no mercado interno, a chamada liquidez, num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira.
Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também usou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna. Por último, vale realçar o papel da política externa. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático aos EUA”, o Brasil diversificou seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantida a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil da grave crise capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é ridícula. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% das vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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A eleição no Brasil se deu num quadro de relativa estabilidade econômica. A crise capitalista mundial de 2008/2009 atingiu o país numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. A economia brasileira encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e direitos sociais.
Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo Lula projeta crescimento de 7% na economia em 2010. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento já projeta o Brasil como a quinta economia mundial, com melhores condições para enfrentar seus gargalos estruturais e os graves problemas sociais. Cada um por cento de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) representa cerca de 400 mil novos empregos com carteira assinada.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida retomada da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro mais favorável às lutas sociais. Somente no primeiro semestre de 2010 foram criados 1,473 milhão de empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia é que em pleno auge da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico também garantiu aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara as falácias neoliberais sobre déficit na Previdência Social como forma de se opor ao reajuste das aposentarias e pensões e ao fim do fator previdenciário.
Razões do crescimento econômico
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte ou dádiva divina, como dizem os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise.
“Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo. Essa melhora da renda garantiu maior consumo, o que forçou maior produção e gerou mais empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV.
Bancos públicos e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram a circulação de dinheiro no mercado interno, a chamada liquidez, num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira.
Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também usou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna. Por último, vale realçar o papel da política externa. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático aos EUA”, o Brasil diversificou seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantida a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil da grave crise capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é ridícula. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% das vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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O AI-5 digital e a democracia tucana
Reproduzo artigo de Luiz Carvalho, publicado no sítio da CUT:
No início de outubro, em um Congresso Nacional esvaziado enquanto o Brasil discute as eleições, o Projeto de Lei (PL) 84/99 do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de José Serra, foi aprovado em duas comissões na Câmara.
Também conhecido como “AI-5 digital”, uma referência ao Ato Institucional nº 5 que o regime militar baixou em 1968 para fechar o parlamento e acabar com a liberdade de expressão, o PL permite violar os direitos civis, transfere para a sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas e ataca a inclusão digital.
O projeto de Azeredo passa também a tratar como crime sujeito a prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação. Isso pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria em um blog.
Conheça os principais pontos do projeto do Azeredo.
1. Quebra de sigilo
Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.
2. Internet para ricos
Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão.
Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).
3. Ajudinha aos banqueiros
Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem –, é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas, isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.
O que acontece agora?
Atualmente, o “PL Azeredo” tramita na Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a posição do relator Júlio Semeghini, do PSDB-RJ.
A má notícia é que foi esse deputado que garantiu, em outubro de 2009, que o projeto aguardaria o desenrolar dos debates para seguir tramitando. Mas, Semeghini fez o contrário do prometido e tocou o projeto adiante.
Com a provável aprovação, a última alternativa para evitar que vire lei e acabe com a democracia digital no Brasil será o veto do próximo presidente.
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No início de outubro, em um Congresso Nacional esvaziado enquanto o Brasil discute as eleições, o Projeto de Lei (PL) 84/99 do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de José Serra, foi aprovado em duas comissões na Câmara.
Também conhecido como “AI-5 digital”, uma referência ao Ato Institucional nº 5 que o regime militar baixou em 1968 para fechar o parlamento e acabar com a liberdade de expressão, o PL permite violar os direitos civis, transfere para a sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas e ataca a inclusão digital.
O projeto de Azeredo passa também a tratar como crime sujeito a prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação. Isso pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria em um blog.
Conheça os principais pontos do projeto do Azeredo.
1. Quebra de sigilo
Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.
2. Internet para ricos
Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão.
Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).
3. Ajudinha aos banqueiros
Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem –, é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas, isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.
O que acontece agora?
Atualmente, o “PL Azeredo” tramita na Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a posição do relator Júlio Semeghini, do PSDB-RJ.
A má notícia é que foi esse deputado que garantiu, em outubro de 2009, que o projeto aguardaria o desenrolar dos debates para seguir tramitando. Mas, Semeghini fez o contrário do prometido e tocou o projeto adiante.
Com a provável aprovação, a última alternativa para evitar que vire lei e acabe com a democracia digital no Brasil será o veto do próximo presidente.
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O obsceno poder da imprensa chilena
Reproduzo artigo de Paul Walder, publicado na revista Punto Final e traduzido pelo sítio Carta Maior (Katarina Peixoto):
As correntes de opinião se expressam já modeladas e canalizadas e, na medida em que são difundidas, se reforçam e se consolidam. A máquina midiática de amplificação e reiteração consegue colocar na agenda uma informação e transformá-la em uma espécie de evento nacional. A estrutura do “duopólio” mostra aqui seus acordos e sua colusão, como se fosse um cartel. Ainda que o objeto do cartel não seja os preços ou o mercado de publicidade. O consenso está nos conteúdos. Então, uma voz única é escutada em todo o país.
Não é preciso dispor de uma análise exaustiva de conteúdos para fazer esta afirmação. As informações relacionadas com o frustrado pedido de extradição, desde a Argentina, de Sergio Galvarino Apablaza nos lembrou daquela imprensa “monolítica” da ditadura. Uma só voz, uma versão e uma opinião. Sem debate, sem reflexão. Sem pluralismo, que é o mesmo que sem liberdade de expressão. Uma só voz, a da UDI (Unión Democrata Independiente, partido governista), influindo, ordenando consciências, mobilizando toda a classe política em torno de uma única verdade. O país unido; lemos, escutamos, sob a causa dos “direitos humanos”. O duopólio abraçado e sob uma única bandeira. A televisão, como sempre, sobe no mesmo carro.
É o provincianismo em sua pior expressão. Porque é a ignorância manipulada e conduzida. Hoje é o governo argentino, personalizado na presidenta Cristina Fernández, outro dia é Hugo Chávez. Há algumas décadas era o comunismo internacional e, numa determinada ocasião, foi um foguete sinalizador brasileiro. Os meios de comunicação chilenos, tal como ouvimos durante mais de uma década, estão aí (supostamente) para mostrar a verdade. Mas sua versão da realidade é o lugar dos interesses do poder.
Este não é o único caso de desvio informativo no Chile atual. A recente cobertura do conflito chileno-mapuche ou o chamado “caso bombas” têm a mesma inspiração e os mesmos efeitos: uma só versão informativa, uma realidade polarizada, um mundo reduzido e infantilizado, uma divisão esquemática entre bons e maus. A estrutura da telenovela, do reality show das pseudo reportagens se reproduz também na imprensa diária.
Este é o poder da imprensa em sua pior dimensão: a concentração e a colusão. Um poder que forma e deforma, que exibe e oculta. Um poder onipresente que modela as idéias ao sabor dos mais profundos e ocultos interesses. Do outro lado da máquina, está o espectador, o consumidor massivo, vulnerável pela desinformação. Só repete a voz de seu senhor em meio a sua ignorância.
Felizmente, há uma massa crítica de leitores e consumidores de televisão que levantaram sua voz para exigir um direito mínimo, o de estar bem informado, de não ser manipulado e enfraquecido pelo engano. Há algumas semanas, dezenas de estudantes universitários se reuniram em frente ao canal 13 para protestar contra a manipulação de sua cobertura informativa. O protesto foi uma reação cidadã ao silêncio informativo que caracterizou as primeiras semanas da greve de fome dos presos mapuches.
Outra iniciativa cidadã contra o artificial status quo midiático envolveu a Televisão Nacional do Chile que, ao contrário dos meios privados, deveria ter a obrigação de manter um equilíbrio informativo, não segundo os interesses comerciais do mercado, e tampouco de caráter político, mas sim por meio de uma interpretação e cobertura de eventos com real significado social e político. Pensando nisso, um grupo de pessoas criou o Observatório Cidadão da TVN, que semanalmente compara informações emitidas por outros meios com as que efetivamente a TVN apresenta ou com as que são omitidas pelo canal público, mas divulgadas por numerosas agências. Os resultados, que podem ser vistos no jornal digital Clarín do Chile (www.elclarin.cl), são surpreendentes.
Novas gerações de jornalistas já colocaram em marcha campanhas paralelas, cuja força se soma às anteriores e estão colaborando para gerar uma visão e uma consciência mais crítica sobre a atuação dos meios de comunicação. Uma destas ações, impulsionada pela Rede de Meios dos Povos, aponta a máquina midiático-institucional que criminaliza legítimos protestos sociais. Tal como ocorreu durante a ditadura, os meios julgam e condenam, organizando o espectro social sob uma única e muito enviesada visão. As coberturas jornalísticas da TVN, do Canal 13, do El Mercúrio e de La Tercera denunciam os setores mobilizados da sociedade, com o uso freqüente e arbitrário de qualificativos como “criminoso”, “delinqüente”, “antisocial” e “terrorista” para se referir a manifestantes e ativistas. O tratamento dado à comunidade mapuche e aos grupos de jovens que são contra o atual sistema é eloqüente a respeito dessa prática.
Mas há arbitrariedades cometidas pelos meios de comunicação que, em qualquer outro mercado, deveriam tomar a forma de uma denúncia. Existem práticas de colusão entre os meios e instituições provedoras dos conteúdos que acabam sendo empregadas como ferramenta acusatória a grupos e pessoas. Assim, pode-se destruir caprichosamente um cidadão e essa injustiça permanecerá completamente impune. Estamos muito longe de regular e legislar sobre estes abusos e distorções. Os meios concentrados e fundidos com os interesses políticos e econômicos se converteram em um poder onipresente que só responde a esses interesses e a si mesmo. Se há alguma saída, ela passa pelo desenvolvimento de uma consciência crítica que nos permita enfrentar a manipulação e a ignorância.
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As correntes de opinião se expressam já modeladas e canalizadas e, na medida em que são difundidas, se reforçam e se consolidam. A máquina midiática de amplificação e reiteração consegue colocar na agenda uma informação e transformá-la em uma espécie de evento nacional. A estrutura do “duopólio” mostra aqui seus acordos e sua colusão, como se fosse um cartel. Ainda que o objeto do cartel não seja os preços ou o mercado de publicidade. O consenso está nos conteúdos. Então, uma voz única é escutada em todo o país.
Não é preciso dispor de uma análise exaustiva de conteúdos para fazer esta afirmação. As informações relacionadas com o frustrado pedido de extradição, desde a Argentina, de Sergio Galvarino Apablaza nos lembrou daquela imprensa “monolítica” da ditadura. Uma só voz, uma versão e uma opinião. Sem debate, sem reflexão. Sem pluralismo, que é o mesmo que sem liberdade de expressão. Uma só voz, a da UDI (Unión Democrata Independiente, partido governista), influindo, ordenando consciências, mobilizando toda a classe política em torno de uma única verdade. O país unido; lemos, escutamos, sob a causa dos “direitos humanos”. O duopólio abraçado e sob uma única bandeira. A televisão, como sempre, sobe no mesmo carro.
É o provincianismo em sua pior expressão. Porque é a ignorância manipulada e conduzida. Hoje é o governo argentino, personalizado na presidenta Cristina Fernández, outro dia é Hugo Chávez. Há algumas décadas era o comunismo internacional e, numa determinada ocasião, foi um foguete sinalizador brasileiro. Os meios de comunicação chilenos, tal como ouvimos durante mais de uma década, estão aí (supostamente) para mostrar a verdade. Mas sua versão da realidade é o lugar dos interesses do poder.
Este não é o único caso de desvio informativo no Chile atual. A recente cobertura do conflito chileno-mapuche ou o chamado “caso bombas” têm a mesma inspiração e os mesmos efeitos: uma só versão informativa, uma realidade polarizada, um mundo reduzido e infantilizado, uma divisão esquemática entre bons e maus. A estrutura da telenovela, do reality show das pseudo reportagens se reproduz também na imprensa diária.
Este é o poder da imprensa em sua pior dimensão: a concentração e a colusão. Um poder que forma e deforma, que exibe e oculta. Um poder onipresente que modela as idéias ao sabor dos mais profundos e ocultos interesses. Do outro lado da máquina, está o espectador, o consumidor massivo, vulnerável pela desinformação. Só repete a voz de seu senhor em meio a sua ignorância.
Felizmente, há uma massa crítica de leitores e consumidores de televisão que levantaram sua voz para exigir um direito mínimo, o de estar bem informado, de não ser manipulado e enfraquecido pelo engano. Há algumas semanas, dezenas de estudantes universitários se reuniram em frente ao canal 13 para protestar contra a manipulação de sua cobertura informativa. O protesto foi uma reação cidadã ao silêncio informativo que caracterizou as primeiras semanas da greve de fome dos presos mapuches.
Outra iniciativa cidadã contra o artificial status quo midiático envolveu a Televisão Nacional do Chile que, ao contrário dos meios privados, deveria ter a obrigação de manter um equilíbrio informativo, não segundo os interesses comerciais do mercado, e tampouco de caráter político, mas sim por meio de uma interpretação e cobertura de eventos com real significado social e político. Pensando nisso, um grupo de pessoas criou o Observatório Cidadão da TVN, que semanalmente compara informações emitidas por outros meios com as que efetivamente a TVN apresenta ou com as que são omitidas pelo canal público, mas divulgadas por numerosas agências. Os resultados, que podem ser vistos no jornal digital Clarín do Chile (www.elclarin.cl), são surpreendentes.
Novas gerações de jornalistas já colocaram em marcha campanhas paralelas, cuja força se soma às anteriores e estão colaborando para gerar uma visão e uma consciência mais crítica sobre a atuação dos meios de comunicação. Uma destas ações, impulsionada pela Rede de Meios dos Povos, aponta a máquina midiático-institucional que criminaliza legítimos protestos sociais. Tal como ocorreu durante a ditadura, os meios julgam e condenam, organizando o espectro social sob uma única e muito enviesada visão. As coberturas jornalísticas da TVN, do Canal 13, do El Mercúrio e de La Tercera denunciam os setores mobilizados da sociedade, com o uso freqüente e arbitrário de qualificativos como “criminoso”, “delinqüente”, “antisocial” e “terrorista” para se referir a manifestantes e ativistas. O tratamento dado à comunidade mapuche e aos grupos de jovens que são contra o atual sistema é eloqüente a respeito dessa prática.
Mas há arbitrariedades cometidas pelos meios de comunicação que, em qualquer outro mercado, deveriam tomar a forma de uma denúncia. Existem práticas de colusão entre os meios e instituições provedoras dos conteúdos que acabam sendo empregadas como ferramenta acusatória a grupos e pessoas. Assim, pode-se destruir caprichosamente um cidadão e essa injustiça permanecerá completamente impune. Estamos muito longe de regular e legislar sobre estes abusos e distorções. Os meios concentrados e fundidos com os interesses políticos e econômicos se converteram em um poder onipresente que só responde a esses interesses e a si mesmo. Se há alguma saída, ela passa pelo desenvolvimento de uma consciência crítica que nos permita enfrentar a manipulação e a ignorância.
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Movimentos sociais levantam suas bandeiras
Reproduzo artigo de Pedro Carrano, publicado no sítio da Radioagência NP:
Qual deve ser a postura do movimento popular e sindical, e quais as bandeiras centrais no governo Dilma, recém-eleita presidente do país? A ofensiva conservadora que marcou as eleições de 2010, as reivindicações da classe não cumpridas durante o governo Lula e a base econômica deixada pelo atual governo são alguns dos pontos de partida para as lutas dos movimentos sociais, de acordo com as reflexões de suas lideranças.
Para o integrante da coordenação nacional do MST, Gilmar Mauro, o resultado eleitoral não quer dizer apenas uma derrota de José Serra (PSDB), mas da grande mídia como um todo. Mauro avisa que os movimentos sociais terão uma relação de autonomia com o próximo governo, com quem as organizações devem confrontar suas reivindicações. A reforma agrária, por exemplo, não foi pautada na campanha eleitoral deste ano e deve voltar à agenda.
Sobre a questão agrária, Mauro enfatiza que o debate se dá em três frentes: sobre o uso do solo e recursos naturais, que não devem ser transformados em mercadorias, sobre o tipo de alimentos que a população está consumindo, e a serviço de quem serão usadas as tecnologias no campo.
“Eu acho que a reforma agrária é uma das coisas mais modernas do mundo na atualidade. Mas uma reforma agrária vai ter que alterar o modelo agrícola, o modelo de produção, o tipo de comida, o tipo de tecnologia, e esse debate vamos ter que fazer o debate com a sociedade. Esperamos que o governo Dilma possa ajudar, no sentido de favorecer, de criar espaços para que esse debate ocorra e que a sociedade participe da discussão de uma verdadeira reforma agrária que altere a estrutura fundiária no Brasil e o modelo de produção no Brasil.”
A postura do movimento negro será de apoio crítico e pressão permanente em defesa de políticas públicas. Esta é a posição da Uneafro, de acordo com Douglas Belchior, do conselho geral da organização. Para ele, Dilma terá que revisar as políticas de segurança pública que vitimam a população negra em todos os estados. O aprofundamento das políticas de acesso à educação e a pressão pelo Estatuto de Igualdade Racial são pontos estratégicos na avaliação da entidade.
“O movimento negro deve ter uma postura de luta permanente e vamos ocupar as ruas. Também vamos ocupar as universidades no sentido de pressionar para que o governo haja e preste serviço ao povo brasileiro e não para os latifundiários, para os racistas, empresários e banqueiros.”
A base econômica construída nos oito anos de governo Lula resultou na geração de empregos e estancou a flexibilização do trabalho no período Fernando Henrique Cardoso (FHC) é o que analisa o sindicalista Milton Viário, da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e da CUT. Ele enxerga que o momento é de pautar a plataforma unificada dos trabalhadores, construída em 2010 pelo movimento social e sindical. No campo sindical, maior democracia e condições de trabalho, jornada de 40 horas e o fim do fato previdenciário são pontos centrais nesse projeto.
“Nós vamos ter condições melhores para apresentar a plataforma da classe trabalhadora, voltada basicamente no desenvolvimento econômico. Portanto, ampliando a atividade produtiva, mas reivindicando fortemente a geração de empregos de qualidade, empregos aonde se possa ter uma melhor remuneração, empregos aonde se possa ter de fato uma qualificação profissional e que haja a especialização do trabalho.”
A deputada federal recém-eleita pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de São Paulo, Luiza Erundina, aponta que o governo Dilma terá que enfrentar o desafio de maior democratização do Estado brasileiro. O que, de acordo com ela, passa por dois caminhos: reforma política e democratização dos meios de comunicação.
“A reforma política que já tem um acúmulo no Congresso, tem uma frente parlamentar pela reforma política com participação popular. Já tem inclusive um Projeto de Lei de iniciativa popular que está na Comissão de Legislação Participativa e já responde a questões importantes, estruturais do sistema de comunicação. Tem, por exemplo, a reforma Tributária como mecanismo de distribuição de renda.”
Na mesma linha da democratização da mídia como bandeira central para a luta da esquerda, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, avalia que a pressão a partir as bandeiras nascidas no processo das Conferências de Comunicação devem ser pautadas desde janeiro de 2011.
“Este é um ponto da agenda, o debate que as organizações sociais vão ter que estar muito organizadas, mobilizadas, pressionando o governo. Não pensem que vai ser fácil. Eu lembro que a primeira Conferência de Comunicação só saiu no último ano do governo Lula. Era um governo em disputa. E, portanto, nós temos que continuar debatendo isso. O próximo governo da Dilma Roussef também será um governo de disputa.”
A luta das mulheres tem dimensão importante em 2011. Darli Sampaio, da Casa do Trabalhador de Curitiba, acredita que o debate ideológico sobre a questão do aborto nas eleições agora deve ter o efeito contrário. Uma vez que as organizações devem pressionar para obter avanços neste tema. De acordo com ela, a união civil dos homossexuais e os desafios da inserção da mulher no mundo da política também são desafios no debate de gênero.
“Do ponto de vista da organização das mulheres, tem uma pauta já que ela não se esgota, porque as questões não estão resolvidas. Por exemplo, a discussão sobre a questão de gênero, que abarca polêmicas que nós vimos agora no período da campanha, que diz respeito à questão do aborto, aliás, a forma desrespeitosa com que essa discussão foi travada no debate político. O Movimento de Mulheres entende que aborto é uma questão de saúde pública.”
Na avaliação de Luiza Erundina, há um espaço no Estado brasileiro para a politização a partir do governo, mesmo o Estado tendo um caráter de classe.
“É exatamente a forma de governar. É mais do que os resultados, é a forma de dividir o poder, a relação com a sociedade civil. Fatos que leva a uma mudança de cultura política na forma de governar, um governo democrático, além de popular, no sentido de priorizar os interesses da maioria da população. Também ser um governo voltado, desde o primeiro momento, sobre todas as questões estratégicas, a participação popular organizada e politizada. Lamentavelmente não tivemos isso num governo Lula.”
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Qual deve ser a postura do movimento popular e sindical, e quais as bandeiras centrais no governo Dilma, recém-eleita presidente do país? A ofensiva conservadora que marcou as eleições de 2010, as reivindicações da classe não cumpridas durante o governo Lula e a base econômica deixada pelo atual governo são alguns dos pontos de partida para as lutas dos movimentos sociais, de acordo com as reflexões de suas lideranças.
Para o integrante da coordenação nacional do MST, Gilmar Mauro, o resultado eleitoral não quer dizer apenas uma derrota de José Serra (PSDB), mas da grande mídia como um todo. Mauro avisa que os movimentos sociais terão uma relação de autonomia com o próximo governo, com quem as organizações devem confrontar suas reivindicações. A reforma agrária, por exemplo, não foi pautada na campanha eleitoral deste ano e deve voltar à agenda.
Sobre a questão agrária, Mauro enfatiza que o debate se dá em três frentes: sobre o uso do solo e recursos naturais, que não devem ser transformados em mercadorias, sobre o tipo de alimentos que a população está consumindo, e a serviço de quem serão usadas as tecnologias no campo.
“Eu acho que a reforma agrária é uma das coisas mais modernas do mundo na atualidade. Mas uma reforma agrária vai ter que alterar o modelo agrícola, o modelo de produção, o tipo de comida, o tipo de tecnologia, e esse debate vamos ter que fazer o debate com a sociedade. Esperamos que o governo Dilma possa ajudar, no sentido de favorecer, de criar espaços para que esse debate ocorra e que a sociedade participe da discussão de uma verdadeira reforma agrária que altere a estrutura fundiária no Brasil e o modelo de produção no Brasil.”
A postura do movimento negro será de apoio crítico e pressão permanente em defesa de políticas públicas. Esta é a posição da Uneafro, de acordo com Douglas Belchior, do conselho geral da organização. Para ele, Dilma terá que revisar as políticas de segurança pública que vitimam a população negra em todos os estados. O aprofundamento das políticas de acesso à educação e a pressão pelo Estatuto de Igualdade Racial são pontos estratégicos na avaliação da entidade.
“O movimento negro deve ter uma postura de luta permanente e vamos ocupar as ruas. Também vamos ocupar as universidades no sentido de pressionar para que o governo haja e preste serviço ao povo brasileiro e não para os latifundiários, para os racistas, empresários e banqueiros.”
A base econômica construída nos oito anos de governo Lula resultou na geração de empregos e estancou a flexibilização do trabalho no período Fernando Henrique Cardoso (FHC) é o que analisa o sindicalista Milton Viário, da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e da CUT. Ele enxerga que o momento é de pautar a plataforma unificada dos trabalhadores, construída em 2010 pelo movimento social e sindical. No campo sindical, maior democracia e condições de trabalho, jornada de 40 horas e o fim do fato previdenciário são pontos centrais nesse projeto.
“Nós vamos ter condições melhores para apresentar a plataforma da classe trabalhadora, voltada basicamente no desenvolvimento econômico. Portanto, ampliando a atividade produtiva, mas reivindicando fortemente a geração de empregos de qualidade, empregos aonde se possa ter uma melhor remuneração, empregos aonde se possa ter de fato uma qualificação profissional e que haja a especialização do trabalho.”
A deputada federal recém-eleita pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de São Paulo, Luiza Erundina, aponta que o governo Dilma terá que enfrentar o desafio de maior democratização do Estado brasileiro. O que, de acordo com ela, passa por dois caminhos: reforma política e democratização dos meios de comunicação.
“A reforma política que já tem um acúmulo no Congresso, tem uma frente parlamentar pela reforma política com participação popular. Já tem inclusive um Projeto de Lei de iniciativa popular que está na Comissão de Legislação Participativa e já responde a questões importantes, estruturais do sistema de comunicação. Tem, por exemplo, a reforma Tributária como mecanismo de distribuição de renda.”
Na mesma linha da democratização da mídia como bandeira central para a luta da esquerda, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, avalia que a pressão a partir as bandeiras nascidas no processo das Conferências de Comunicação devem ser pautadas desde janeiro de 2011.
“Este é um ponto da agenda, o debate que as organizações sociais vão ter que estar muito organizadas, mobilizadas, pressionando o governo. Não pensem que vai ser fácil. Eu lembro que a primeira Conferência de Comunicação só saiu no último ano do governo Lula. Era um governo em disputa. E, portanto, nós temos que continuar debatendo isso. O próximo governo da Dilma Roussef também será um governo de disputa.”
A luta das mulheres tem dimensão importante em 2011. Darli Sampaio, da Casa do Trabalhador de Curitiba, acredita que o debate ideológico sobre a questão do aborto nas eleições agora deve ter o efeito contrário. Uma vez que as organizações devem pressionar para obter avanços neste tema. De acordo com ela, a união civil dos homossexuais e os desafios da inserção da mulher no mundo da política também são desafios no debate de gênero.
“Do ponto de vista da organização das mulheres, tem uma pauta já que ela não se esgota, porque as questões não estão resolvidas. Por exemplo, a discussão sobre a questão de gênero, que abarca polêmicas que nós vimos agora no período da campanha, que diz respeito à questão do aborto, aliás, a forma desrespeitosa com que essa discussão foi travada no debate político. O Movimento de Mulheres entende que aborto é uma questão de saúde pública.”
Na avaliação de Luiza Erundina, há um espaço no Estado brasileiro para a politização a partir do governo, mesmo o Estado tendo um caráter de classe.
“É exatamente a forma de governar. É mais do que os resultados, é a forma de dividir o poder, a relação com a sociedade civil. Fatos que leva a uma mudança de cultura política na forma de governar, um governo democrático, além de popular, no sentido de priorizar os interesses da maioria da população. Também ser um governo voltado, desde o primeiro momento, sobre todas as questões estratégicas, a participação popular organizada e politizada. Lamentavelmente não tivemos isso num governo Lula.”
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O significado da vitória de Dilma
Por Altamiro Borges
A vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais possui uma dimensão histórica, transcendental. Ela revela os avanços da democracia brasileira e abre uma nova fase na luta por mudanças no país. Após eleger Lula – retirante nordestino, metalúrgico, acidentado, líder grevista e preso pela ditadura militar –, num fato inédito na história, o povo brasileiro repete a façanha e escolhe a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista, preconceituosa e tacanha, sofreu a maior derrota da sua longa existência.
Dilma teve 55.752.493 de votos, o que equivale a 56,05% dos votos válidos – contra 43.711.299 de votos dados ao demotucano José Serra (43,95%). A vitória comprova o prestígio do governo Lula, que goza atualmente de 83% de popularidade. Noutro fato inédito, é a primeira vez na história republicana que um presidente consegue fazer o seu sucessor. Mas a eleição de Dilma não revela apenas a capacidade de transferência de votos do atual governante. Ela indica a elevação do nível de consciência dos brasileiros.
O povo reconheceu na ex-ministra uma pessoa que teve o papel de liderança no atual governo, encabeçando seu ministério de maior peso e seus principais projetos – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e a descoberta do pré-sal. Com a sua vitória, novos horizontes se abrem para a luta dos trabalhadores por seus direitos imediatos e futuros. A derrota de José Serra, candidato das elites e do atraso, expressão do receituário neoliberal regressivo e destrutivo, representa uma vitória dos brasileiros e mais um passo no prolongado processo de acumulação de forças na luta pela superação da miséria e da exploração capitalista.
Mudança da correlação de forças
Além da eleição presidencial, os brasileiros também escolheram os novos governadores das 27 unidades da federação (26 estados e Distrito Federal), 54 senadores (que se unirão aos 27 eleitos em 2.006), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais. Neste democrático processo de renovação, ocorreu uma guinada relativa na correlação de forças políticas no Brasil. As forças de direita, ligadas às elites da cidade e do campo, sofreram uma queda na sua representação. Já os candidatos vinculados às lutas sociais ganharam maior espaço no cenário político.
No caso do Senado, a mudança foi mais sensível. Inimigos jurados do sindicalismo e dos direitos trabalhistas foram surrados nas urnas – como Arthur Virgilio (AM), o valentão que ameaçou dar “uma surra no Lula”, o jagunço Tasso Jereissati (CE) e Marco Maciel (PE), eterno senador e duas vezes vice de FHC, entre outros notórios direitistas. Já na Câmara Federal, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) constatou a redução da bancada dos ruralistas e o ligeiro aumento do número de deputados oriundos do movimento sindical.
Na disputa aos governos estaduais, os tucanos ampliaram sua força, elegendo oito governadores, mas os setores de esquerda também elevaram a sua presença, em especial o PT e o PSB – que elegeram, respectivamente, cinco e seis governadores. Em síntese, a eleição de outubro alterou, mesmo que timidamente, o tabuleiro político, tornando-o mais favorável à luta por mudanças no país. As elites empresariais, porém, ainda preservam ampla maioria no Congresso Nacional.
Radicalização da forças de direita
As eleições também serviram para evidenciar uma nova ofensiva da direita, mais radicalizada e perigosa. Sem ter como defender o legado neoliberal de FHC, que jogou milhões de brasileiros no desemprego e na miséria e quase destruiu a nação, as forças direitistas apelaram para o discurso conservador mais tacanho e raivoso. Na total ausência de propostas concretas, os demotucanos usaram antigos e arraigados preconceitos, religiosos e morais, para promover uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país.
Uma onda de boatos difamatórios, que circulou pela internet e nas igrejas e templos, contaminou o processo político, estimulando o ódio e a divisão da sociedade. Grupos fascistas, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP) e a seita Opus Dei, foram ressuscitados para defender José Serra e para promover ataques caluniosos. Setores religiosos conservadores financiaram publicações e usaram os espaços da fé popular na campanha, num nítido caso de crime eleitoral.
Este tipo de campanha, que apela aos piores preconceitos, não é novidade do Brasil. É importado das nações que vivem um processo de fascistização política, como na Europa, com a perseguição racista aos imigrantes, e nos EUA, com o surgimento do Tea Party, grupo de extrema-direita do Partido Republicano. Ele também traz à lembrança o período da preparação do golpe militar de 1964 no Brasil, com suas “marchas com Deus”, financiadas por empresários e insufladas pelos EUA. Este tipo de campanha fascistóide indica uma tendência de radicalização da luta de classes no país.
Papel nefasto da mídia
Por último, nesta avaliação preliminar, vale destacar o papel cada vez mais influente da mídia no processo eleitoral. Vários especialistas apontam que os jornais, as revistas e as emissoras de TV e rádio se comportaram como partido político, transformando-se em comitês eleitorais de José Serra. O jornal Estadão foi o único que assumiu explicitamente, em editorial, seu apoio ao candidato demotucano. Já o jornal Folha, a revista Veja e a TV Globo, entre outros veículos, usaram velhos padrões de manipulação para ludibriar a sociedade.
Críticas ao governo Lula, mesmo que justas, viraram manchetes e foram bombardeadas durante toda a campanha – como nos casos da quebra do sigilo fiscal e das irregularidades na Casa Civil. Já o candidato Serra foi totalmente blindado, com a mídia ocultando suas falhas na administração de São Paulo ou seus podres de campanha, como o caixa-dois organizado por Paulo Preto, ex-diretor do Dersa.
Contra Dilma Rousseff, a imprensa inventou uma falsa ficha policial, acusou-a de ser favorável ao aborto, culpou-a até pelo apagão elétrico herdado do presidente FHC. Contra Serra, tudo foi abafado ou omitido. A TV Globo, maior império midiático do país, nada falou sobre o aborto de sua mulher, Monica Serra, relatado por ex-alunas, e tentou esconder as suspeitas de maracutaias nas obras viárias em São Paulo.
A manipulação da mídia nestas eleições foi vergonhosa, criminosa, e coloca na ordem do dia o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações no país – a exemplo do que já foi feito até nos EUA e Europa e que hoje é discutido na Argentina, Venezuela e em outros países da América Latina. Não dá mais para tolerar a ditadura midiática! É urgente democratizar os meios de comunicação no país, pondo fim aos monopólios e estimulando a pluralidade informativa.
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A vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais possui uma dimensão histórica, transcendental. Ela revela os avanços da democracia brasileira e abre uma nova fase na luta por mudanças no país. Após eleger Lula – retirante nordestino, metalúrgico, acidentado, líder grevista e preso pela ditadura militar –, num fato inédito na história, o povo brasileiro repete a façanha e escolhe a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista, preconceituosa e tacanha, sofreu a maior derrota da sua longa existência.
Dilma teve 55.752.493 de votos, o que equivale a 56,05% dos votos válidos – contra 43.711.299 de votos dados ao demotucano José Serra (43,95%). A vitória comprova o prestígio do governo Lula, que goza atualmente de 83% de popularidade. Noutro fato inédito, é a primeira vez na história republicana que um presidente consegue fazer o seu sucessor. Mas a eleição de Dilma não revela apenas a capacidade de transferência de votos do atual governante. Ela indica a elevação do nível de consciência dos brasileiros.
O povo reconheceu na ex-ministra uma pessoa que teve o papel de liderança no atual governo, encabeçando seu ministério de maior peso e seus principais projetos – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e a descoberta do pré-sal. Com a sua vitória, novos horizontes se abrem para a luta dos trabalhadores por seus direitos imediatos e futuros. A derrota de José Serra, candidato das elites e do atraso, expressão do receituário neoliberal regressivo e destrutivo, representa uma vitória dos brasileiros e mais um passo no prolongado processo de acumulação de forças na luta pela superação da miséria e da exploração capitalista.
Mudança da correlação de forças
Além da eleição presidencial, os brasileiros também escolheram os novos governadores das 27 unidades da federação (26 estados e Distrito Federal), 54 senadores (que se unirão aos 27 eleitos em 2.006), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais. Neste democrático processo de renovação, ocorreu uma guinada relativa na correlação de forças políticas no Brasil. As forças de direita, ligadas às elites da cidade e do campo, sofreram uma queda na sua representação. Já os candidatos vinculados às lutas sociais ganharam maior espaço no cenário político.
No caso do Senado, a mudança foi mais sensível. Inimigos jurados do sindicalismo e dos direitos trabalhistas foram surrados nas urnas – como Arthur Virgilio (AM), o valentão que ameaçou dar “uma surra no Lula”, o jagunço Tasso Jereissati (CE) e Marco Maciel (PE), eterno senador e duas vezes vice de FHC, entre outros notórios direitistas. Já na Câmara Federal, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) constatou a redução da bancada dos ruralistas e o ligeiro aumento do número de deputados oriundos do movimento sindical.
Na disputa aos governos estaduais, os tucanos ampliaram sua força, elegendo oito governadores, mas os setores de esquerda também elevaram a sua presença, em especial o PT e o PSB – que elegeram, respectivamente, cinco e seis governadores. Em síntese, a eleição de outubro alterou, mesmo que timidamente, o tabuleiro político, tornando-o mais favorável à luta por mudanças no país. As elites empresariais, porém, ainda preservam ampla maioria no Congresso Nacional.
Radicalização da forças de direita
As eleições também serviram para evidenciar uma nova ofensiva da direita, mais radicalizada e perigosa. Sem ter como defender o legado neoliberal de FHC, que jogou milhões de brasileiros no desemprego e na miséria e quase destruiu a nação, as forças direitistas apelaram para o discurso conservador mais tacanho e raivoso. Na total ausência de propostas concretas, os demotucanos usaram antigos e arraigados preconceitos, religiosos e morais, para promover uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país.
Uma onda de boatos difamatórios, que circulou pela internet e nas igrejas e templos, contaminou o processo político, estimulando o ódio e a divisão da sociedade. Grupos fascistas, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP) e a seita Opus Dei, foram ressuscitados para defender José Serra e para promover ataques caluniosos. Setores religiosos conservadores financiaram publicações e usaram os espaços da fé popular na campanha, num nítido caso de crime eleitoral.
Este tipo de campanha, que apela aos piores preconceitos, não é novidade do Brasil. É importado das nações que vivem um processo de fascistização política, como na Europa, com a perseguição racista aos imigrantes, e nos EUA, com o surgimento do Tea Party, grupo de extrema-direita do Partido Republicano. Ele também traz à lembrança o período da preparação do golpe militar de 1964 no Brasil, com suas “marchas com Deus”, financiadas por empresários e insufladas pelos EUA. Este tipo de campanha fascistóide indica uma tendência de radicalização da luta de classes no país.
Papel nefasto da mídia
Por último, nesta avaliação preliminar, vale destacar o papel cada vez mais influente da mídia no processo eleitoral. Vários especialistas apontam que os jornais, as revistas e as emissoras de TV e rádio se comportaram como partido político, transformando-se em comitês eleitorais de José Serra. O jornal Estadão foi o único que assumiu explicitamente, em editorial, seu apoio ao candidato demotucano. Já o jornal Folha, a revista Veja e a TV Globo, entre outros veículos, usaram velhos padrões de manipulação para ludibriar a sociedade.
Críticas ao governo Lula, mesmo que justas, viraram manchetes e foram bombardeadas durante toda a campanha – como nos casos da quebra do sigilo fiscal e das irregularidades na Casa Civil. Já o candidato Serra foi totalmente blindado, com a mídia ocultando suas falhas na administração de São Paulo ou seus podres de campanha, como o caixa-dois organizado por Paulo Preto, ex-diretor do Dersa.
Contra Dilma Rousseff, a imprensa inventou uma falsa ficha policial, acusou-a de ser favorável ao aborto, culpou-a até pelo apagão elétrico herdado do presidente FHC. Contra Serra, tudo foi abafado ou omitido. A TV Globo, maior império midiático do país, nada falou sobre o aborto de sua mulher, Monica Serra, relatado por ex-alunas, e tentou esconder as suspeitas de maracutaias nas obras viárias em São Paulo.
A manipulação da mídia nestas eleições foi vergonhosa, criminosa, e coloca na ordem do dia o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações no país – a exemplo do que já foi feito até nos EUA e Europa e que hoje é discutido na Argentina, Venezuela e em outros países da América Latina. Não dá mais para tolerar a ditadura midiática! É urgente democratizar os meios de comunicação no país, pondo fim aos monopólios e estimulando a pluralidade informativa.
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Veja bajula Dilma. É muito cínica!
Por Altamiro Borges
Das três, uma ou todas juntas: ou a revista Veja acha que seu leitor é um imbecil – no que tem parte de razão; ou ela gosta de fazer provocações; ou ela é oportunista e está atrás de anúncios publicitários. Após satanizar Dilma Rousseff, o panfleto direitista da famíglia Civita publicou às pressas uma edição extra para bajular a presidenta eleita.
Já na apresentação, a maior caradura: “Uma vitória de todos os brasileiros”. Que brasileiros cara pálida – ou melhor, filhote do Tio Sam? Nos dois meses finais da disputa eleitoral, a revista Veja estampou sete capas raivosas contra a candidata. Na véspera do eletrizante segundo turno, ela até acusou a ex-ministra de pressionar o secretário de Direitos Humanos para produzir dossiês contra José Serra. Não apresentou provas da acusação, nem sequer o áudio da suposta escuta telefônica.
Falsidade ideológica
Seus colunistas, sempre presos à coleira da famíglia Civita, acusaram a candidata de tudo o que é imaginável e inimaginável. Ou ela era “frágil, uma marionete do Lula”, ou ela era “autoritária e arrogante”, o inverso do conciliador Lula, e “romperia com o presidente”. No geral, todos eles rosnaram que “Dilma é incompetente”, “não tem habilidade política”, é uma “mera burocrata”.
Agora, a edição especial – que deveria ser processada por falsidade ideológica ou por desrespeito ao consumidor – “comemora a eleição de Dilma Rousseff”. A revista também traz os principais trechos do seu primeiro discurso após o anúncio do resultado do pleito. “O pronunciamento, feito na noite de domingo, mostrou uma presidente eleita senhora do lugar que agora ocupa e com plena consciência das prioridades políticas, econômicas e sociais do país”.
Medo da regulamentação do setor
Na escolha dos principais trechos, a Veja novamente tenta se travestir de baluarte da democracia. “Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento de que ‘as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório’. Um grande começo”. A revistinha fascistóide morre mesmo de medo do avanço no debate sobre a democratização dos meios de comunicação no país.
Dilma Rousseff deve tomar muito cuidado com as bajulações da famíglia Civita. Agora, ela posa de civilizada. Mercenária, quer arrancar fartos anúncios publicitários. Direitista convicta, deseja enquadrar o futuro governo no figurino neoliberal. Ela perdeu a eleição, mas almeja ser vitoriosa política e comercialmente. Caso não consiga, apostará na desestabilização golpista, como já fez com Lula. E, na próxima campanha eleitoral, será novamente o cabo-eleitoral da direita.
Reação dos fiéis seguidores
Já os seus fanáticos leitores da TFP (Tradição, Família e Propriedade), do Opus Dei, das seitas fundamentalistas e da classe “mérdia” individualista e egoísta não precisam ficar preocupados. A revista Veja não mudou de lado. Não se converteu ao esquerdismo. Continuará destilando seu ódio ao sindicalismo, ao MST e a qualquer proposta mais progressista no Brasil e no mundo.
Mas não custa fazer uma sugestão a estes seres tão inteligentes: por que vocês, leitores fiéis, não cancelam de imediato a assinatura da Veja. Seria um alerta à famíglia Civita. Ajudaria a manter a revista como o principal partido da direita no país e como a sucursal rastaqüera dos interesses do império no Brasil. Além disso, garantiria o emprego de seus colunistas de coleira.
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Das três, uma ou todas juntas: ou a revista Veja acha que seu leitor é um imbecil – no que tem parte de razão; ou ela gosta de fazer provocações; ou ela é oportunista e está atrás de anúncios publicitários. Após satanizar Dilma Rousseff, o panfleto direitista da famíglia Civita publicou às pressas uma edição extra para bajular a presidenta eleita.
Já na apresentação, a maior caradura: “Uma vitória de todos os brasileiros”. Que brasileiros cara pálida – ou melhor, filhote do Tio Sam? Nos dois meses finais da disputa eleitoral, a revista Veja estampou sete capas raivosas contra a candidata. Na véspera do eletrizante segundo turno, ela até acusou a ex-ministra de pressionar o secretário de Direitos Humanos para produzir dossiês contra José Serra. Não apresentou provas da acusação, nem sequer o áudio da suposta escuta telefônica.
Falsidade ideológica
Seus colunistas, sempre presos à coleira da famíglia Civita, acusaram a candidata de tudo o que é imaginável e inimaginável. Ou ela era “frágil, uma marionete do Lula”, ou ela era “autoritária e arrogante”, o inverso do conciliador Lula, e “romperia com o presidente”. No geral, todos eles rosnaram que “Dilma é incompetente”, “não tem habilidade política”, é uma “mera burocrata”.
Agora, a edição especial – que deveria ser processada por falsidade ideológica ou por desrespeito ao consumidor – “comemora a eleição de Dilma Rousseff”. A revista também traz os principais trechos do seu primeiro discurso após o anúncio do resultado do pleito. “O pronunciamento, feito na noite de domingo, mostrou uma presidente eleita senhora do lugar que agora ocupa e com plena consciência das prioridades políticas, econômicas e sociais do país”.
Medo da regulamentação do setor
Na escolha dos principais trechos, a Veja novamente tenta se travestir de baluarte da democracia. “Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento de que ‘as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório’. Um grande começo”. A revistinha fascistóide morre mesmo de medo do avanço no debate sobre a democratização dos meios de comunicação no país.
Dilma Rousseff deve tomar muito cuidado com as bajulações da famíglia Civita. Agora, ela posa de civilizada. Mercenária, quer arrancar fartos anúncios publicitários. Direitista convicta, deseja enquadrar o futuro governo no figurino neoliberal. Ela perdeu a eleição, mas almeja ser vitoriosa política e comercialmente. Caso não consiga, apostará na desestabilização golpista, como já fez com Lula. E, na próxima campanha eleitoral, será novamente o cabo-eleitoral da direita.
Reação dos fiéis seguidores
Já os seus fanáticos leitores da TFP (Tradição, Família e Propriedade), do Opus Dei, das seitas fundamentalistas e da classe “mérdia” individualista e egoísta não precisam ficar preocupados. A revista Veja não mudou de lado. Não se converteu ao esquerdismo. Continuará destilando seu ódio ao sindicalismo, ao MST e a qualquer proposta mais progressista no Brasil e no mundo.
Mas não custa fazer uma sugestão a estes seres tão inteligentes: por que vocês, leitores fiéis, não cancelam de imediato a assinatura da Veja. Seria um alerta à famíglia Civita. Ajudaria a manter a revista como o principal partido da direita no país e como a sucursal rastaqüera dos interesses do império no Brasil. Além disso, garantiria o emprego de seus colunistas de coleira.
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