Reproduzo entrevista concedida à jornalista Luana Bonone, publicada no sítio Vermelho:
O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, em entrevista exclusiva, falou ao Vermelho sobre as expectativas relacionadas à eleição da presidente Dilma Rousseff, comentou a polêmica sobre o valor do salário mínimo para 2011 e pautou as principais bandeiras do movimento sindical que serão priorizadas desde o início do próximo governo.
Para Wagner Gomes, banqueiros já ganharam demais, é hora da Dilma "pôr o guizo no gato". Perguntado sobre as tarefas e os desafios dos movimentos sociais no próximo período, Wagner Gomes foi claro: "Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda".
Leia a íntegra da entrevista, em que o presidente da CTB elege a mudança da política macroeconômica como uma prioridade das centrais.
Como a CTB vê a eleição de Dilma Rousseff?
Desde o começo do ano as centrais sindicais se reuniram para ver de que modo participariam da eleição para presidente neste ano. A resolução que nós tomamos foi de que deveríamos ter uma participação ativa nas eleições, e não apenas indicar o voto em um candidato ou candidata. Então surgiu a ideia de fazer a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que foi o encontro das centrais onde nós preparamos uma plataforma. No nosso documento tem a opinião do movimento sindical sobre todas as questões centrais do Brasil, que é a agenda da Classe Trabalhadora, que foi debatida nos estados e aprovada no dia 1º de junho no estádio do Pacaembu aqui em São Paulo. Com esse documento nas mãos, nós tiramos a diretiva de apoiar a candidata que nós considerávamos a única que atenderia ao perfil desse documento.
Desde o primeiro turno...
Desde o primeiro turno. E chegamos à conclusão que nós precisaríamos continuar o processo de mudanças que o país vem adotando. Não só continuar, como aprofundar essas mudanças. Nós achamos que o presidente Lula, em oito anos, fez um governo de avanço, mas que o próximo governo tinha que aprofundar essas mudanças. Em cima desse raciocínio e com esse documento nós tiramos apoio à candidata Dilma já no primeiro turno e saímos à caça de votos para que a presidente Dilma fosse eleita.
Qual o significado da eleição da Dilma para os trabalhadores?
São dois. O primeiro é a perspectiva de continuar esse processo de mudança do nosso país. O Brasil precisa avançar e aprofundar as mudanças, isso inclusive nós discutimos com a candidata. Houve realizações necessárias nesse primeiro período, mas tem coisas que precisam melhorar, precisam avançar. Não dá para fazer um governo igual ao do Lula, ela tem que fazer um governo mais avançado. Quer dizer, as transformações têm que ser mais profundas do que foi feito no governo Lula. Essa é a nossa expectativa.
O segundo, que vem colado, é a valorização do papel da mulher na política. Queiramos ou não, a eleição de uma mulher para presidente traz uma luta contra um preconceito antigo em relação ao papel da mulher na sociedade. Quer dizer, no ano que vem nós vamos ter uma mulher no mais alto posto da política brasileira.
Eu acho que o segundo turno começou com um debate que não era o central, esse debate do aborto, da questão da religião, não era o problema central, mas depois, quando entrou no debate sobre o Estado, sobre que tipo de Estado cada candidatura defendia, esse problema das privatizações... foi aí que a candidatura da Dilma de fato decolou de vez e ganhou a eleição, com uma margem de votos grande. Quando politizou a campanha, aí sim a nossa candidata, a Dilma, cresceu. Ela tem uma responsabilidade grande, né? Vai entrar no lugar de um presidente que tem muita aprovação popular, de 83%... agora, se ela fizer um governo voltado para o desenvolvimento do país, eu tenho a impressão de que ela também, no final dos quatro anos, vai ter seguramente uma aprovação muito grande por parte do povo.
Vamos falar das bandeiras para esse desenvolvimento do país... Nos últimos oito anos as centrais foram legalizadas, o que significou um avanço para a organização dos trabalhadores no país, houve política de valorização do salário mínimo, então houve alguns avanços importante do ponto de vista do movimento sindical, da organização dos trabalhadores e da conquista de direitos. Que bandeiras são as mais centrais, as mais estruturais neste momento, para que esse avanço seja mais ousado, para que haja conquistas para além do governo Lula, como você acabou de mencionar?
O Brasil tem que fazer algumas reformas em profundidade. A reforma política é uma delas, que tem que ser uma reforma baseada no aspecto democrático. O Brasil tem que fazer uma reforma fiscal para pôr o dedo nessa sangria que é a economia brasileira e os juros que o Brasil ainda paga, juros internos muito altos. E a outra questão é desenvolvimento. O Brasil precisa criar as condições para se desenvolver com soberania. Nós temos aí esse problema do Pré-Sal que há uma disputa grande sobre para que lado vai, e o Pré-Sal é uma riqueza que o país tem que ter como do povo mesmo. A gente que está aqui de fora não percebe, mas a luta no Congresso, a luta entre os privatistas e os que defendem o Estado brasileiro é grande. Então nós temos que atentar para isso.
Nós temos que ver também esse problema do emprego. O Brasil precisa gerar mais empregos. Banqueiros já ganharam demais no Brasil, está na hora de eles também darem a parte deles para o desenvolvimento da nossa nação. Neste momento vivemos o problema da guerra fiscal. Os EUA jogaram 600 bilhões de dólares para poder competir com as outras moedas, para eles poderem exportar mais. Se a gente continuar do jeito que está, com o real supervalorizado, nós vamos ter dificuldades de exportar produtos e nós podemos ter problemas. Então a presidente Dilma tem uma tarefa grande para fazer. E isso tem que ter uma equipe que queira fazer. Nós sabemos que o governo é uma composição de forças. Tem gente lá de centro, tem gente de centro-direita e tem gente de esquerda. Eu acho que a presidente tem que ouvir igualmente todos os setores da sociedade. Eu espero que o setor de esquerda possa opinar no destino do Brasil nos próximos quatro anos. Porque é a única forma de a gente ter certeza de que as mudanças serão aprofundadas.
Sobre o Salário Mínimo. Não existe ainda uma política de Estado. Na entrevista coletiva que a presidente eleita Dilma deu no Planalto ela disse que o Salário Mínimo pode chegar a 600 reais em 2011, chegou a falar em aumento maior para 2012, apostando muito no crescimento do Brasil. Essa não parecer ser, entretanto, a postura dos atuais Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O Executivo propõe para o Orçamento 2011 R$ 538,15, tanto que é o debate que as centrais estão tendo com o governo... aí o relator Gim Argello (PTB) propõe R$ 540,00, que é um arredondamento desta proposta. Como é o acordo das centrais com o governo Lula e qual é a proposta das centrais para o Salário Mínimo?
Nós fizemos um acordo com o governo que vigora até 2023. Tem uma lei no Congresso; não tramitou, mas está lá com esse acordo. Então a primeira coisa que nós temos que fazer, e vamos já conversar na semana que vem, é ver como aprovar essa lei do Salário Mínimo, que diz o seguinte: o Salário Mínimo será corrigido; terá a correção da inflação e o PIB de 2 anos atrás. Todo ano você tem a correção da inflação e do PIB de dois anos atrás. Qual o problema que ocorreu em 2011? Você vai pegar a inflação de 2010 mais o PIB de 2009. Só que o PIB de 2009 foi zero. Portanto, o Salário Mínimo para 2011 teria só o reajuste da inflação, sem nada do PIB. O que nós negociamos para 2011 e a presidente Dilma aceitou? Que era preciso arrumar alguma compensação para esse PIB de 2009 que foi zero. Então essa é a discussão, de qual a porcentagem que será utilizada para, junto com a inflação, compor o salário de 2011. Se fosse aplicar só o que está no acordo, o salário seria 538 reais. Nós achamos, e vamos discutir com a equipe de transição, que é preciso colocar algum índice em 2009, para poder não ficar defasado. A presidente concorda com isso. Agora, qual é a discussão: a inflação e mais quanto? Esse é o problema. Nós achamos que mais 4% seria um número razoável. Botaria 4% do PIB de 2009, apesar de ter dado zero, mais a inflação de 2010, para poder dar o salário de 2011. O debate é esse.
Agora, em 2012, que é calculado um ano antes, o salário seguramente vai ser maior que 600 reais, porque ele vai pegar a inflação de 2011 mais o PIB de 2010, que foi 7%. Então vai ser um reajuste que vai passar dos 600 reais. Na imprensa acabou saindo um pouco confuso, mas vai passar de 600 reais em 2012. Para 2011 não. Então esse é o debate em relação ao Salário Mínimo.
Mas qual critério vocês estão propondo? Por que, por exemplo, 4%?
A ideia é tirar uma média do aumento do PIB dos últimos 5 anos e aplicar em cima de 2009. Eu não sei qual é a proposta que o governo vai fazer. Porque a discussão que as centrais vão fazer sobre o Salário Mínimo é com o governo, e não com o Congresso. Ainda não houve a primeira conversa. A Dilma sinalizou que quer dar alguma coisa além de zero, ela diz que já tem compromisso com isso, já tem opinião formada. Agora, quanto vai ser? Essa é a discussão que nós faremos com ela assim que voltar da viagem com o presidente Lula. Aí serão abertas as discussões para ver quanto porcento a gente joga para 2009, que, somado à inflação de 2010, dá o Salário Mínimo de 2011.
Uma coisa já foi dita pela Dilma: ela acha que aplicar o zero porcento, que foi o PIB de 2009, defasa o Salário Mínimo. Ela acha que tem que ter alguma porcentagem. Mas também não falou quanto. Então vai se estabelecer uma negociação das centrais com o governo para saber quanto consideramos para 2009.
Por enquanto não há mobilizações marcadas das centrais?
Não, porque a mobilização depende da resposta do governo. Evidente que se o governo fizer uma proposta que não atenda às centrais sindicais, aí sim... As centrais inclusive estão fazendo hoje uma reunião com o deputado Gim Argello, que é o relator do Orçamento, pedindo para que ele considere, na peça que ele vai apresentar no Senado hoje, 4% de reajuste a mais no Salário Mínimo. As centrais estão conversando com ele, não sabemos o resultado ainda, mas na verdade essa negociação vai acabar sendo feita mesmo com a presidente e com a equipe econômica que ela deve nomear logo.
4% levaria o salário para um pouco mais de 560 reais...
É, a idéia é que ele chegue por volta de 560, 570 reais. Os 600 reais que o Serra usou para tentar jogar fumaça nos olhos dos eleitores... ele prometeu uma coisa que ele não poderia nem cumprir... porque quem determina o salário de 2011 é o governo anterior, então mesmo que ele tivesse ganho a eleição, ele não teria como pagar um salário de 600 reais, porque o Orçamento já estaria definido antes dele entrar na presidência. Então ele tentou fazer um jogo de fumaça, mas ninguém caiu e felizmente ele perdeu a eleição. Então esse problema do Salário Mínimo... essa política que já vem desde 2002, ela foi um dos fatores para o Brasil sofrer menos por conta da crise mundial.
O então candidato Serra propunha um valor para o Salário, não propunha uma política... os 600 reais poderiam até servir para 2011, mas e para os próximos anos?
Eu acho que ele faria o que fez o Fernando Henrique. O Fernando Henrique, quando assumiu, deu um reajuste muito bom para o Salário Mínimo. Mas depois passou sete anos sem reajuste... deve ser a mesma receita. Eu acho que o Serra daria um reajuste até bom, mas depois não daria mais reajuste nenhum, o que para nós não resolve. O que resolve para nós é esta política que garante a inflação mais o PIB até 2023. Se essa lei for aprovada - porque não foi aprovada ainda e isso é importante... para aprovar vai ser uma batalha grande – nós vamos chegar em 2023 com um Salário Mínimo bem razoável para que a população de baixa renda possa ter uma vida pelo menos com um mínimo de decência, que possa ter um lugar decente para morar, possa se alimentar com alguma consistência. Então nós estamos interessados em aprovar essa política.
Além do salário mínimo, que outras políticas centrais deveriam ser priorizadas pelo governo, ou que os movimentos sociais deveriam priorizar na batalha logo no início do novo governo?
O problema da política macro-econômica é um problema grande. Esse problema dos juros, que nós já conversamos, esse problema da supervalorização da moeda brasileira, que derruba as nossas importações, porque a nossa moeda fica com um valor artificial, muito valorizada, então ninguém compra do Brasil... ao contrário, você só importa, não vende nada. Eu acho que isso é uma questão importante. Eu acho que a montagem do governo vai determinar para que lado vai... se a presidente Dilma vai continuar com a mesma política ou se pretende aprofundar as mudanças. Então, estamos aguardando o ministério. Eu acho que no Brasil essas reformas de base precisam ser feitas na área da educação... precisamos de uma política radical de modernização dos portos, dos aeroportos, o Brasil precisa se preparar para poder ser um país que importe, mas que possa exportar muito. E isso é decisivo. Mas com essa política, com essa guerra cambial, o Brasil corre o risco de não conseguir exportar nada, e isso faz com que caia também o emprego. Então, eu acho que os movimentos sociais precisarão ter uma atuação grande para referendar e manter o que tem, que não é fácil, e fazer o nosso país ter mudanças de qualidade, para que a gente possa jogar um papel de protagonismo na política mundial.
E também a questão financeira. Os bancos já ganharam muito. Então o Brasil precisa fazer uma reforma fiscal, uma reforma tributária, que sejam coisas que tragam benefícios para a nação. E aí quem ganha mais tem que pagar mais, né? Vai ser também uma queda de braço, porque o sistema financeiro continua sendo o que mais ganha no Brasil. Nunca ganharam tanto dinheiro como estão ganhando agora, apesar do governo Lula fazer uma política mais popular.
E é um dinheiro que não tem base na produção.
Não, ele só ganha. Risco zero. Ele tem lá uma fortuna, aplica, ganha, joga o dinheiro para fora do Brasil... até para os empresários acaba ficando uma situação que é mais fácil aplicar no mercado financeiro do que investir na indústria. E mercado financeiro não gera emprego. Ele gera uma fortuna para quem investe. Então isso precisa ser resolvido, precisa ter um jeito de forçar para que quem tem dinheiro invista na produção, que é o que gera emprego, que é o que gera riqueza para o Brasil.
E o que é esse “ser resolvido”? Porque esse é o modelo da economia no mundo... você diz um estímulo interno maior para a produção?
Os economistas mais nacionalistas apresentam formas para fazer com que aplicações na produção gerem um ganho razoável. Do jeito que está hoje, por que quem tem dinheiro vai arriscar montar uma empresa? Se ele pode pegar o dinheiro dele e aplicar na ciranda financeira, e ganhar, sem risco nenhum? Então tem que ter uma forma para que quem invista na produção possa ganhar, tenha garantia de que vai ganhar. Aí, tendo isso, você tem emprego, você tem mais gente ganhando salário, as pessoas compram mais, o que exige mais produção. É a famosa roda que faz a produção no país.
Neste mês o instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está organizando uma Conferência sobre Desenvolvimento em Brasília, cujo alvo principal são justamente as organizações sociais. Você acha que esse vai ser um espaço dessa disputa? Tem alguma condição dos movimentos conseguirem se organizar para jogar um papel, por exemplo, nessa Conferência, e construir outros espaços similares?
Inclusive eu acabei de receber um convite aqui do Ipea para eu falar lá sobre o tema “os trabalhadores e a macroeconomia”. Dia 25 de novembro. Eu acho que as centrais sindicais, os trabalhadores, além das questões econômicas do salário, da condição de trabalho, têm que opinar fortemente nessa questão. O Brasil não mudou nada na questão macroeconômica. Não mexeu nada. Há muitos anos está do mesmo jeito. Isso criou um gargalo que, ou você faz mudanças na macroeconomia, para o país poder ter um avanço, ou a tendência é patinar e voltar para trás. E quando falo em macroeconomia, isso envolve setor financeiro, setor empresarial, reformas de profundidade, para o país poder continuar crescendo. E uma das coisas que vai ser debatida lá é isso. O Brasil hoje tem uma quantidade de dólar investido, um dinheiro que entra e sai todo dia, deposita hoje e já leva embora, que nenhum país tem mais. O Brasil está hoje em uma situação em que todo mundo vem aqui aplicar e leva embora, e isso precisa ser atacado.
Não tem controle do fluxo de capitais...
Nenhum. E isso precisa ser atacado. O Brasil tem que estar voltado para a produção. E aí tem que por a mão no setor mais complicado que tem, que é o setor financeiro. A Dilma tem respaldo popular para enfrentar isso, para dizer para o sistema financeiro: vocês agora vão ter que ajudar no crescimento do país, já ganharam bastante, então vamos ver um jeito aqui para que o Brasil não viva de especulação, mas viva produzindo para poder gerar emprego. Essa é a hora de por o guizo no pescoço do gato. Tem que chegar neles e dizer: no meu governo a prioridade é a produção e vai ser dessa forma. E desestimulando a ciranda financeira, você joga, quase que de forma automática, o dinheiro para o setor produtivo.
Tem algo importante ainda que você queira abordar?
Eu acho que as centrais têm como tarefa influenciar o governo. E como agora a coisa já está mais pé no chão, nós vamos ter que cobrar mais. Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Essa é a nossa palavra de ordem: desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Com isso como faixa, como bandeira principal, a gente deve ter uma posição independente e cobrar para que seja aplicado esse documento, pois nós fizemos um grande debate em torno dele.
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