domingo, 11 de novembro de 2012

Cuba e a retórica dos direitos humanos

Por Salim Lamrani, no sítio Opera Mundi:

A União Europeia impõe uma Posição Comum – a única no continente americano – desde 1996 ao governo cubano. Esta limita as negociações políticas, diplomáticas e culturais pela situação dos “direitos humanos e das liberdades fundamentais”. A Posição Comum constitui o pilar da política externa de Bruxelas em relação a Havana e representa o principal obstáculo para a normalização das relações bilaterais.

Com efeito, os Estados Unidos justificam oficialmente a imposição das sanções econômicas, em vigor desde julho de 1960, afetando todos os setores da sociedade cubana, em particular, os mais vulneráveis, pelas violações dos direitos humanos. De 1960 a 1991, Washington explicou que a aliança com a União Soviética era a razão de sua hostilidade em relação a Cuba. Desde o desmoronamento do bloco socialista, as diferentes administrações, desde George H. W. Bush até Barack Obama, vêm utilizando a retórica dos direitos humanos para explicar o estado de sítio anacrônico que, longe de afetar os dirigentes do país, faz com que idosos, mulheres e crianças paguem o preço das divergências políticas entre as duas nações.

Uma Posição Comum discriminatória e ilegítima

A Posição Comum, que oficialmente se justifica pela situação dos direitos humanos, é discriminatória na medida em que o único país do continente americano, do Canadá à Argentina, que a União Europeia estigmatiza desta maneira é Cuba. No entanto, segundo o último relatório da AI (Anistia Internacional), a Ilha do Caribe está longe de ser o pior aluno do hemisfério norte em termos de violação dos direitos fundamentais.

A Posição Comum é também ilegítima. De fato, a Anistia Internacional apresenta um balanço duro e sem concessões sobre a situação dos direitos humanos no Velho Continente. Assim, para Cuba, e ao contrário dos países membros da União Europeia, a Anistia Internacional não destaca nenhum caso

- de assassinato cometido pelas forças da ordem (Áustria, Bulgária, França, Itália, Reino Unidos, Suécia);

- de assassinato de menores pelas forças da ordem (Grécia);
- de assassinato de crianças que sofrem de transtornos mentais (Bulgária);
- de responsabilidade em um genocídio (Bélgica);
- de atos de tortura e tratos desumanos ou degradantes pelas autoridades (Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Itália, Portugal, Romênia, Reino Unido);
- de atos de tortura e tratos desumanos ou desumanos pelas autoridades contra menores (Bélgica, Bulgária, Dinamarca);
- de atos de tortura pelas autoridades com o apoio do mais alto nível do Estado (Reino Unido);
- de impunidade pelas forças da ordem culpadas de assassinato (Bulgária, França, Suécia);
- de impunidade para as forças da ordem culpadas de tortura e de outros maus tratos (Alemanhã, Bélgica, Espanha);
- de uso de provas obtidas sob tortura (Romênia);
- de obstáculo à justiça e às indenizações para as vítimas de tortura e de maus tratos cometidos pelas forças da ordem (Alemanha);
- de expulsão de pessoas, inclusive de menores, para países que praticam tortura ou onde há riscos de perseguição (Alemanha, Áustria, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Itália, Malta, Países Baixos, Reino Unido, Suécia);
- de repressão violenta de manifestantes por parte das forças da ordem (Alemanha, Bélgica, Grécia);
- de brutalidades policiais com caráter racista contra estrangeiros e membros das minorias étnicas (Áustria);
- de prisão secreta de presos e de transferência a países que praticam a tortura (Alemanha, Bélgica, Lituânia, Romênia);
- de tráfico de seres humanos e de escravidão (Chipre, Espanha, Grécia, Itália, Reino Unido);
- de trabalhos forçados (Chipre);
- de suicídio de menores na prisão (Áustria);
- de falta de assistência médica, social ou jurídica para os solicitantes de asilo (Bélgica);
- de discriminação legal em relação às minorias étnicas (Bélgica, Espanha);
- de discriminação generalizada contra as minorias (Bulgária, Dinamarca, Grécia, Hungria);
- de discriminação por parte dos tribunais de justiça em relação às minorias (Bélgica);
- de expulsão pela força de membros de minorias étnicas, assim como de destruição de suas moradias pelas autoridades (Bulgária, Grécia, Romênia);
- de agressões recorrentes contra as minorias sexuais (Bulgária, Eslováquia, Itália);
- de não reconhecimento dos direitos das minorias sexuais pelas autoridades (Chipre);
- de apoio das forças de ordem a movimentos de extrema direita em manifestações (Chipre);
- de violência recorrente contra mulheres (Dinamarca, Espanha, Finlândia, Malta, Portugal, Suécia);
- de violência recorrente contra meninas (Espanha, Finlândia, Portugal);
- de castigos físicos contra crianças em centros especializados para menores (Espanha);
- de impunidade jurídica para os responsáveis por violências sexuais contra mulheres (Dinamarca, Finlândia, Suécia);
- de detenção de menores em prisões para adultos (Dinamarca);
- de prisão de menores que solicitam asilo (Finlândia, Países Baixos);
- de prisões secretas (Espanha);
- de proibição de investigar crimes de direito internacional (Espanha);
- de violação da liberdade religiosa das mulheres (Espanha, França, Países Baixos);
- de estigmatização das minorias étnicas por parte do presidente da República (França, Romênia);
- de discursos políticos discriminatórios por parte das autoridades (Eslovênia, França, Hungria, Itália, Romênia);
- de discriminação racial contra as minorias (Eslovênia, Itália, Portugal);
- de não acesso à educação e a uma moradia decente para as minorias étnicas (França, Itália, Portugal);
- de condições de detenção desumanas (Grécia, Irlanda, Itália);
- de violências com caráter racista (Grecia, Hungria, República Tcheca);
- de agressão a jornalistas pelas autoridades (Grécia);
- de violências pelas autoridades em relação às minorias e solicitantes de asilo (Grécia);
- de segregação racial no ensino e de exclusão de crianças das minorias étnicas do sistema educacional (Eslováquia, Eslovênia, Grécia, Hungria, Itália, República Tcheca, Romênia);
- de escolarização de crianças procedentes das minorias em instituições para portadores de transtornos mentais (República Tcheca),
- de segregação racial no acesso à saúde (Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Itália, Romênia);
- de crimes com caráter racista (Hungria, República Tcheca);
- de impunidade para os responsáveis por crimes de caráter racista (Hungria);
- de crimes com caráter antissemita (Hungria);
- de crimes contra as minorias sexuais (Hungria);
- de violação dos direitos dos menores (Irlanda);
- de maus tratos contra crianças (Irlanda);
- de falecimento de crianças confiadas aos serviços públicos de proteção da infância por falta de assistência médica (Irlanda);
- de não respeito dos direitos das minorias sexuais (Irlanda);
- de violação dos direitos dos solicitantes de asilo (Irlanda);
- de condições de vida “totalmente inaceitáveis e desumanas” nos hospitais (Irlanda);
- de violação do direito ao aborto (Irlanda);
- de proibição legal do aborto (Malta);
- de negação a inscrever a tortura entre os crimes sancionados pelo Código Penal (Itália);
- de disposições legislativas discriminatórias em relação às minorias sexuais com penalização da homossexualidade (Lituânia);
- de políticas e práticas governamentais discriminatórias segundo a origem étnica (Países Baixos);
- de esterilização forçada de mulheres procedentes das minorias (Eslováquia, República Tcheca),
- de pessoas eliminadas arbitrariamente dos registros da população (Eslovênia) .

Conclusão

Ao ver os relatórios da AI, torna-se difícil para a União Europeia fingir que a Posição Comum de 1996, ainda vigente, se justifica pela situação dos direitos humanos em Cuba. Efetivamente, as principais nações do Velho Continente apresentam também graves violações de direitos humanos, frequentemente piores do que as que são cometidas em Cuba. Assim, a autoridade moral de Bruxelas se torna discutível.

A Europa dos 27 deve normalizar as relações com Havana e demonstrar que sua política externa não é tributária daquela da Casa Branca. Ao suspender a Posição Comum e adotar uma postura racional, construtiva e independente, a UE dará um passo na direção adequada. Bruxelas entenderá a especificidade da idiosincrasia cubana. 

De fato, o governo da Ilha está disposto a tudo – menos a negociar sua soberania e identidade nacional – quando as relações se baseiam no diálogo, no respeito e na reciprocidade, como foi demonstrado no acordo com a Igreja Católica e com a Espanha, que desembocou na liberação de todos os prisioneiros chamados “políticos”. Em troca, mostra-se fortemente inflexível – basta apenas ver o estado das relações entre Washington e Havana há meio século – quando a linguagem da força, da ameaça ou da coação toma o lugar da diplomacia convencional.

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