segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O discreto charme de Marina Silva


Marina é um caso de radicalismo improvável de ser posto em prática. Alimenta simultaneamente esperanças nos extremos do nosso espectro político. A extrema esquerda e a direita se unem para apoia-la. “Terceira via” paradoxal, Marina faz oposição ao centro.

Um governo Marina é a garantia da traição a um dos lados que hoje a apoiam.

No entanto, messiânica, parece trazer em si a certeza das ações necessárias para a consecução de cada uma dessas esperanças. Marina não tem a solução dos problemas, Marina é a solução. Mas uma solução que não se dá à maçada de apresentar propostas concretas.

Marina encarna um discurso de crítica ao sistema. Mas é algo pensado para ser vago, fugidio. É como olhar as nuvens. Cada um vê nelas o que quer ver, as nuvens em momento algum se responsabilizam por nossos sonhos, apenas os inspiram.

Marina tem um que de modernidade que se expressa em um falar protofilosófico que parece ser compreensível apenas aos iniciados, mas, sem dúvida, transmite confiança no que fala. E, assim, afasta o contraditório. Para fazer o contraditório é necessário entender os argumentos do interlocutor. Se o que se ouve não passar de um jogo de palavras pretensamente modernoso, como contraditá-lo?

Marina pode ser tudo, mas tola ela não é, vai adiar o quanto puder o debate sobre suas contradições.

Marina Silva é um poço de contradições.

Marina tem origem no movimento ecológico, mas há muito isso deixou de ser seu campo de militância. Alguém se lembra da última causa na qual Marina esteve à frente, dando a cara à tapa?

Vinda das classes populares, de pequenos agricultores e extrativistas da floresta amazônica, Marina tornou-se ícone da classe média urbana do sudeste e sul. Já há tempo que o Acre deixou de ser seu referencial.

Na Folha de São Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde, dias atrás, saudava uma das características de Marina que deve ajudá-la em muito na conquista de votos – é evangélica. Mas Marina não encarna a “nova política”, aquela na qual não se trata eleitores como se fossem parte do “curral eleitoral” do candidato?

Questionar Marina sobre sua posição em relação à descriminação do aborto é ocioso. Mas ninguém ainda perguntou à Marina a sua posição sobre o ensino religioso nas escolas públicas. Ou sobre o currículo escolar das aulas de ciências no ensino fundamental ou de biologia no ensino médio. Musa dos “verdes”, é criacionista. Sua posição sobre esses assuntos seria muito relevante para seus eleitores.

Apesar de ser lembrada pela causa ecológica, Marina é apoiada por banqueiros e industriais. A Natura e o Itaú são quase parte do seu partido. Se é que não são o seu "partido", já que o Rede ainda habita o campo das possibilidades.

Alguém já ouviu uma palavra de Marina sobre a manutenção das conquistas sociais dos últimos 12 anos? O Bolsa Família, o PROUNI, o PRONATEC, o “Mais Médicos” e a recomposição do valor do salário mínimo, por exemplo?

O que sabemos de Marina a respeito da política econômica? Que Marina defende a ortodoxia neoliberal expressa no tripé – metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.

Música para os ouvidos da especulação financeira.

Metas de inflação são alcançadas, no mais das vezes, com juros altos e trazendo a inevitável redução da atividade econômica, mas altos ganhos ao setor financeiro. O superávit primário vai garantir os recursos necessários para pagar os tais juros, mas, com a redução da atividade econômica, a solução é o corte dos gastos sociais. E o câmbio flutuante garante os ganhos de capital pela simples intermediação financeira praticada por fundos de investimentos internacionais ou sediados em "paraísos fiscais" e nos coloca vulneráveis a ataques especulativos que realimentam o processo de especulação. Por fim, com a livre circulação de capitais, base da idéia de câmbio flutuante, está assegurada a expatriação integral dos lucros dos “investidores internacionais” e dos investidores internacionais.

Algum jornalista já questionou Marina sobre isso e se isso não seria uma retomada do modelo do governo FHC?

E quanto ao papel do Banco Central na condução da política econômica? Bom, em relação a isso, Marina já se posicionou. E claro, ela é favorável à autonomia do Banco Central – não autonomia formal, mas autonomia de facto.

“Nós não defendemos a formalização da autonomia do Banco Central. Na realidade, a autonomia já faz parte das leis que pertencem a esse ramo do direito. Mesmo que (a autonomia) não seja formalizada ela se estabelece a partir do consenso social, político cultural. (Se isso fosse para o debate do Congresso), criaria um risco de colocar em discussão uma questão como essa. Se um grupo decidir que não terá autonomia, nós estaríamos diante de uma fragilização dos instrumentos de política-macro econômica que não é desejada. Não há necessidade de institucionalização”. Aqui.

Um exemplo da prolixidade a serviço da dissimulação de intenções.

E pensar que Aécio apanhou um bocado por ter se comprometido com as tais “medidas impopulares”.

Há ainda outras questões em aberto em relação a um hipotético governo de Marina Silva.

Marina é uma adversária do agronegócio – os tais “latifundiários”. Ocorre que o agronegócio não é mais, no Brasil, apenas a agricultura e a pecuária tradicionais. O conceito correto para nós é o da agroindústria. Trata se da nossa área de maior desenvolvimento tecnológico, um dos nossos maiores empregadores, inclusive com empregos de nível superior, e a principal fonte de exportações brasileiras e uma das nossas garantias contra a inflação. Qual será a fonte de receitas que Marina irá buscar para substituí-lo? Turismo ecológico?

É bom que se pergunte isso a Marina. Como também sobre qual a sua opinião em relação área da mineração, da exploração do pré-sal e da geração de energia elétrica.

E sobre a privatização e o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico.

Precisamos conversar sobre Marina.

Aécio não conseguiu formar empatia com o eleitor, patina na casa dos 20% de intenções de voto há meses. Só cresce agregando “in extremis” o voto de ódio antipetista. Mas nem assim as pesquisas apontam uma vitória, sequer um segundo turno é garantido. Tem, além disso, todo o passivo dos seus governos e correligionários em Minas.

Marina não. Pode-se molda-la às expectativas dos sonhadores, dos indecisos e dos insatisfeitos. E, com ela, é possível odiar o PT sem ter de baixar ao nível do calão, de mandar a presidente da República tomar no cu.

Garante a volta do conservadorismo ao poder, mas com a leveza de uma “sacerdotisa dos povos da floresta”.

Um símbolo charmoso e dissimulado como o foram os ares de modernidade e dinamismo com Collor de Mello e de intelectualidade com Fernando Henrique Cardoso. E esses governos foram o que foram.

Por tudo isso, aqueles que defendem a posição da esquerda, da social democracia, precisam muito falar sobre Marina, apontar mais uma tentativa de engodo.

Depois de Collor de Mello e FHC, Marina é o novo ilusionismo da direita.

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