sábado, 27 de dezembro de 2014

Dilma reeleita: Desafios e expectativas

Por Vagner Freitas, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:


Depois de doze anos, o projeto de desenvolvimento econômico e sustentável com inclusão social iniciado pelo ex-presidente Lula, em 2003, e consolidado pela presidenta Dilma Rousseff nos últimos quatro anos é o centro de uma das disputas mais renhidas das últimas décadas. Os conservadores perderam a eleição, mas querem impor suas pautas.

Mais uma vez, a unidade dos movimentos social e sindical será fundamental para garantir a negociação e aprovação da pauta da classe trabalhadora e a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Reelegemos Dilma para mudar e ampliar as conquistas e não aceitaremos nem sequer indícios de retrocesso.

Nos oito anos do governo Lula, o Brasil retomou a rota do desenvolvimento gerando empregos, incentivando a formalização da mão de obra e aumentando a renda dos trabalhadores. Esses resultados foram possíveis graças a um conjunto de políticas econômicas e sociais que romperam com o projeto neoliberal que vinha governando e abriram caminho para um novo projeto desenvolvimentista.

Nos últimos quatro anos, a presidenta Dilma deu sequência ao projeto e cumpriu sua principal promessa de campanha para o primeiro mandato: combateu com firmeza a pobreza extrema e tirou o Brasil do Mapa Mundial da Fome. A presidenta teve também o pulso firme para instaurar a Comissão da Verdade, com um capítulo importante sobre os crimes contra os trabalhadores, e para reforçar o combate à corrupção. Além disso, aprovou políticas importantes para o país, como o Pronatec, e sancionou a Lei dos Royalties do Pré-Sal, que destina 10% dos recursos para a educação, o Simples Nacional e a Lei de Acesso à Informação.

Os resultados do primeiro mandato, porém, foram contaminados pelo impacto da crise econômica mundial e a queda do preço das commodities. Ainda assim, foram positivos. O Brasil chega ao fim de 2014 com uma das menores taxas de desemprego da história e uma crescente redução da desigualdade. Por outro lado, o baixo crescimento do PIB trouxe dificuldades para o Estado, que passou a arrecadar menos e, portanto, a ter menos recursos para colocar em prática suas políticas.

É nesse novo cenário que as organizações da sociedade civil e o movimento sindical devem procurar avançar em suas agendas de forma autônoma e com a responsabilidade de quem procura a construção de um futuro melhor e mais digno para todos. Para isso, é fundamental que a presidenta Dilma amplie o diálogo, negocie e se comprometa com as pautas de interesse dos trabalhadores e da sociedade.

Governabilidade e participação

No primeiro mandato, o governo poderia ter valorizado mais o diálogo e apostado mais nos espaços de participação social para inovar nas políticas públicas, uma das características do Partido dos Trabalhadores desde sua fundação. A sinalização de mais diálogo feita pela presidenta durante o discurso da vitória deste ano indica que a retomada dessa estratégia pode voltar a ser central para recuperar a agenda de crescimento com justiça e inclusão social.

Nos próximos quatro anos, Dilma precisa valorizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, o projeto de construção participativa da política industrial iniciado com o Brasil Maior e os demais conselhos e conferências. É importante retomar as câmaras setoriais como espaço de negociação tripartite entre governo, empresários e trabalhadores.

Não podemos esquecer que o Brasil elegeu este ano o Congresso mais conservador desde a redemocratização, o que tende a dificultar ainda mais a aprovação da pauta da classe trabalhadora e os projetos do governo federal. A presidenta vai precisar exercitar cada vez mais a prática de ouvir os empresários e os trabalhadores nas tomadas de decisões sobre o futuro do país. De nossa parte, estamos prontos para dialogar, negociar e ir às ruas fazer todas as pressões necessárias para conquistar as reivindicações da principal base de sustentação desse governo.

E a tarefa não será fácil. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a bancada sindical caiu de 83 para 47 deputados. Já o PT manteve a maior bancada na Câmara, mas o número de deputados foi de 88 para 70, diminuindo a força do partido dentro da coalizão de governo. Esta, vale ressaltar, é formada por partidos conservadores para garantir a vitória eleitoral, mas que não têm interesse, em muitos momentos, em colocar em prática o projeto que a classe trabalhadora defende, mais avançado e de esquerda.

Os riscos que esse cenário representa para a pauta progressista são enormes, e os reveses começaram antes mesmo da posse da nova legislatura. Apenas dois dias depois de a presidenta Dilma ser reeleita, o Parlamento rejeitou o Decreto n. 8.243, que criava a Política Nacional de Participação Social, e esta apenas organizava os instrumentos já existentes.

Como se vê, será um governo permanentemente em disputa. O papel dos sindicatos, do movimento social e da sociedade civil organizada será fundamental na definição da hegemonia e da agenda do governo durante o segundo mandato, e também na garantia da governabilidade do ponto de vista dos trabalhadores, evidentemente.

A pauta da sociedade civil

Na 14a Plenária Nacional da CUT, em julho, Dilma foi informada sobre nossa pauta e disse que tinha lado: o lado dela era o dos trabalhadores. Disse ainda que não tinha sido eleita, em 2010, para tirar direitos dos trabalhadores. E é isso que vamos cobrar.

Em primeiro lugar, a consolidação das conquistas e avanços na pauta da classe trabalhadora e na construção de um Estado de bem-estar, com serviços universais e de qualidade para todos os brasileiros. Somos parceiros nessa luta.

Outra tarefa importante tanto dos sindicalistas quanto da militância e dos representantes dos movimentos sociais é pressionar o governo e o Parlamento a aprovar as reformas fundamentais para o país, entre elas as reformas política, tributária e agrária, e a regulamentação dos meios de comunicação.

O governo tem de iniciar imediatamente a negociação de nossa agenda de curto prazo, que apresenta reivindicações como uma alternativa ao fator previdenciário, a manutenção da Política de Valorização do Salário Mínimo, a regulamentação da Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que normatiza o direito de negociação dos servidores públicos, a correção da tabela do imposto de renda, a reforma agrária e as políticas de fortalecimento da agricultura familiar.

O debate sobre nossa agenda de curto prazo é essencial para que possamos ampliar a discussão para os temas de médio e longo prazo sobre o modelo de desenvolvimento que queremos e que inclui a redução da jornada para 40 horas semanais sem redução de salário, mecanismos de controle da inflação e reforma tributária.

Com o governo comprometido com os trabalhadores e com o combate à pobreza, enfrentando um Congresso conservador, fica mais evidente a necessidade da reforma política como modo de possibilitar a governabilidade do Brasil. O Legislativo é o maior adversário da consolidação das reformas estruturantes de que o país precisa. Por isso, precisamos de uma Constituinte exclusiva e soberana para reformar o sistema político. Sabemos da resistência do Parlamento, mas sabemos também que somente a reforma política dará condições para que os processos eleitorais sejam feitos de forma mais igualitária, sem a pressão do poder econômico e empresarial.

Outra prioridade é a regulação da mídia, com a aprovação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Lançado no ano passado com propostas para a mídia eletrônica (rádio e TV), esse projeto precisa de pelo menos 1,4 milhão de assinaturas para ser protocolado na Câmara dos Deputados.

Quanto à pauta econômica, temos consciência de que é preciso enfrentar a difícil tarefa de reequilibrar a economia para que não se percam as conquistas da última década. Isso, porém, não pode ser feito sem um compromisso claro com o “pleno emprego” e o controle inflacionário e das finanças públicas. Precisamos de um Estado fortalecido para cumprir seu papel de conduzir o desenvolvimento com justiça e inclusão social.

Nesse sentido, é fundamental ampliar a progressividade dos impostos, criar mais alíquotas no imposto de renda e substituir a cobrança de impostos sobre o consumo por impostos sobre a renda. O Brasil tem uma alíquota média baixa e uma alíquota máxima muito inferior à dos países desenvolvidos, com melhor qualidade de vida e menor desigualdade. A correção da estrutura tributária deve trazer mais justiça e equidade, e permitir que o Estado cumpra seu papel de garantir uma vida digna para todos, com serviços públicos de qualidade e com a capacidade de coordenar os investimentos que são tão caros para o desenvolvimento do país.

É essencial ainda manter a política de valorização do salário mínimo, que ajudamos a elaborar e a aprovar, e que cumpriu o importante papel de aumentar a renda e fortalecer o mercado interno beneficiando todos os cidadãos, inclusive aqueles do setor informal, além de aposentados e pensionistas.

Na área social e trabalhista, devemos reforçar a política de promoção do trabalho decente e o combate à escravidão e a todas as formas de discriminação social e no trabalho. Uma das prioridades da CUT é garantir trabalho formal com carteira assinada para que os trabalhadores tenham garantidos seus direitos previdenciários, de saúde e de aposentadoria.

No entanto, a formalização da mão de obra deve ser acompanhada de outros avanços, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas sem redução de salário e o combate ao binômio precarização/terceirização e a todas as formas de exploração do trabalho.

Outras políticas importantes para os trabalhadores e para a sociedade civil estão no topo da agenda governamental nessa transição e precisam de nosso apoio e de nossa mobilização, como é o caso da regulamentação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas. A aprovação da Emenda Constitucional n. 72, em 2013, foi uma vitória da sociedade, mas temos de regulamentá-la e sabemos que essa não será uma missão simples. Não faltam dispositivos constitucionais que até agora não foram regulamentados. O artigo 239, que impõe uma contribuição adicional aos empregadores que demitem muito para custear o seguro-desemprego e que poderia ter um papel inibidor da rotatividade da mão de obra, é apenas um exemplo.

O problema da rotatividade, que fragiliza nosso mercado de trabalho e traz tanta insegurança para o trabalhador, também poderia ser combatido com a ratificação definitiva da Convenção n. 158 da OIT. Esta foi ratificada pelo governo FHC, que depois recuou da proposta, e ela nunca mais entrou na agenda governamental. O governo também precisa avançar na regulamentação da negociação coletiva e da greve no setor público, parada desde a ratificação da Convenção n. 151 da OIT, em 2010. A institucionalização da negociação coletiva no setor público deve contribuir para mudar o caráter conflitivo das negociações entre funcionários públicos e governos, colaborando em muito para a maior eficiência e o aumento da qualidade no serviço público.

Outro item importante que queremos discutir com o governo é a elaboração de uma política de negociação direta entre patrões e empregados, tanto nas datas-bases das categorias como por meio de negociações permanentes visando ao contrato coletivo nacional de trabalho, como já conquistaram os bancários. Isso garante, entre outras coisas, melhores condições de trabalho e salário para todos.

Democracia participativa

O combate à exclusão e à desigualdade é uma das principais bandeiras das esquerdas, e o aprofundamento da democracia é vital para atingirmos esse objetivo. O exercício democrático não deve se resumir à prática de eleições livres, lícitas e periódicas. O povo quer ser ativo e ter papel protagonista entre uma eleição e outra.

As centrais e os sindicatos, ao lado de outros atores da sociedade civil organizada, são fundamentais nesse processo. Temos de agir conjuntamente sempre que tivermos interesses convergentes, de forma solidária e firme na defesa da justiça e dos mais fracos. Quanto mais alinhados, organizados e mobilizados estivermos, mais forte será a voz da sociedade na definição da agenda pública e maiores serão as chances de avançarmos nas pautas mais progressistas, como a redução da jornada, o enfrentamento à discriminação de gênero e raça e a construção de um Estado de bem-estar social que dê oportunidades iguais e permita o pleno desenvolvimento de todos os cidadãos.

Nossa luta, que fique bem claro, é a luta daqueles que combateram e venceram batalhas como as que empreendemos contra a ditadura militar e por melhores condições de trabalho e renda. Com a mesma ousadia, garra e persistência com que enfrentamos todas essas batalhas e fomos determinantes na reeleição de Dilma, que enfrentou este ano a eleição mais disputada e difícil desde que o Brasil voltou a eleger presidentes pelo voto direito, vamos às ruas combater a direita preconceituosa, que não esperou nem dois dias para começar a pregar o golpe contra a presidenta, o ódio e o preconceito contra os mais pobres e os nordestinos. Vamos disputar as ruas para defender o nosso projeto de transformação social, que mudou para melhor a vida de milhões e milhões de brasileiros.

* Vagner Freitas é presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

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