Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Olhando-se para trás, vê-se que a sociedade seguiu sua rotina de cuidar da própria vida, enquanto o carnaval da imprensa desfilava suas profecias apocalípticas de empobrecimento do brasileiro. Na terça-feira (23/12), porém, informa-se que o endividamento das famílias é menor do que há um ano, e o comércio está fervendo. No entanto, segundo a pesquisa divulgada na sexta-feira (19), pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, os jornais têm credibilidade onde são lidos.
Onde, então, está a incongruência?
A resposta é simples e preocupante: a imprensa, vista como o conjunto de mídias tradicionais empacotadas em marcas conhecidas como Globo, Abril, Estado e Folha, construiu um ecossistema à parte, que funciona numa dimensão paralela à da sociedade. Esse conjunto fala diretamente às instituições, e através delas tenta se impor ao campo social, também chamado de espaço público.
Mas nem sempre isso acontece. Nos últimos anos, a mídia hegemônica tem se comportado como um poder paralelo que se arvora em representante da sociedade. Sua ação, em vez de integrar, rompe as ligações entre a sociedade e as instituições democráticas que a representam.
Talvez 2014 tenha marcado mais claramente o esgarçamento dessa relação entre o todo social e suas representações institucionais; a mídia tradicional pode, então, ser vista isoladamente como um corpo estranho a ambos os campos que, no entanto, só faz sentido se for reconhecido como parte integradora dos dois universos. Em condições ideais, em nome da sociedade a imprensa faz a crítica das instituições, e em nome das instituições a imprensa adverte a sociedade.
Quem ganha, quem perde
Não é mais o caso brasileiro: em 2014, o conjunto de empresas que ainda chamamos de jornalísticas extrapolou em muito seu direito de manipular informações, chegando perto de desestabilizar a própria democracia. Ou alguém acha que, sem a repercussão generosa da mídia, os arautos do golpismo teriam se animado a mostrar suas caras nas ruas?
Além disso, a mídia tratou de maneira tão irresponsável e escandalosa a operação policial que desvenda a corrupção entranhada no poder, que colocou em risco a própria capacidade da Justiça de levar a bom termo sua função. Ou alguém acha que os vazamentos seletivos produzidos pelos agentes da investigação em parceria com a imprensa vão definir o processo?
Na hora do julgamento, quando os fatos forem separados das declarações, quando as provas e os documentos substituírem trechos recortados de gravações, é bem possível que tenhamos uma realidade bem diferente daquela que vem sendo apresentada pelo noticiário. Se, lá no fim da linha, o Supremo Tribunal Federal não tiver como impor aos principais acusados sentenças que a sociedade considerar adequadas, o ônus será da Justiça, não da imprensa.
Não são poucos os brasileiros que consideram a Justiça conivente com a corrupção, por entenderem que os principais condenados na Ação Penal 470 ganharam prematuramente o direito à prisão domiciliar. Na sua interpretação primária do sistema judiciário, o brasileiro médio dá sinais de confundir justiça com vingança, sob a justificativa moral de que a punição de uns compensa a perda coletiva e serve como exemplo para outros.
No caso Petrobras, a intensa expectativa criada pela mídia em torno do escândalo também pode não ser contemplada no cumprimento da pena. E enquanto o cidadão médio se horroriza, o investidor vai sendo informado de que o valor das ações da estatal pode subir até 95% em 2015, assim que forem definidas as responsabilidades pelos desvios que vêm sendo noticiados – período em que, coincidentemente, serão divulgados os novos recordes dos campos do pré-sal.
O ganho, então, será maior quanto mais depreciados forem os papéis no curto prazo.
Se fosse possível definir o ano de 2014 em relação à mídia tradicional, pode-se afirmar que as organizações de imprensa dominantes, aquelas que conduzem a pauta institucional e parte relevante da agenda pública, se revelaram como uma mente estranha no corpo social. Desde o primeiro dia do ano, com o país ainda assombrado pelas manifestações que haviam tomado as ruas em 2013, passando pelas previsões catastrofistas para a Copa do Mundo, e concluindo com a eleição presidencial, os jornais de circulação nacional e os principais noticiosos do rádio e da televisão desenharam um quadro de fim de mundo que nunca chegou perto de se tornar realidade.
Olhando-se para trás, vê-se que a sociedade seguiu sua rotina de cuidar da própria vida, enquanto o carnaval da imprensa desfilava suas profecias apocalípticas de empobrecimento do brasileiro. Na terça-feira (23/12), porém, informa-se que o endividamento das famílias é menor do que há um ano, e o comércio está fervendo. No entanto, segundo a pesquisa divulgada na sexta-feira (19), pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, os jornais têm credibilidade onde são lidos.
Onde, então, está a incongruência?
A resposta é simples e preocupante: a imprensa, vista como o conjunto de mídias tradicionais empacotadas em marcas conhecidas como Globo, Abril, Estado e Folha, construiu um ecossistema à parte, que funciona numa dimensão paralela à da sociedade. Esse conjunto fala diretamente às instituições, e através delas tenta se impor ao campo social, também chamado de espaço público.
Mas nem sempre isso acontece. Nos últimos anos, a mídia hegemônica tem se comportado como um poder paralelo que se arvora em representante da sociedade. Sua ação, em vez de integrar, rompe as ligações entre a sociedade e as instituições democráticas que a representam.
Talvez 2014 tenha marcado mais claramente o esgarçamento dessa relação entre o todo social e suas representações institucionais; a mídia tradicional pode, então, ser vista isoladamente como um corpo estranho a ambos os campos que, no entanto, só faz sentido se for reconhecido como parte integradora dos dois universos. Em condições ideais, em nome da sociedade a imprensa faz a crítica das instituições, e em nome das instituições a imprensa adverte a sociedade.
Quem ganha, quem perde
Não é mais o caso brasileiro: em 2014, o conjunto de empresas que ainda chamamos de jornalísticas extrapolou em muito seu direito de manipular informações, chegando perto de desestabilizar a própria democracia. Ou alguém acha que, sem a repercussão generosa da mídia, os arautos do golpismo teriam se animado a mostrar suas caras nas ruas?
Além disso, a mídia tratou de maneira tão irresponsável e escandalosa a operação policial que desvenda a corrupção entranhada no poder, que colocou em risco a própria capacidade da Justiça de levar a bom termo sua função. Ou alguém acha que os vazamentos seletivos produzidos pelos agentes da investigação em parceria com a imprensa vão definir o processo?
Na hora do julgamento, quando os fatos forem separados das declarações, quando as provas e os documentos substituírem trechos recortados de gravações, é bem possível que tenhamos uma realidade bem diferente daquela que vem sendo apresentada pelo noticiário. Se, lá no fim da linha, o Supremo Tribunal Federal não tiver como impor aos principais acusados sentenças que a sociedade considerar adequadas, o ônus será da Justiça, não da imprensa.
Não são poucos os brasileiros que consideram a Justiça conivente com a corrupção, por entenderem que os principais condenados na Ação Penal 470 ganharam prematuramente o direito à prisão domiciliar. Na sua interpretação primária do sistema judiciário, o brasileiro médio dá sinais de confundir justiça com vingança, sob a justificativa moral de que a punição de uns compensa a perda coletiva e serve como exemplo para outros.
No caso Petrobras, a intensa expectativa criada pela mídia em torno do escândalo também pode não ser contemplada no cumprimento da pena. E enquanto o cidadão médio se horroriza, o investidor vai sendo informado de que o valor das ações da estatal pode subir até 95% em 2015, assim que forem definidas as responsabilidades pelos desvios que vêm sendo noticiados – período em que, coincidentemente, serão divulgados os novos recordes dos campos do pré-sal.
O ganho, então, será maior quanto mais depreciados forem os papéis no curto prazo.
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