Por Breno Altman, em seu blog:
Não se trata apenas da direita extrainstitucional e dos partidos de oposição, que se lançam contra o mandato conquistado nas urnas pela presidente Dilma Rousseff e ameaçam a ordem constitucional.
Também forças supostamente aliadas, particularmente o PMDB, a partir do parlamento, operam para debilitar a governante suprema, aprovar reformas de caráter reacionário e impedir medidas de conteúdo progressista.
Além de decisões fiscais corrosivas da autoridade presidencial, a pauta de projetos e emendas constitucionais manifesta objetivos antidemocráticos, regressão em direitos civis e supressão de conquistas trabalhistas.
Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, trabalham dia e noite para consolidar agenda que costure novo bloco oligárquico, capaz de emparedar a chefe de Estado e desidratar sua liderança, ao mesmo tempo que transforma o PT em bagaço político.
Ambos personagens, com a corda no pescoço por conta da Operação Lava Jato, reagiram de maneira oposta à intimidação que tomou conta de hostes petistas: estabelecem compromissos de classe e buscam tornar indispensável sua serventia para desconstituir a esquerda como coalizão dirigente.
O PMDB provavelmente aprovará as propostas de ajuste fiscal, pois correspondem a interesses do capital financeiro, mas tentará ser o mediador de certa flexibilização, jogando no colo do governo e do petismo o desgaste pela defesa intransigente de providências antipopulares.
O aparente populismo no trato do pacote apresentado por Levy, no entanto, está casado com legislação que pode, entre outros retrocessos, sacramentar o financiamento empresarial na reforma política, consolidar draconiano código antiterrorista, alterar normas para indicação de ministros do STF e agências reguladoras, derrubar limites para a terceirização do trabalho e reduzir a maioridade penal.
De quebra, o PMDB se compõe com o PSDB para controlar a CPI da Petrobrás e direcioná-la, em conluio com a mídia privada, contra o Palácio do Planalto.
Resposta pós-eleições
Nada disso é propriamente surpreendente: o deslocamento de frações importantes do centro para a direita era facilmente observável no último processo eleitoral. O apoio de Marina Silva a Aécio Neves e a divisão peemedebista no segundo turno foram as principais expressões dessa tendência.
O que espanta é a apatia e a confusão do governo, aparentemente atônito com o cenário pós-outubro.
A presidente, talvez sem se dar plenamente conta da contraofensiva que se armava, preferiu se empenhar na suposta pacificação das forças conservadoras, desconhecendo que o giro peemedebista representava, dessa vez, mais um ímpeto classista e orgânico do que tradicional manobra fisiológica para arrebanhar cargos adicionais e generosas recompensas no aparato de Estado.
Adotou políticas e discursos desorganizadores do campo progressista que a reelegeu, quando mais necessitava de unidade e mobilização de sua base social, fatores possíveis apenas se o programa da segunda administração expressasse a mesma narrativa de aprofundamento das mudanças que levou à vitória nas urnas.
O governo faz de conta que ainda tem maioria parlamentar.
Os mesmo partidos e grupos que derrotam seguidamente a presidente no Congresso continuam a controlar ministérios e orçamentos sem qualquer contrapartida política ou programática.
O Palácio do Planalto, para agravar a situação, nem sequer extrai todas as consequências da opção por estratégia de conciliação.
Indisposto a mudar de orientação e travar confronto público para defender seus pontos de vista, o oficialismo resolveu, ainda por cima, peitar o PMDB na disputa da Câmara e estimular o surgimento de novas siglas, além de tratar parceiros poderosos com desdém que somente poderia enervá-los.
Dupla hesitação
A presidente vive, assim, no pior dos mundos: nem guerra nem paz.
Abdica de comandar enfrentamento contra a escalada reacionária, descarta a definição programática como critério decisivo para formação do gabinete e evita romper com aliados que estão desertando do projeto político liderado pelo PT.
Tampouco assina efetivamente um armistício, atendendo exigências colocadas à mesa para eventual repactuação, possivelmente com receio de descaracterizar derradeiramente seu governo e esvaziar ainda mais o poder presidencial.
Tal postura significa, na prática, dupla e funesta hesitação. Nem se recorre claramente à mobilização popular e ao concurso da opinião pública como instrumentos de governabilidade, levando ao embate social a disputa de governo, nem se aceita plenamente o predomínio dos conciliábulos institucionais.
Não há dúvidas que resta impraticável administrar sem maioria, no sistema brasileiro, mas o caminho atual está levando a derrotas e recuos desordenados que deterioram o campo de esquerda sem promover qualquer estabilização parlamentar.
A dinâmica política assemelha-se, deste jeito, à vida animal.
Os cachorros loucos do antipetismo, à direita e ao centro, farejam a adrenalina do medo e da indecisão, incrementando a ferocidade de seus ataques.
Para quem preferir imagem mais adequada ao governo que sancionou a Lei Maria da Penha, o roteiro em cena lembra agressores que vão se assanhando com a falta de reação da vítima, sentindo-se cada vez mais fortalecidos e despojados de limites, dobrando a cada lance sua truculência.
A pergunta que não pode calar, como é típico de histórias deste tipo: até quando?
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