Por Luciano Martins Costa, no site do FNDC:
Os jornais brasileiros de circulação nacional, aqueles que determinam o eixo da agenda pública, encerram o mês de novembro com a mesma pauta que iniciou o ano de 2015. Não se trata da saraivada de denúncias, declarações, vazamentos e revelações factuais sobre fluxos de dinheiro ilegal ligados a campanhas eleitorais. Essa é apenas a espuma do noticiário e dificilmente saberemos em que os fatos atuais se diferenciam do histórico da corrupção, a não ser pela evidência de que alguns atores estão sendo responsabilizados.
O que a chamada imprensa tradicional do Brasil está produzindo é um projeto recorrente na política nacional, que se associa em ampla escala ao contexto do continente e, em menor grau, se relaciona também com o cenário internacional. Trata-se do programa de desconstrução de políticas que, no longo prazo, poderiam consolidar o ensaio de mobilidade social observado nos últimos anos em boa parte da América do Sul.
São muitas as razões pelas quais as principais corporações da mídia têm interesse em desmobilizar a geração que saiu da miséria para se inserir no protagonismo social na última década. A principal delas é a mudança no perfil do eleitorado de algumas regiões do País, aquelas mais impactadas pelos resultados econômicos dos projetos sociais de renda básica.
Observe-se que, nos últimos nove anos, aconteceram em São Paulo, mais precisamente na sede do Instituto Itaú Cultural, pelo menos sete eventos internacionais de análise dos efeitos dessas políticas públicas sobre a economia. Estiveram presentes economistas, sociólogos, pesquisadores e gestores de programas que engajaram dezenas de milhões de famílias nos mecanismos das contrapartidas, que melhoraram a renda da população atolada nos estratos mais baixos da pobreza.
Esses seminários chamaram a atenção de profissionais de diversas áreas, mas, até onde foi possível observar pessoalmente, não produziram a menor curiosidade na imprensa. Para ser mais preciso, deve-se dizer que, num desses eventos, esteve presente, misturado à plateia, um antigo coordenador de Economia do jornal O Estado de S. Paulo – que dizia, para quem quisesse ouvir, que se sentia tão perdido naquele ambiente como um cachorro que havia caído do caminhão de mudanças.
Essa absoluta falta de interesse diz muito sobre o funcionamento da mídia tradicional: desde o lançamento do primeiro programa de incremento da renda básica, até o advento da presente crise – que tem sido em grande medida insuflada pela própria imprensa -, os editores que ditam a agenda institucional boicotaram, quando não demonizaram explicitamente, essa tentativa de inverter o desenho histórico da pirâmide social.
O leitor e a leitora atentos devem se perguntar: o que isso tem a ver com a crise política, as dificuldades econômicas e os escândalos que não saem das manchetes?
Ora, apenas os midiotas se satisfazem com o cardápio oferecido pela mídia diariamente, pela administração cuidadosa de fragmentos vazados de investigações, pela alimentação constante das idiossincrasias internas dos compostos político-partidários e pela manipulação indecorosa de indicadores econômicos. Foi certamente por um arroubo de consciência que o jornalista e apresentador Sidney Rezende denunciou o catastrofismo do noticiário econômico – o que lhe custou imediatamente o emprego na GloboNews.
O que está em curso, na agenda da imprensa hegemônica do Brasil, é um projeto fascista de poder, que tem sua essência na conhecida lição oferecida por Roland Barthes no dia 7 de janeiro de 1977, quando inaugurou a cadeira de Semiologia Literária no Colégio de França. Esse projeto se desenvolve à sombra de mitos construídos e alimentados pelo sistema do poder arbitrário, ao qual a imprensa, como instituição, sempre serviu sob o disfarce da defesa da modernidade.
A “imprensa democrática” é um mito criado pela imprensa. O que há de democrático no ecossistema da comunicação social são as vozes dissonantes daquilo que Barthes chamou de “discurso da arrogância”, ou o “discurso do poder – todo discurso que engendra o erro”. Esse poder arbitrário se aloja na linguagem, e mais precisamente na linguagem jornalística. Mas essas vozes dissonantes – que costumamos chamar de “imprensa alternativa” -, por sua própria natureza de negação do discurso predominante, não são capazes de se impor como uma linguagem em favor da democracia.
É certo que a justificativa moral da atividade jornalística sempre foi o pressuposto da objetividade: considera-se que o texto noticioso, bem como a imagem com finalidade informativa, correspondem sempre a interpretações objetivas da realidade. Só que não. A linguagem jornalística, apropriada pelo sistema do poder arbitrário, se transforma em mera produção de conceitos com o objetivo claro de oferecer uma interpretação reducionista da realidade, subjetiva e condicionante de uma visão de mundo estreita e conservadora.
Como instrumento da linguagem, observa Barthes, a língua não é reacionária nem progressista: ela é fascista, “pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”. Como instrumento do poder, a linguagem da imprensa hegemônica do Brasil produz esse “discurso da arrogância” a serviço do fascismo.
(Para ler: “Aula”, de Roland Barthes)
* Luciano Martins Costa é jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”.
Os jornais brasileiros de circulação nacional, aqueles que determinam o eixo da agenda pública, encerram o mês de novembro com a mesma pauta que iniciou o ano de 2015. Não se trata da saraivada de denúncias, declarações, vazamentos e revelações factuais sobre fluxos de dinheiro ilegal ligados a campanhas eleitorais. Essa é apenas a espuma do noticiário e dificilmente saberemos em que os fatos atuais se diferenciam do histórico da corrupção, a não ser pela evidência de que alguns atores estão sendo responsabilizados.
O que a chamada imprensa tradicional do Brasil está produzindo é um projeto recorrente na política nacional, que se associa em ampla escala ao contexto do continente e, em menor grau, se relaciona também com o cenário internacional. Trata-se do programa de desconstrução de políticas que, no longo prazo, poderiam consolidar o ensaio de mobilidade social observado nos últimos anos em boa parte da América do Sul.
São muitas as razões pelas quais as principais corporações da mídia têm interesse em desmobilizar a geração que saiu da miséria para se inserir no protagonismo social na última década. A principal delas é a mudança no perfil do eleitorado de algumas regiões do País, aquelas mais impactadas pelos resultados econômicos dos projetos sociais de renda básica.
Observe-se que, nos últimos nove anos, aconteceram em São Paulo, mais precisamente na sede do Instituto Itaú Cultural, pelo menos sete eventos internacionais de análise dos efeitos dessas políticas públicas sobre a economia. Estiveram presentes economistas, sociólogos, pesquisadores e gestores de programas que engajaram dezenas de milhões de famílias nos mecanismos das contrapartidas, que melhoraram a renda da população atolada nos estratos mais baixos da pobreza.
Esses seminários chamaram a atenção de profissionais de diversas áreas, mas, até onde foi possível observar pessoalmente, não produziram a menor curiosidade na imprensa. Para ser mais preciso, deve-se dizer que, num desses eventos, esteve presente, misturado à plateia, um antigo coordenador de Economia do jornal O Estado de S. Paulo – que dizia, para quem quisesse ouvir, que se sentia tão perdido naquele ambiente como um cachorro que havia caído do caminhão de mudanças.
Essa absoluta falta de interesse diz muito sobre o funcionamento da mídia tradicional: desde o lançamento do primeiro programa de incremento da renda básica, até o advento da presente crise – que tem sido em grande medida insuflada pela própria imprensa -, os editores que ditam a agenda institucional boicotaram, quando não demonizaram explicitamente, essa tentativa de inverter o desenho histórico da pirâmide social.
O leitor e a leitora atentos devem se perguntar: o que isso tem a ver com a crise política, as dificuldades econômicas e os escândalos que não saem das manchetes?
Ora, apenas os midiotas se satisfazem com o cardápio oferecido pela mídia diariamente, pela administração cuidadosa de fragmentos vazados de investigações, pela alimentação constante das idiossincrasias internas dos compostos político-partidários e pela manipulação indecorosa de indicadores econômicos. Foi certamente por um arroubo de consciência que o jornalista e apresentador Sidney Rezende denunciou o catastrofismo do noticiário econômico – o que lhe custou imediatamente o emprego na GloboNews.
O que está em curso, na agenda da imprensa hegemônica do Brasil, é um projeto fascista de poder, que tem sua essência na conhecida lição oferecida por Roland Barthes no dia 7 de janeiro de 1977, quando inaugurou a cadeira de Semiologia Literária no Colégio de França. Esse projeto se desenvolve à sombra de mitos construídos e alimentados pelo sistema do poder arbitrário, ao qual a imprensa, como instituição, sempre serviu sob o disfarce da defesa da modernidade.
A “imprensa democrática” é um mito criado pela imprensa. O que há de democrático no ecossistema da comunicação social são as vozes dissonantes daquilo que Barthes chamou de “discurso da arrogância”, ou o “discurso do poder – todo discurso que engendra o erro”. Esse poder arbitrário se aloja na linguagem, e mais precisamente na linguagem jornalística. Mas essas vozes dissonantes – que costumamos chamar de “imprensa alternativa” -, por sua própria natureza de negação do discurso predominante, não são capazes de se impor como uma linguagem em favor da democracia.
É certo que a justificativa moral da atividade jornalística sempre foi o pressuposto da objetividade: considera-se que o texto noticioso, bem como a imagem com finalidade informativa, correspondem sempre a interpretações objetivas da realidade. Só que não. A linguagem jornalística, apropriada pelo sistema do poder arbitrário, se transforma em mera produção de conceitos com o objetivo claro de oferecer uma interpretação reducionista da realidade, subjetiva e condicionante de uma visão de mundo estreita e conservadora.
Como instrumento da linguagem, observa Barthes, a língua não é reacionária nem progressista: ela é fascista, “pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”. Como instrumento do poder, a linguagem da imprensa hegemônica do Brasil produz esse “discurso da arrogância” a serviço do fascismo.
(Para ler: “Aula”, de Roland Barthes)
* Luciano Martins Costa é jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”.
* Fonte: Revista Brasileiros.
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