Miguel de Unamuno |
Tornou-se clássica a intervenção corajosa de Miguel de Unamuno, então reitor da Universidade de Salamanca, durante uma solenidade com a presença de importantes figuras do fascismo, na Espanha de 1936. Diante de oradores e de plateia hostil e predominante fascista, Unamuno tomou a palavra e iniciou sua fala em defesa da razão e da liberdade com a seguinte frase: “Todos me conhecem. Sabeis que sou incapaz de me calar. Há momentos em que permanecer calado é mentir. O silêncio pode ser interpretado como aquiescência”.
Unamuno foi imediatamente expulso da universidade e veio a falecer, menos de três meses depois, cumprindo prisão domiciliar. A Espanha, por sua vez, mergulhou numa Guerra Civil que passou para a História como um dos eventos mais traumáticos anteriores à II Grande Guerra.
Não se trata aqui, por óbvio, de qualquer comparação com o grande filósofo cristão e, claro, não chegamos (ainda?) à beira de uma Guerra Civil. Mas, certamente, o clima de intolerância e ódio que estamos atravessando nos permite evocar o exemplo espanhol.
Conluio explícito
Desde o início do processo eleitoral de 2014 e, sobretudo, depois que foram proclamados os resultados das últimas eleições presidenciais, instalou-se no Brasil uma crise política cujo ritmo e pauta pública são seletivamente determinados por um conluio explícito entre segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal, do Judiciário e oligopólios de mídia que, em torno da justa causa do combate à corrupção, se uniram no objetivo não declarado – mas evidente – de destruir qualquer vestígio de ética e moralidade pública que possa existir no Partido dos Trabalhadores, seus lideres e militantes.
Trata-se de questão delicada, por isso mesmo difícil de ser enfrentada. Não se insinua aqui que não deva haver, como aliás tem havido, diga-se, sem qualquer interferência do Poder Executivo, combate diuturno à corrupção. Não. Trata-se de denunciar a estratégia política seletiva (e até mesmo, partidária) de fazer parecer que a corrupção no Brasil é prática que tem suas origens nos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores e que, ele, e somente ele, enfrenta acusações de corrupção.
Os vazamentos seletivos de informação sigilosa
Dito isso, não há qualquer segredo em relação a estratégia de vazamentos seletivos de informações sigilosas para imprensa executada pela Operação Lava Jato. Vale reproduzir aqui trecho de artigo sobre a Operação Mani Pulite, na Itália, do juiz Sergio Fernando Moro, publicado ainda em 2004.
Moro cita texto de Mark Gilbert [Mark Gilbert. The italian revolution: the end of politics, Italian style? Colorado: Westview Press, 1995. P. 138-140] sobre a estratégia na Itália assim:
“Os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. ” (...)
Em seguida Moro comenta:
“A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado.
Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação (sic) de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios.
As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação mani pulite. ”Os vazamentos e o seu timing, no Brasil, parecem – e muito provavelmente são – cuidadosamente planejados para provocar reações no Congresso Nacional, mas, sobretudo, para “manter o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”. Por outro lado, tamanha é a seletividade das informações sigilosas que são vazadas e tamanha é a incapacidade do Ministério da Justiça e da Polícia Federal em identificar a origem de tais vazamentos, que se torna claro o objetivo não só de “manter o interesse”, mas de construir uma opinião pública favorável a alguns políticos e partidos e desfavorável a outros políticos e partidos.
A Carta Aberta dos advogados
Apesar da tentativa de membros da Justiça e, sobretudo, dos oligopólios de mídia de desacreditá-la e de reduzir sua significação à mera estratégia de defesa de um dos réus, a Carta Aberta assinada por 104 advogados e divulgada no dia 15 de janeiro adverte:
No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. (...) O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira [negrito meu].
Referindo-se a recente matéria de capa da revista Veja, a Carta Aberta dos advogados afirma:
Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos – o que tem marcado, desde o começo das investigações, o comportamento perverso e desvirtuado estabelecido entre os órgãos de persecução e alguns setores da imprensa.
Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada [negrito meu].
O que está em jogo
Não é novidade para ninguém o comprometimento histórico dos oligopólios de mídia brasileiros com os golpes de estado e os regimes ditatoriais. O que talvez constitua novidade é a aparente ausência de limites para a ação destes oligopólios em conluio com segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário.
Diante da ridícula circulação/dia que os chamados jornalões atingiram no nosso país [Folha de São Paulo, 175.441; O Globo, 183.404; Estado de São Paulo, 149.241; dados para dezembro de 2014] parece estar em andamento uma estratégia de sobrevivência empresarial cuja opção é seduzir, ainda mais, nichos da direita do espectro político, sobretudo a classe média urbana. E aposta-se tudo para que o desfecho da crise – seja ele qual for – entregue o comando do país a forças e interesses aliados, vale dizer, aos partidos que hoje fazem oposição ao Planalto. Os sinais nesse sentido são evidentes.
A crise política e econômica, um Congresso Nacional predominantemente conservador e orientado por interesses fisiológicos, combinados com a estratégia seletiva da “Mani Pulite” utilizada pela da Operação Lava Jato e o comprometimento descarado dos oligopólios de mídia, constituem um conjunto de circunstâncias inédito que assusta e amedronta.
Há um limite para tudo isso? Não seria hora de setores democráticos em posição institucional de decisão, aliados a movimentos sociais populares se darem conta de que os destinos da democracia brasileira estão sendo conduzidos pela lógica de um conluio entre segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal, do Judiciário e os oligopólios de mídia?
Na reabertura dos trabalhos dos poderes Legislativo e Judiciário reside também alguma esperança de que a razão e o bom senso afinal prevaleçam. Ou, talvez, já seja tarde demais.
A ver.
Trata-se de questão delicada, por isso mesmo difícil de ser enfrentada. Não se insinua aqui que não deva haver, como aliás tem havido, diga-se, sem qualquer interferência do Poder Executivo, combate diuturno à corrupção. Não. Trata-se de denunciar a estratégia política seletiva (e até mesmo, partidária) de fazer parecer que a corrupção no Brasil é prática que tem suas origens nos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores e que, ele, e somente ele, enfrenta acusações de corrupção.
Os vazamentos seletivos de informação sigilosa
Dito isso, não há qualquer segredo em relação a estratégia de vazamentos seletivos de informações sigilosas para imprensa executada pela Operação Lava Jato. Vale reproduzir aqui trecho de artigo sobre a Operação Mani Pulite, na Itália, do juiz Sergio Fernando Moro, publicado ainda em 2004.
Moro cita texto de Mark Gilbert [Mark Gilbert. The italian revolution: the end of politics, Italian style? Colorado: Westview Press, 1995. P. 138-140] sobre a estratégia na Itália assim:
“Os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. ” (...)
Em seguida Moro comenta:
“A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado.
Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação (sic) de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios.
As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação mani pulite. ”Os vazamentos e o seu timing, no Brasil, parecem – e muito provavelmente são – cuidadosamente planejados para provocar reações no Congresso Nacional, mas, sobretudo, para “manter o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”. Por outro lado, tamanha é a seletividade das informações sigilosas que são vazadas e tamanha é a incapacidade do Ministério da Justiça e da Polícia Federal em identificar a origem de tais vazamentos, que se torna claro o objetivo não só de “manter o interesse”, mas de construir uma opinião pública favorável a alguns políticos e partidos e desfavorável a outros políticos e partidos.
A Carta Aberta dos advogados
Apesar da tentativa de membros da Justiça e, sobretudo, dos oligopólios de mídia de desacreditá-la e de reduzir sua significação à mera estratégia de defesa de um dos réus, a Carta Aberta assinada por 104 advogados e divulgada no dia 15 de janeiro adverte:
No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. (...) O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira [negrito meu].
Referindo-se a recente matéria de capa da revista Veja, a Carta Aberta dos advogados afirma:
Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos – o que tem marcado, desde o começo das investigações, o comportamento perverso e desvirtuado estabelecido entre os órgãos de persecução e alguns setores da imprensa.
Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada [negrito meu].
O que está em jogo
Não é novidade para ninguém o comprometimento histórico dos oligopólios de mídia brasileiros com os golpes de estado e os regimes ditatoriais. O que talvez constitua novidade é a aparente ausência de limites para a ação destes oligopólios em conluio com segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário.
Diante da ridícula circulação/dia que os chamados jornalões atingiram no nosso país [Folha de São Paulo, 175.441; O Globo, 183.404; Estado de São Paulo, 149.241; dados para dezembro de 2014] parece estar em andamento uma estratégia de sobrevivência empresarial cuja opção é seduzir, ainda mais, nichos da direita do espectro político, sobretudo a classe média urbana. E aposta-se tudo para que o desfecho da crise – seja ele qual for – entregue o comando do país a forças e interesses aliados, vale dizer, aos partidos que hoje fazem oposição ao Planalto. Os sinais nesse sentido são evidentes.
A crise política e econômica, um Congresso Nacional predominantemente conservador e orientado por interesses fisiológicos, combinados com a estratégia seletiva da “Mani Pulite” utilizada pela da Operação Lava Jato e o comprometimento descarado dos oligopólios de mídia, constituem um conjunto de circunstâncias inédito que assusta e amedronta.
Há um limite para tudo isso? Não seria hora de setores democráticos em posição institucional de decisão, aliados a movimentos sociais populares se darem conta de que os destinos da democracia brasileira estão sendo conduzidos pela lógica de um conluio entre segmentos do Ministério Público, da Polícia Federal, do Judiciário e os oligopólios de mídia?
Na reabertura dos trabalhos dos poderes Legislativo e Judiciário reside também alguma esperança de que a razão e o bom senso afinal prevaleçam. Ou, talvez, já seja tarde demais.
A ver.
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