Por Helena Sthephanowitz, na Rede Brasil Atual:
Enquanto tenta acelerar a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição, a PEC 241, que vai impor ao povo racionamento na educação, na saúde, na renda dos trabalhadores, nas aposentadorias e até na comida da população mais vulnerável, o governo de Michel Temer desfruta a aliança com os meios de comunicação para tripudiar sobre a ludibriada opinião pública.
Dias depois do luxuoso banquete para 281 convidados, 217 parlamentares, 33 ministros e assessores e 31 mulheres de congressistas, começa a aparecer o custo do agrado. As versões mais conservadoras estimam em entre R$ 180 e R$ 200 por pessoas. O valor total desembolsado seria entre R$ 50,5 mil e R$ 56,2 mil –embora algumas notícias aqui e ali tenha citado valores acima de R$ 100 mil.
Além de deputados da base de Temer, aproveitaram o jantar grátis (existe jantar grátis?) o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, o homem do pato, e aquele que foi considerado a "estrela" da noite, o ex-deputado Roberto Jefferson, cacique do PTB e réu confesso condenado da Ação Penal 470, o chamado mensalão.
Foi assim que Michel Temer passou a noite de domingo (9) construindo a maioria para aprovar o maior ataque aos direitos do povo na história deste país, para garantir apoio e quórum para a votação da PEC 241, no dia seguinte, Ao congelar e desvincular os gastos públicos por 20 anos.
Mas talvez esse gasto com o jantar venha a ser fichinha perto do que os brasileiros podem vir a perder tanto com a PEC – se sua aprovação vier a se confirmar –, quanto com o os cargos distribuídos entre os parlamentares e seus indicados em postos do governo e estatais. Se a história do PMDB desde os anos 1980 foi cobrar caro dos governos que apoiou, agora, que está do outro lado do balcão, sabe que um jantar pomposo ajuda, mas não resolve.
Claro que o moralismo seletivo de nossa imprensa corporativa não iria perdoar esse festival de fisiologia explícita se partisse de algum governo progressista. Mas o fato é que ela também tomou parte da farra. Segundo notas discretas em alguns jornais, o repasse desembolsado em propaganda na televisão e nos jornais para convencer a população de que a PEC é necessária para "equilibrar" o orçamento estaria na casa dos R$ 20 milhões.
Três dias depois, na quarta-feira (12), a portas fechadas, Michel Temer almoçou no Palácio do Jaburu, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para discutir medidas para recuperar a economia e agradecer a bancada do PSDB na Câmara pela aprovação da favor da PEC em primeiro turno. FHC ouviu também a promessa de um novo jantar com senadores da base aliada, nos mesmos moldes do que foi organizado com os deputados.
Do almoço no Jaburu participou ainda o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral – onde tramitam cinco ações contra a chapa presidencial que tinha Temer como vice. Com o "amigo" Gilmar o assunto teria sido a reforma política – já que líderes dos partidos devem discutir a partir da próxima semana e alterações no sistema eleitoral.
Gilmar Mendes manifestou a Temer preocupação com a pauta discutida no Congresso e disse ser necessário encontrar uma forma eficaz de financiamento eleitoral. Mas disse que, "o pessoal está otimista com o bom resultado da eleição municipal, e com a aprovação da PEC para refazer a situação muito difícil do país".
Se é para ser tão neoliberal, o governo Temer pelo menos poderia colocar os banqueiros para pagar a conta. Afinal, a PEC 241 impõe limites a gastos com saúde, educação, salários e outras políticas sociais, mas não ao pagamento de juros aos bancos.
Escândalo esquecido
Para completar a semana em que a aliança governo-mídia tripudiou sobre a nossa ludibriada opinião pública, nada mais "normal" do que a notícia de que caducou o processo nº 990046981-0, que tratava do chamado caso Marka-FonteCindam, de 1999 – por peculato e gestão fraudulenta de instituição financeira em operações de câmbio feitas em 1999 nos bancos FonteCindam e Marka, do banqueiro italiano Salvatore Cacciola.
O caso é um dos mais emblemáticos escândalos do governo FHC (PSDB) e custou aos brasileiros R$ 1,5 bilhão à época. Era 1998, e o presidente concorria à reeleição. A moeda brasileira estava sobrevalorizada, mas FHC não a desvalorizava, alegando que a medida desestabilizaria a economia e a população poderia perder a confiança no governo. Houve fuga de capitais, e o país foi pedir socorro ao FMI, alegando crise internacional.
Passada a eleição, Fernando Henrique, então reeleito, mudou o sistema de câmbio fixo (dentro da faixa chamada banda cambial), para o de câmbio flutuante, no início de 1999. O dólar pulou imediatamente de R$ 1,22 para R$ 1,60. Isso com inflação baixa e salários fixos, em real.
Para ilustrar as consequências da medida: muita gente havia comprado carros por meio de leasing, com valores em dólares. Alguns perderam o que já tinha sido pago, e devolveram o carro, tamanho foi o aumento da mensalidade, na conversão para o real.
Empresários que tinham empréstimos em dólares quebraram ou quase. Importadores tiveram os custos de suas mercadorias em reais quase dobrados, e não tinham como vender a esse preço. Todos que acreditaram na estabilidade cambial perderam.
Mas os bancos privados tiveram um enorme lucro. Quem ficou "vendido" em dólares (ou seja, com o prejuízo) foi só o Banco do Brasil (que "misteriosamente" foi um dos únicos bancos que não previram a desvalorização do real, sofrendo um enorme prejuízo), e mais dois bancos pequenos, Fonte-Cindam e Marka, ambos de Cacciola.
Mas veio o Banco Central (BC), que acabou sendo uma "mãe" para os bancos de Cacciola saldarem seus contratos em moeda estrangeira. Ao Marka, o BC vendeu o dólar, que custava R$ 1,60, por R$ 1,27. Ao FonteCindam, por R$ 1,32.
Com isso Marka e FonteCindam tiveram seus lucros garantidos, pois receberam dólares comprados com cotação subsidiada pelo povo brasileiro, e puderam revender a R$ 1,60.
Ao todo, os dois bancos provocaram um rombo de R$ 1,5 bilhão.
Cacciola foi preso por crime contra o sistema financeiro. Em 2000, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello concedeu-lhe habeas-corpus e, no dia seguinte, o banqueiro fugiu para a Itália.
Esse escândalo do governo FHC levou à condenação do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes a 10 anos de prisão, e a ex-diretora do BC Tereza Grossi a 13 anos. Outros diretores do BC também foram condenados. Quinze anos após condenação, todos estão soltos e o crime, prescrito.
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