segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PEC-241 e o desmonte do Brasil

Por Tatiana Carlotti, no site Carta Maior:

Os vendilhões do país comemoram: com 366 votos a favor, 111 contra e 2 abstenções, a PEC 241 passou pela primeira votação na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada em mais três votações (duas no Senado), as bases do Estado mínimo se fincam no país.

A campanha foi agressiva. Quem abriu os jornalões no último domingo viu o tamanho dos anúncios pagos pelo setor privado. É preciso muita convicção ideológica ou descaramento para incensar uma excrescência constitucional, como a PEC 241, enquanto única “saída” para driblarmos a crise econômica.

Nos noticiários, onlines e jornalões do PIG – o Partido da Mídia Golpista - a proposta de congelar investimentos do Estado, ao longo de vinte anos, vem sendo apresentada com uma naturalidade digna de Oscar. Trata-se de uma “necessidade”, afirmam comentaristas, colunistas e selecionados “especialistas”.

Nenhum aprofundamento sobre as graves consequências da PEC 241 em áreas vitais como saúde, educação, saneamento básico ou cortes dos programas sociais. Nenhum debate efetivo sobre o impacto da PEC 241 no salário mínimo, que passará a ser reajustado apenas pela inflação (saiba mais).

São tempos de golpe, impera o vale tudo. O que estamos vivendo é um ataque, sem precedentes, contra direitos garantidos pela Constituição de 1988.

“Mãos ao alto”

A inconstitucionalidade da PEC 241 foi denunciada até mesmo pela Procuradoria Geral da República (PGR). No mesmo dia em que o decorativo Michel Temer lançava a campanha “Vamos tirar o Brasil do vermelho”, em clara provocação à esquerda, a PGR afirmava:

“As alterações por ela [PEC 241] pretendidas são flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a independência e a autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário e por ofenderem a autonomia do Ministério Público e demais instituições constitucionais do Sistema de Justiça (...) e, por consequência, o princípio constitucional da separação dos poderes, o que justifica seu arquivamento” (leia a íntegra do documento).

A ofensa vai além. A PEC 241 traz mudanças efetivas na Constituição brasileira, sem qualquer consulta popular, passando por cima de direitos fundamentais e dos interesses da maioria da população. Diga-se de passagem, isso efetivamente mereceria um impeachment.

Mas, em tempos de golpe, em plena ilegalidade, os parasitas da nação – leia-se toda a corja a serviço das elites financeiras e econômicas – se preparam para assaltar o Brasil. Como? Com a imposição de uma dura agenda de austeridade que já mostrou sua eficácia: a de quebrar países no mundo inteiro. Viveremos mais vinte anos de desmonte? Não bastaram os vinte anos de ditadura militar?

Não sem resistência.

PEC do fim do mundo

Tuitaços, ocupações de escolas, manifestações de rua. A resistência popular contra a “PEC do fim do mundo”, como é chamada a PEC 241, está acontecendo em todo o país. Nas redes sociais, é possível encontrar uma série de vídeos explicativos, como o vídeo abaixo, produzido pela frente Povo Sem Medo:

Em nota técnica (confira aqui), o DIAP chegou a estimar como seria o Brasil caso a PEC 241 estivesse em vigor desde 2003. O salário mínimo, por exemplo, estaria hoje em R$ 509,00 e não nos atuais R$ 880,00 (saiba mais). Confira abaixo o quadro comparativo, nesta situação hipotética, dos investimentos em educação e saúde:




Na última segunda-feira (10.10.2016), um documento intitulado “Austeridade e Retrocesso” (leia a íntegra), organizado pela Sociedade Brasileira de Economia e Política, Fórum 21, Friedrich Ebert Stiftung e Plataforma Política Social foi entregue, antes da votação, aos congressistas.

Apresentando alternativas para o enfrentamento da crise, o documento alerta para as consequências da implantação do Estado mínimo e das políticas de austeridade no país. Demonstra, inclusive, como o congelamento dos investimentos prejudica o crescimento econômico: “no círculo vicioso da austeridade, cortes do gasto público induzem a redução do crescimento que provoca novas quedas de arrecadação que, por sua vez, exige novos cortes de gasto”.

E mais: “para que o teto global da despesa seja cumprido – dado que algumas despesas como os benefícios previdenciários tendem a crescer acima da inflação –, os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos, o que pode comprometer o funcionamento da máquina pública e o financiamento de atividades estatais básicas”.

Após a entrega do documento, o economista Pedro Rossi (Unicamp) apontou “a queda na arrecadação e os juros nominais enormes” como responsáveis pelo crescimento da dívida. “Não foi o gasto primário que é a mira dessa PEC”, complementou. Ele também destacou que “todos os países que tiveram austeridade dura tiveram problemas enormes de crescimento econômico” (confira a coletiva).

“A [PEC 241] não ajusta a questão fiscal do Brasil, não traz o crescimento econômico e, no fundo, traz outro projeto de país que não é o que está colocado na Constituição de 1988", complementou. Não está na Constituição e nem foi eleito nas urnas em 2014.

A falácia do crescimento

No artigo “Uma crítica aos pressupostos do ajuste econômico” (FSP, 09.10.2016), os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zahluth Bastos rechaçam a agenda da austeridade e o teto para os gastos públicos, demonstrando como as medidas propostas por Temer levam à queda do crescimento, atingindo os trabalhadores e os empresários.

“Como não perceber o desastre caso o governo e o Banco Central também sinalizem para uma grande depreciação cambial que, antes de estimular exportações, encarecerá importações e passivos externos? ”, questionam, ao apontar que “uma política que contribui para derrubar o PIB não tem como reduzir a relação dívida/PIB”.

Eles também apontaram o papel dos juros na ampliação da dívida pública: “juros elevados e inexplicáveis são o principal determinante da ampliação da dívida pública, gerando custos que a austeridade do gasto social e do investimento público é incapaz de controlar, tanto mais porque os cortes limitam o crescimento do PIB”.

Na avaliação de Belluzzo e Bastos, “se há algum momento propício para a austeridade, esse é o boom e não a recessão”. Sobre PEC 241, eles são categóricos: “levará a cortes radicais nas leis que preveem ampliação da cobertura de bens e serviços públicos, inclusive educação e saúde, para poupar recursos para o pagamento da dívida pública”.

Avaliam, inclusive, a proposta como uma impostura política, lembrando que “pesquisas de opinião mostram que a imensa maioria da população (até 98%) aprova a universalidade e a gratuidade da saúde e da educação pública”. E complementam:

“O maior risco atual à democracia brasileira é que instituamos uma ditadura de tecnocratas que legitimam, com retórica cientificista, mudanças no pacto social inscrito na Constituição Federal com base em argumentos desatualizados empírica e teoricamente”.

Desmonte do pacto social

Mudanças que têm como objetivo a imposição do Estado mínimo, como destaca o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, para quem o objetivo da PEC 241 “não é o ajuste fiscal, que é necessário”, mas sim “a redução do tamanho do Estado, que nada tem de necessária” (leia mais).

Segundo Bresser-Pereira, o objetivo geral da “luta de classes neoliberal” é reduzir os salários diretos e indiretos dos trabalhadores: “salários diretos através das reformas trabalhistas; e os indiretos através da redução do tamanho do Estado ou a desmontagem do Estado Social”.

Na esteira da ruptura da ordem democrática, consolidada com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, segue a quebra de um pacto social. Um ataque, jamais visto, até então, contra a Carta Magna.

Enquanto isso, a população brasileira segue sob a condução de um governo que não elegeu, sem possibilidade de opinar e sem a necessária informação sobre as consequências da PEC 241 em suas vidas. Eis a obra de um aparato midiático – fortemente ideológico – destinado à instalação do Estado mínimo e da política de austeridade no país.

A batalha não está perdida. A PEC 241 precisa passar por mais três votações: uma na Câmara dos Deputados e duas no Senado Federal.

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