Por Dayane Santos, no site Vermelho:
Diversas organizações nacionais e internacionais de jornalismo manifestaram preocupação com a ameaça ao direito ao sigilo da fonte provocado pela condução coercitiva do jornalista blogueiro Eduardo Guimarães, determinada pelo juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância.
Entre as entidades estão a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a ONG Repórteres Sem Fronteiras e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O jornalista e advogado uruguaio Edison Lanza, relator especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos), criticou a condução coercitiva contra Guimarães por meio das redes sociais.
"Grave: juiz Moro submeteu e obrigou blogueiro a revelar fontes. Não se combate a corrupção sem liberdade de imprensa", afirmou Lanza.
“A Abraji manifesta preocupação com o risco de quebra de sigilo da fonte deste e de outros trabalhos do blogueiro, a partir do acesso a seus arquivos pessoais e profissionais. Não cabe à Justiça Federal traçar linhas a definir quem é e quem não é jornalista com o objetivo de afastar prerrogativas constitucionais”, afirma a entidade, que reforça que “não há dúvidas de que uma das atividades de Eduardo Guimarães é a manutenção de seu blog, por meio do qual realiza análises políticas desde 2010, uma atividade jornalística”.
“Divulgar o que sabe é não apenas um direito de Guimarães, como um dever”, frisa a entidade em nota.
A entidade destacou que comunicadores, blogueiros e jornalistas não estão imunes a investigações e, se houver indício de crimes estranhos à atividade de comunicação, devem ser investigados como qualquer cidadão. Mas salienta que a “não se pode admitir que a investigação atente contra princípios que garantem o exercício do jornalismo não apenas ao blogueiro, mas a todos os comunicadores do país”, finaliza.
Para a jornalista e coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, não se trata apenas de uma discricionariedade entre o que é investigação e direito, mas da falta de uma regulamentação específica sobre o exercício da atividade jornalística.
“O Brasil tinha uma lei de imprensa que era ruim, construída nos marcos de uma ditadura militar, que foi julgada inconstitucional do Supremo Tribunal Federal. Com isso, hoje não temos efetivamente uma regulação de como lidar com essas questões”, afirma Renata, destacando que a Constituição garante o sigilo da fonte, mas que ao mesmo que garante o direito é genérica quanto as demais questões que regem a profissão e a atividade.
“Temos muito claramente estabelecido na Constituição o sigilo da fonte. Tivemos uma importante conquista que foi a Lei de Acesso à Informação [que obriga a União, os estados e os municípios a divulgar seus gastos na Internet], mas não temos balizas mais claras que digam como a atividade de comunicação deve lidar com essas questões. Ficamos sob o escrutínio da interpretação dos vários agentes sociais, como do juiz Sérgio Moro que quer determinar quem é ou não jornalista, quem tem ou não o direito de sigilo da fonte”, argumentou.
Segundo Renata, a lacuna da legislação brasileira sobre o tema existe propositalmente porque importantes meios de comunicação se beneficiaram com a ausência de uma legislação.
Ela argumenta que nos últimos anos a atividade jornalística se transformou de maneira muito profunda por conta do surgimento de novas tecnologias da informação. “Com essas novas tecnologias surgiram os blogs com a possibilidade de que pessoas fora dos grandes meios de comunicação pudessem exercer a atividade jornalística”, pontua.
Para ela, a falta de regras levou à judicialização da censura e que tal censura não é um reflexo do golpe, mas uma situação enfrentada por dezenas de blogueiros e jornalistas da mídia alternativa nos últimos anos. Ela cita o caso mais recente do jornalista Marcelo Auler, que enfrenta um processo na Justiça do Paraná em que foi proibido de publicar qualquer assunto relacionado à Lava Jato. “Isso é censura previa”, diz.
E completa: “Mas muito antes do golpe, Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Viana, por exemplo passaram a acumular processos do Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo. Ou seja, os próprios meios de comunicação tentaram estabelecer uma censura judicial a essa mídia alternativa. Esse processo não nasceu com o golpe. É fruto da esfera política que se incomodou em ter uma voz denunciando as arbitrariedades da política, mas também dos meios de comunicação que sentiram que o monopólio do discurso da informação estava ameaçado”, destacou.
Renata defende a regulamentação dos meios de comunicação como forma de dissipar a “nebulosidade de regras existentes”.
“A regulação não vem para estabelecer censura, mas para estabelecer balizas que protejam a atividade de comunicação jornalística e o interesse público e definir essa linha tênue entre o que é sigilo e o que não é, o que é ético ou não, quem tem o direito ao sigilo, ou sigilo que ferem o segredo de justiça.”
A coordenadora da FNDC destaca que o exercício da atividade de comunicação envolve uma responsabilidade social e não pode ser tratada com dois pesos e duas medidas.
“A mesma regra que vale para o Jornal Nacional, do ponto de vista da sua responsabilidade, direito e deveres, tem que valer para um blogueiro que também exerce comunicação”, afirma.
Para ela, a condução coercitiva do jornalista Eduardo Guimarães caracteriza “um abuso de poder”, já que o mesmo não aconteceu com o Jornal Nacional e com tantos outros veículos de comunicação que vazaram conteúdo oriundo da Operação Lava Jato.
“Com o golpe, o país passou a ter um governo que promove a perseguição, diferentemente dos anos anteriores em que se primava pelo respeito aos direitos humanos e proteção das garantias fundamentais. Isso criou uma nova situação de maior dificuldade para o exercício da liberdade de expressão”, afirmou.
Renata pontua que, não somente os meios de comunicação alternativa, mas também os grandes meios de comunicação passaram a ser alvos por conta de um novo contexto político.
“A situação mudou e se começou a atingir a grande mídia. Com isso aumenta ainda mais a perseguição contra os pequenos porque a grande mídia, pelo seu poder, ainda é blindada, ou passa pela cabeça de alguém que o Ali Kamel ou William Bonner poderiam ser levados em condução coercitiva?”, indaga.
E finaliza: “No entanto, os grandes meios de comunicação perceberam que se os pequenos são frágeis, os grandes também podem ser alvos dessa tipo de situação”.
Nesta quinta-feira (23), o Estadão, que tem feito parte dos meios de comunicação que tem publicado conteúdo exclusivo de informações vazadas de investigações da Lava Jato, afirma em editorial intitulado "O sigilo e a lei" que: "É um equívoco achar que os vazamentos contribuem para combater a corrupção. Sua prática fere o bom Direito, sendo instrumento, não raro, para difamação seletiva. Vaza-se o que interessa politicamente vazar e mantém-se o restante sob o sigilo da lei. Esse modo de tratar as informações às quais se tem acesso pelo cargo público, arbitrando o que se guarda e o que se vaza, é grave distorção da função pública".
Para o Estadão, a confusão causada pelos vazamentos evidencia uma esquizofrenia no modo de tratar a lei. "De um lado, autoridades vazam com espantosa licenciosidade informações que estão sob sigilo legal. Cada vez mais tal prática é feita sem qualquer pudor, como se fosse da sua competência definir arbitrariamente o que ficará restrito e o que se tornará público. Em contraste com o relaxamento desses modos, atribui-se com enorme facilidade caráter sigiloso a um sem-número de informações, como se os trabalhos investigativos necessitassem de tanto rigor e segredo", afirma.
Diversas organizações nacionais e internacionais de jornalismo manifestaram preocupação com a ameaça ao direito ao sigilo da fonte provocado pela condução coercitiva do jornalista blogueiro Eduardo Guimarães, determinada pelo juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância.
Entre as entidades estão a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a ONG Repórteres Sem Fronteiras e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O jornalista e advogado uruguaio Edison Lanza, relator especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos), criticou a condução coercitiva contra Guimarães por meio das redes sociais.
"Grave: juiz Moro submeteu e obrigou blogueiro a revelar fontes. Não se combate a corrupção sem liberdade de imprensa", afirmou Lanza.
“A Abraji manifesta preocupação com o risco de quebra de sigilo da fonte deste e de outros trabalhos do blogueiro, a partir do acesso a seus arquivos pessoais e profissionais. Não cabe à Justiça Federal traçar linhas a definir quem é e quem não é jornalista com o objetivo de afastar prerrogativas constitucionais”, afirma a entidade, que reforça que “não há dúvidas de que uma das atividades de Eduardo Guimarães é a manutenção de seu blog, por meio do qual realiza análises políticas desde 2010, uma atividade jornalística”.
“Divulgar o que sabe é não apenas um direito de Guimarães, como um dever”, frisa a entidade em nota.
A entidade destacou que comunicadores, blogueiros e jornalistas não estão imunes a investigações e, se houver indício de crimes estranhos à atividade de comunicação, devem ser investigados como qualquer cidadão. Mas salienta que a “não se pode admitir que a investigação atente contra princípios que garantem o exercício do jornalismo não apenas ao blogueiro, mas a todos os comunicadores do país”, finaliza.
Para a jornalista e coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, não se trata apenas de uma discricionariedade entre o que é investigação e direito, mas da falta de uma regulamentação específica sobre o exercício da atividade jornalística.
“O Brasil tinha uma lei de imprensa que era ruim, construída nos marcos de uma ditadura militar, que foi julgada inconstitucional do Supremo Tribunal Federal. Com isso, hoje não temos efetivamente uma regulação de como lidar com essas questões”, afirma Renata, destacando que a Constituição garante o sigilo da fonte, mas que ao mesmo que garante o direito é genérica quanto as demais questões que regem a profissão e a atividade.
“Temos muito claramente estabelecido na Constituição o sigilo da fonte. Tivemos uma importante conquista que foi a Lei de Acesso à Informação [que obriga a União, os estados e os municípios a divulgar seus gastos na Internet], mas não temos balizas mais claras que digam como a atividade de comunicação deve lidar com essas questões. Ficamos sob o escrutínio da interpretação dos vários agentes sociais, como do juiz Sérgio Moro que quer determinar quem é ou não jornalista, quem tem ou não o direito de sigilo da fonte”, argumentou.
Segundo Renata, a lacuna da legislação brasileira sobre o tema existe propositalmente porque importantes meios de comunicação se beneficiaram com a ausência de uma legislação.
Ela argumenta que nos últimos anos a atividade jornalística se transformou de maneira muito profunda por conta do surgimento de novas tecnologias da informação. “Com essas novas tecnologias surgiram os blogs com a possibilidade de que pessoas fora dos grandes meios de comunicação pudessem exercer a atividade jornalística”, pontua.
Para ela, a falta de regras levou à judicialização da censura e que tal censura não é um reflexo do golpe, mas uma situação enfrentada por dezenas de blogueiros e jornalistas da mídia alternativa nos últimos anos. Ela cita o caso mais recente do jornalista Marcelo Auler, que enfrenta um processo na Justiça do Paraná em que foi proibido de publicar qualquer assunto relacionado à Lava Jato. “Isso é censura previa”, diz.
E completa: “Mas muito antes do golpe, Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Viana, por exemplo passaram a acumular processos do Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo. Ou seja, os próprios meios de comunicação tentaram estabelecer uma censura judicial a essa mídia alternativa. Esse processo não nasceu com o golpe. É fruto da esfera política que se incomodou em ter uma voz denunciando as arbitrariedades da política, mas também dos meios de comunicação que sentiram que o monopólio do discurso da informação estava ameaçado”, destacou.
Renata defende a regulamentação dos meios de comunicação como forma de dissipar a “nebulosidade de regras existentes”.
“A regulação não vem para estabelecer censura, mas para estabelecer balizas que protejam a atividade de comunicação jornalística e o interesse público e definir essa linha tênue entre o que é sigilo e o que não é, o que é ético ou não, quem tem o direito ao sigilo, ou sigilo que ferem o segredo de justiça.”
A coordenadora da FNDC destaca que o exercício da atividade de comunicação envolve uma responsabilidade social e não pode ser tratada com dois pesos e duas medidas.
“A mesma regra que vale para o Jornal Nacional, do ponto de vista da sua responsabilidade, direito e deveres, tem que valer para um blogueiro que também exerce comunicação”, afirma.
Para ela, a condução coercitiva do jornalista Eduardo Guimarães caracteriza “um abuso de poder”, já que o mesmo não aconteceu com o Jornal Nacional e com tantos outros veículos de comunicação que vazaram conteúdo oriundo da Operação Lava Jato.
“Com o golpe, o país passou a ter um governo que promove a perseguição, diferentemente dos anos anteriores em que se primava pelo respeito aos direitos humanos e proteção das garantias fundamentais. Isso criou uma nova situação de maior dificuldade para o exercício da liberdade de expressão”, afirmou.
Renata pontua que, não somente os meios de comunicação alternativa, mas também os grandes meios de comunicação passaram a ser alvos por conta de um novo contexto político.
“A situação mudou e se começou a atingir a grande mídia. Com isso aumenta ainda mais a perseguição contra os pequenos porque a grande mídia, pelo seu poder, ainda é blindada, ou passa pela cabeça de alguém que o Ali Kamel ou William Bonner poderiam ser levados em condução coercitiva?”, indaga.
E finaliza: “No entanto, os grandes meios de comunicação perceberam que se os pequenos são frágeis, os grandes também podem ser alvos dessa tipo de situação”.
Nesta quinta-feira (23), o Estadão, que tem feito parte dos meios de comunicação que tem publicado conteúdo exclusivo de informações vazadas de investigações da Lava Jato, afirma em editorial intitulado "O sigilo e a lei" que: "É um equívoco achar que os vazamentos contribuem para combater a corrupção. Sua prática fere o bom Direito, sendo instrumento, não raro, para difamação seletiva. Vaza-se o que interessa politicamente vazar e mantém-se o restante sob o sigilo da lei. Esse modo de tratar as informações às quais se tem acesso pelo cargo público, arbitrando o que se guarda e o que se vaza, é grave distorção da função pública".
Para o Estadão, a confusão causada pelos vazamentos evidencia uma esquizofrenia no modo de tratar a lei. "De um lado, autoridades vazam com espantosa licenciosidade informações que estão sob sigilo legal. Cada vez mais tal prática é feita sem qualquer pudor, como se fosse da sua competência definir arbitrariamente o que ficará restrito e o que se tornará público. Em contraste com o relaxamento desses modos, atribui-se com enorme facilidade caráter sigiloso a um sem-número de informações, como se os trabalhos investigativos necessitassem de tanto rigor e segredo", afirma.
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