domingo, 26 de novembro de 2017

A reforma dos banqueiros contra o povo

Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:

De todas as crueldades impostas pelo governo ilegítimo de Michel Temer, a reforma da previdência sempre pareceu a mais difícil de ser concretizada. A rejeição popular sempre foi enorme e o governo não conta com o mesmo apoio maciço do congresso como em votações anteriores. Diante das dificuldades, foram feitas algumas mudanças no texto, mas nada a ponto de alterar a essência devastadora dos direitos previdenciários. Preocupado com a ameaça do PSDB abandonar a barca furada governista, Temer convidou o nobilíssimo senador Aécio Neves para fazer a articulação e conseguir mais votos a favor da reforma. Não havia nome mais adequado para comandar este ataque aos aposentados.

Mas a melhor estratégia encontrada pelo governo até aqui foi gastar fortunas em propaganda. Mesmo em tempos de arrocho, Temer enfiou a mão nos cofres públicos para iniciar uma gigantesca campanha publicitária a favor da reforma. Só no primeiro semestre deste ano, torrou aproximadamente R$100 milhões em publicidade para tentar torná-la palatável. Está funcionando.

Segundo pesquisa do DataPoder360, a rejeição popular à reforma vem despencando. Em abril, 66% dos pesquisados eram contra. Em novembro, a porcentagem caiu para 51%, enquanto a aprovação subiu de 24% para 32%. Temer então decidiu continuar investindo alto. Esta semana, deputados e senadores autorizaram o governo a gastar mais R$99 milhões em publicidade pró- reforma. Não se sabe se os meus amigos do MBL estão abocanhando parte da bufunfa, mas, no ano passado, o grupo foi convocado para ajudar a construir as estratégias de comunicação das reformas – talvez venha daí o tom terrorista adotado pelas campanhas.
Além da propaganda oficial, os grandes veículos de comunicação também não cansam de nos informar sobre o tamanho do rombo e a urgência da reforma. O discurso é único, com pouquíssimo espaço para opiniões divergentes. Querem nos fazer acreditar que a única alternativa além da reforma é a barbárie.

Em abril, uma CPI da Previdência foi criada no Senado para investigar as contas da Previdência Social. Ela foi assinada por senadores de todos os partidos, inclusive do PMDB, apesar da pressão do governo. O relatório final da comissão, aprovado por unanimidade, concluiu que não existe déficit na previdência. O que existe é uma má gestão dos recursos e uma enorme negligência na cobrança dos devedores, que deixam de pagar para depois recorrer ao Refis. Empresas privadas devem R$ 450 bilhões e nem se preocupam em pagar porque sabem que não serão incomodadas pelo governo. Só a JBS deve mais de R$ 1.8 bilhão para a previdência.

A conclusão da CPI não chega a ser uma novidade, mas um fato chama a atenção: até mesmo os integrantes da bancada governista concordam não haver rombo na previdência brasileira. É um dado relevante, mas pouco se falou a respeito. Diferente do que ocorre com a maioria das CPIs, que sempre estiveram sob holofotes, a da Previdência não recebeu praticamente nenhuma cobertura da mídia, o que talvez se explique pelo fato de que grandes anunciantes sejam também grandes devedores. Os bancos, claro, são os que mais devem.

A agenda pública do homem por trás da reforma, o secretário da Previdência Social Marcelo Caetano, mostra quais interesses o governo pretende atender. Foram diversos encontros com representantes de instituições financeiras, que são grandes interessados em vender planos de previdência privada. Bancos como Bradesco, Itaú e Santander, devedores milionários da previdência (só o Bradesco deve quase meio bilhão), mantêm encontros frequentes com o secretário. Houve até uma reunião com o MBL, mas não há registro de nenhuma com entidades representativas dos trabalhadores (exceto uma com a UGT, a central sindical amiga de Temer). A desfaçatez é tanta que, até ser denunciado em março deste ano, Caetano acumulava as funções de secretário da Previdência e conselheiro da BrasilPrev – uma das maiores empresas de previdência privada do Brasil.

Agências de classificação de risco internacionais seguem o discurso hegemônico pró-reforma da mídia brasileira. O tom terrorista também é o mesmo. A Standard & Poor’s chegou a emitir um alerta ameaçando rebaixar a nota do Brasil caso a reforma seja adiada.

Assim como Dilma não foi deposta por pedaladas fiscais, o objetivo da reforma não é salvar o país da crise, mas atender aos interesses do mercado financeiro. A conta da má gestão desses recursos públicos será empurrada para o trabalhador, enquanto os grandes devedores, que foram perdoados por todos os governos, continuarão sendo preservados. Os bancos ainda serão agraciados com o abocanhamento do mercado da previdência privada que irá bombar após a reforma. É isso o que está em jogo. Os milhões gastos em publicidade são para escamotear essa realidade e empurrar para o trabalhador uma conta que não é dele. Um presidente que não foi eleito está gastando o nosso dinheiro em propaganda para nos convencer de que a única saída para a crise é o esquartejamento dos nossos direitos previdenciários. Esse é o drama brasileiro.

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