domingo, 21 de outubro de 2018

A marca do zapgate

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

“Segue o baile”, deve dizer hoje a presidente do TSE, Rosa Weber.

Apesar da repercussão e da cobrança da sociedade, não haverá anulação do primeiro turno, viciado pelo bombardeio de fakenews, como pediu o PDT, nem a candidatura de Bolsonaro será impugnada, como quer o PT.

Não se conclui um processo de impugnação em uma semana mas, considerada a gravidade dos fatos, o TSE não pode ficar na mera abertura da investigação.

Precisa dar hoje algum sinal de que, nesta última semana de campanha, não haverá aquele tipo de assédio aos eleitores, financiado e executado de forma ilegal.

Esta semana as pesquisas dirão se Bolsonaro perdeu votos com o zapgate ou se fatos tão graves foram também naturalizados por este eleitor que não se incomoda nem com o risco de uma nova ditadura.

A vitória dele continua altamente provável mas agora terá o estigma da manipulação.

Seu eventual governo, que já inspirava receios, por conta de seu despreparo, e pavor, por conta de seu autoritarismo, estará desde o início, como o de Dilma, sob a lâmina de uma guilhotina.

A ação semelhante do PSDB contra Dilma e Temer só foi julgada quase três anos depois.

Como ela já havia sido derrubada, o TSE resolveu poupar Temer, em nome da estabilidade.

Com Bolsonaro no cargo, o establishment pode usar a ação para tentar domá-lo e, se a situação exigir, para defenestrá-lo.

Mas ele não é Dilma nem é do PT, que se submeteram ao rito constitucional, mesmo gritando golpe.

O que faria Bolsonaro diante de eventual cassação, sendo quem é e tendo os militares do seu lado? Nem é bom pensar.

Um pouco do que houve

Para bem avaliar o impacto da tempestade de fake news via whatsapp no primeiro turno, vale à pena revisitar, com olhos de agora, aqueles dias finais em que o quadro começou estranhamente a mudar.

Tudo começa no sábado, 29 de setembro, quando as mulheres vão às ruas gritar #Elenão.

As manifestações deviam impulsionar Fernando Haddad, que vinha numa onda de crescimento.

De fato, na segunda-feira, primeiro de outubro, o Datafolha mostrou-o isolado em segundo lugar, após ter crescido seis pontos percentuais numa semana, reduzindo a diferença em relação a Bolsonaro: 28% a 22%.

Ninguém entendeu quando, na quarta-feira, o Datafolha registrou um crescimento inédito de Bolsonaro que, furando a barreira dos 30%, chegara aos 32%.

Haddad havia oscilado de 22% para 21%. O #Elenão foi criticado e a tensão subiu na campanha petista.

Bolsonaro passou de 21% para 27% entre as mulheres e de 44% para 51% entre os que ganham cinco e 10 salários-mínimos. O petista viu sua rejeição subir de 32% para 41%, enquanto a do adversário oscilava de 46% para 45%.

Hoje se sabe que, na segunda-feira, como resposta ao #Elenão e ao crescimento de Haddad, começou o bombardeio.

A primeira rajada alcançou principalmente mulheres e evangélicos, com mensagens falsas contra a própria manifestação de sábado: fotos de mulheres com seios de fora ou se beijando e cartazes pregando o aborto e muitas peças sobre o kit gay.

É desta safra a fakenews em que Manuela D’Ávila veste camiseta preta em que se lê “Jesus é travesti”.

Provou-se depois que a inscrição original era “Rebele-se”.

Falou-se em mulheres defecando na rua, o que fez Eduardo Bolsonaro dizer que “as mulheres da direita são mais bonitas e higiênicas que as da esquerda”.

Estava criada a onda conservadora.

Bolsonaro ganhou o apoio de Edir Macedo, da Igreja Universal e da TV Record, e de pastores de todos os ramos evangélicos.

Em seguida houve o reforço do antipetismo, com mensagens sobre corrupção, responsabilidade pela crise, a prisão de Lula, que iria mandar de fato no governo de seu “poste”, o risco de venezuelização, denúncias sobre bilhões de dólares que o PT, via BNDES, teria doado a países comunistas, como Cuba, Angola e outros.

Na sexta-feira, antevéspera do pleito, o resultado. Bolsonaro chegava a 39% contra 25% de Haddad.

No domingo, ao votar, ele previu que liquidaria a fatura naquele dia. Quase deu.

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