Por Marcus Ianoni, no site Brasil Debate:
O processo eleitoral delimitou uma questão-chave, bipolar, um divisor de águas na acirrada disputa em curso: o que importa mais para as lideranças políticas, sociais e econômicas e para os eleitores, o antibolsonarismo ou o neoantipetismo, que emerge desde 2014? Essa polarização alavanca duas grandes frentes lutando para conquistar a maioria nas urnas: a frente anti-Bolsonaro e a frente anti-PT. O pano de fundo conceitual e prático da disputa tem o seguinte conteúdo subjetivo e objetivo: no que os atores apostarão, no autoritarismo pró-mercado excludente ou na democracia capitalista inclusiva? Afinal, os significados das candidaturas de Bolsonaro e de Haddad são, respectivamente, por um lado, o neoliberalismo autoritário e, por outro lado, a democracia social-desenvolvimentista.
Na frente anti-Bolsonaro, a maior força organizada é o PT, estruturada na candidatura presidencial de Fernando Haddad, bancada por Lula a partir da prisão em Curitiba. Mas essa frente é plural, social e partidariamente. Contém em seu interior, no que diz respeito ao perfil dos que declaram voto em Haddad e em comparação com a outra frente, mais mulheres que homens, mais não brancos que brancos, mais eleitores de baixa renda que ricos e mais nordestinos que sulistas. Mas, devido ao seu caráter plural, contém também eleitores de Ciro, de Marina, de Alckmin, de Meirelles, de Amoedo, de Boulos e dos outros cinco candidatos presidenciais desse primeiro turno. Há nela também agentes do mercado de dentro e de fora do Brasil, como evidenciado, recentemente, pela matéria de capa da revista conservadora The Economist, que caracteriza Bolsonaro como uma ameaça à economia e à democracia na América Latina, ou seja, não apenas no Brasil.
Bolsonaro é rejeitado por 49% dos eleitores, segundo pesquisa do Ibope (o texto foi escrito antes da divulgação da última pesquisa do Ibope, em 1º de outubro). A rejeição a Haddad é bem menor, 29%, mas, devido ao antipetismo, tem aumentado rapidamente. Entre as mulheres, que são 52,5% dos eleitores, sua taxa de rejeição é de 50%. Segundo a pesquisa do Datafolha divulgada em 13 de setembro, entre os jovens de 16 a 24 anos, que são 15,1% do eleitorado, sua rejeição chega a 56%.
Na frente antipetista, a maior força está no bolsonarismo convicto, hoje 19% dos eleitores, segundo a última pesquisa do Ibope, que mensurou Bolsonaro na liderança, com 28% das preferências. O eleitor típico desse candidato de extrema-direita é homem, branco, de classe média e de curso superior completo. Mas a frente contra o PT também é plural. Tem eleitores em todas as faixas de renda e conta com adeptos nas demais candidaturas supramencionadas.
O centro político está em crise. As quatro vitórias presidenciais dos petistas, a Lava Jato e os problemas na economia em 2014-2015 alimentaram a emergência do antipetismo. Ele empurrou tão fortemente para a direita o centro político-ideológico abrigado nos partidos e na sociedade, que acabou surgindo um extremismo direitista. Ou seja, a extrema direita, que ora assusta a direita autodenominada centrista, nasceu no que chamaria de neoantipetismo, cuja força motriz no plano institucional foi o PSDB, mais precisamente por meio de Aécio Neves, imediatamente após ser derrotado nas eleições de 2014.
Enquanto o velho antipetismo habitava o campo democrático, o novo agregou uma quantidade que lhe alterou a qualidade, tornando-o autoritário. E o autoritarismo é um campo político no qual a força subordina o direito. Em 2014-2015, as forças do neoantipetismo, a começar pelas lideranças, alinhadas na coalizão deposicionista, não visavam, em primeiro lugar, a construir um projeto alternativo de Brasil, mas sim afastar, criminalizar, excluir da competição política o principal obstáculo às suas pretensões de mudança: a existência de um partido de esquerda eleitoralmente competitivo, comandado por Lula. O pacto nacional do senador Romero Jucá (MDB-RR), “com o Supremo com tudo”, sintetizou, em 2016, o processo de construção da estrutura autoritária necessária para sustentar o restante da engenharia política da ponte neoliberal para o futuro.
Mas os principais partidos da nova ordem, MDB e PSDB, unidos no boicote ao ajuste fiscal de Levy, sob a liderança de Eduardo Cunha, na investida pela deposição de Dilma e na sustentação do governo Temer naufragaram duplamente: na corrupção e na economia. Em duas cartas recentes de atores tucanos, uma de Fernando Henrique Cardoso e outra escrita a quatro mãos por Eliana Cardoso e Bolívar Lamounier, os signatários exortam a direita do centro – Marina, Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles – a unir-se em torno da candidatura de Alckmin. Essa proposta aparece com toda a clareza na carta escrita em dupla. Marina logo a rejeitou. Conforme as declarações de Tasso Jereissati já haviam evidenciado, os tucanos estão em crise, pois a candidatura de Alckmin não decolou. Mas apelo tucano parece ser infrutífero.
Outro movimento para tentar salvar a lavoura desse campo órfão é a investida no voto útil em Ciro Gomes, candidato da centro-esquerda. A Globo, por meio de alguns de seus veículos e jornalistas, faz certa ofensiva nesse sentido. No último levantamento do Datafolha, o candidato do PDT aparece tecnicamente empatado com Haddad, embora marcando três pontos percentuais a menos que o petista. Mas há também quem avalie ser Ciro visto por forças da direita como herdeiro de Lula.
Enfim, pelas tendências das pesquisas e pela capilaridade do PT nas bases sociais e eleitorais, parece mais provável que o antibolsonarismo chegará ao segundo turno pelo social-desenvolvimentismo democrático de Fernando Haddad, e não com Ciro Gomes. Confirmado esse cenário, o quanto o antipetismo irracional da direita do centro vai continuar a ser mais importante do que a defesa do Estado Democrático de Direito e da aposta na superação da instabilidade política estrutural observada no país?
Merval Pereira, que questionou a resultado das urnas em 2014 e defendeu a deposição de Dilma tão rapidamente quanto Aécio Neves, e outros atores da direita não desistem de projetar freudianamente no PT qualidades antidemocráticas. Pensar e atuar no sentido de que o PT não tem espaço no país é algo que, se fosse possível viabilizar, seria à custa da liberdade política. O neoantipetismo é uma ameaça à democracia, seja o da direita moderada e o da direita extremada. Como disse recentemente uma eleitora para Haddad e para o governador Rui Costa, em Jequié, na Bahia, quem afastou Dilma e prendeu Lula esqueceu-se de prender o povo, ou seja, o soberano na democracia representativa. Qual das duas frentes políticas os atores em geral e as elites em particular apoiarão, sobretudo no segundo turno? O regime democrático depende de que a cultura democrática sustente uma sociedade democrática.
O processo eleitoral delimitou uma questão-chave, bipolar, um divisor de águas na acirrada disputa em curso: o que importa mais para as lideranças políticas, sociais e econômicas e para os eleitores, o antibolsonarismo ou o neoantipetismo, que emerge desde 2014? Essa polarização alavanca duas grandes frentes lutando para conquistar a maioria nas urnas: a frente anti-Bolsonaro e a frente anti-PT. O pano de fundo conceitual e prático da disputa tem o seguinte conteúdo subjetivo e objetivo: no que os atores apostarão, no autoritarismo pró-mercado excludente ou na democracia capitalista inclusiva? Afinal, os significados das candidaturas de Bolsonaro e de Haddad são, respectivamente, por um lado, o neoliberalismo autoritário e, por outro lado, a democracia social-desenvolvimentista.
Na frente anti-Bolsonaro, a maior força organizada é o PT, estruturada na candidatura presidencial de Fernando Haddad, bancada por Lula a partir da prisão em Curitiba. Mas essa frente é plural, social e partidariamente. Contém em seu interior, no que diz respeito ao perfil dos que declaram voto em Haddad e em comparação com a outra frente, mais mulheres que homens, mais não brancos que brancos, mais eleitores de baixa renda que ricos e mais nordestinos que sulistas. Mas, devido ao seu caráter plural, contém também eleitores de Ciro, de Marina, de Alckmin, de Meirelles, de Amoedo, de Boulos e dos outros cinco candidatos presidenciais desse primeiro turno. Há nela também agentes do mercado de dentro e de fora do Brasil, como evidenciado, recentemente, pela matéria de capa da revista conservadora The Economist, que caracteriza Bolsonaro como uma ameaça à economia e à democracia na América Latina, ou seja, não apenas no Brasil.
Bolsonaro é rejeitado por 49% dos eleitores, segundo pesquisa do Ibope (o texto foi escrito antes da divulgação da última pesquisa do Ibope, em 1º de outubro). A rejeição a Haddad é bem menor, 29%, mas, devido ao antipetismo, tem aumentado rapidamente. Entre as mulheres, que são 52,5% dos eleitores, sua taxa de rejeição é de 50%. Segundo a pesquisa do Datafolha divulgada em 13 de setembro, entre os jovens de 16 a 24 anos, que são 15,1% do eleitorado, sua rejeição chega a 56%.
Na frente antipetista, a maior força está no bolsonarismo convicto, hoje 19% dos eleitores, segundo a última pesquisa do Ibope, que mensurou Bolsonaro na liderança, com 28% das preferências. O eleitor típico desse candidato de extrema-direita é homem, branco, de classe média e de curso superior completo. Mas a frente contra o PT também é plural. Tem eleitores em todas as faixas de renda e conta com adeptos nas demais candidaturas supramencionadas.
O centro político está em crise. As quatro vitórias presidenciais dos petistas, a Lava Jato e os problemas na economia em 2014-2015 alimentaram a emergência do antipetismo. Ele empurrou tão fortemente para a direita o centro político-ideológico abrigado nos partidos e na sociedade, que acabou surgindo um extremismo direitista. Ou seja, a extrema direita, que ora assusta a direita autodenominada centrista, nasceu no que chamaria de neoantipetismo, cuja força motriz no plano institucional foi o PSDB, mais precisamente por meio de Aécio Neves, imediatamente após ser derrotado nas eleições de 2014.
Enquanto o velho antipetismo habitava o campo democrático, o novo agregou uma quantidade que lhe alterou a qualidade, tornando-o autoritário. E o autoritarismo é um campo político no qual a força subordina o direito. Em 2014-2015, as forças do neoantipetismo, a começar pelas lideranças, alinhadas na coalizão deposicionista, não visavam, em primeiro lugar, a construir um projeto alternativo de Brasil, mas sim afastar, criminalizar, excluir da competição política o principal obstáculo às suas pretensões de mudança: a existência de um partido de esquerda eleitoralmente competitivo, comandado por Lula. O pacto nacional do senador Romero Jucá (MDB-RR), “com o Supremo com tudo”, sintetizou, em 2016, o processo de construção da estrutura autoritária necessária para sustentar o restante da engenharia política da ponte neoliberal para o futuro.
Mas os principais partidos da nova ordem, MDB e PSDB, unidos no boicote ao ajuste fiscal de Levy, sob a liderança de Eduardo Cunha, na investida pela deposição de Dilma e na sustentação do governo Temer naufragaram duplamente: na corrupção e na economia. Em duas cartas recentes de atores tucanos, uma de Fernando Henrique Cardoso e outra escrita a quatro mãos por Eliana Cardoso e Bolívar Lamounier, os signatários exortam a direita do centro – Marina, Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles – a unir-se em torno da candidatura de Alckmin. Essa proposta aparece com toda a clareza na carta escrita em dupla. Marina logo a rejeitou. Conforme as declarações de Tasso Jereissati já haviam evidenciado, os tucanos estão em crise, pois a candidatura de Alckmin não decolou. Mas apelo tucano parece ser infrutífero.
Outro movimento para tentar salvar a lavoura desse campo órfão é a investida no voto útil em Ciro Gomes, candidato da centro-esquerda. A Globo, por meio de alguns de seus veículos e jornalistas, faz certa ofensiva nesse sentido. No último levantamento do Datafolha, o candidato do PDT aparece tecnicamente empatado com Haddad, embora marcando três pontos percentuais a menos que o petista. Mas há também quem avalie ser Ciro visto por forças da direita como herdeiro de Lula.
Enfim, pelas tendências das pesquisas e pela capilaridade do PT nas bases sociais e eleitorais, parece mais provável que o antibolsonarismo chegará ao segundo turno pelo social-desenvolvimentismo democrático de Fernando Haddad, e não com Ciro Gomes. Confirmado esse cenário, o quanto o antipetismo irracional da direita do centro vai continuar a ser mais importante do que a defesa do Estado Democrático de Direito e da aposta na superação da instabilidade política estrutural observada no país?
Merval Pereira, que questionou a resultado das urnas em 2014 e defendeu a deposição de Dilma tão rapidamente quanto Aécio Neves, e outros atores da direita não desistem de projetar freudianamente no PT qualidades antidemocráticas. Pensar e atuar no sentido de que o PT não tem espaço no país é algo que, se fosse possível viabilizar, seria à custa da liberdade política. O neoantipetismo é uma ameaça à democracia, seja o da direita moderada e o da direita extremada. Como disse recentemente uma eleitora para Haddad e para o governador Rui Costa, em Jequié, na Bahia, quem afastou Dilma e prendeu Lula esqueceu-se de prender o povo, ou seja, o soberano na democracia representativa. Qual das duas frentes políticas os atores em geral e as elites em particular apoiarão, sobretudo no segundo turno? O regime democrático depende de que a cultura democrática sustente uma sociedade democrática.
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