domingo, 8 de setembro de 2019

A perseguição e o desmonte da cultura

Por Rodrigo Gomes, na Rede Brasil Atual:

Uma das primeiras ações do governo de Michel Temer, logo após o golpe parlamentar de 2016, que resultou no impeachment da presidenta da República Dilma Rousseff (PT), foi tentar extinguir o Ministério da Cultura. A reação de organizações e de artistas pressionou o então presidente a recuar. Apesar disso, os orçamentos das políticas públicas desenvolvidas pela pasta não resistiram ao movimento de desmonte que se seguiu. O orçamento geral da cultura, bem como sua participação percentual no conjunto das verbas federais, despencou.

Como continuação do golpe, no governo de Jair Bolsonaro esse movimento culminou na total extinção do Ministério da Cultura. A pasta foi incorporada pelo Ministério da Cidadania e conta com recursos da ordem de R$ 2,7 bilhões esse ano, equivalente ao que foi gasto em 2012.

Para o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Rudifran Pompeu, Bolsonaro teme a cultura e a arte. “Os artistas são essencialmente transgressores. Isso faz parte da construção artística, do discurso artístico, político, poético, independente de legenda partidária” afirma. “O bolsonarismo é evidente que não tem a menor condição de fazer a disputa do pensamento. Nós assustamos o governo Bolsonaro. Esse é o principal motivo pra esse desmonte, essa tentativa de nos apagar da história. É a maneira que ele faz, apagando outro pensamento, apagando aquilo que é diferente. Isso é típico das milícias.”

A falta de recursos que busca calar a boca da cultura fica mais evidente quando se analisa o percentual de recursos para o setor em relação ao total do orçamento: a cultura representa apenas 0,045% do Orçamento Geral da União previsto para 2020.

O Programa Cultura Viva, que apoiava iniciativas em todo o país e chegou a ter R$ 216,1 milhões em 2010, hoje tem apenas R$ 3,7 milhões reservados, com pouca chance de serem executados e tendência de desaparecer de vez no próximo ano.

“A cultura está na Constituição. O povo tem direito à cultura, à educação”, lembra o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, para quem o governo age de maneira perversa ao eliminar o Ministério da Cultura, “transformando aquilo lá num guichê”.

Rudifran Pompeu critica a proposta econômica para o setor. “Pode ver, não tem absolutamente nada. Sempre foram pouquíssimas coisas estruturando. Você tinha ocupação dos teatros das universidades federais. Eles eram pagos, mas você tinha recurso pra isso. Não existe mais nada desde que assumiu o governo Temer. E simplesmente se consolidou no governo Bolsonaro”, diz. “Com isso, acabam também tentando suprimir a cultura na forma mais perversa, que é desidratar economicamente, pra que as suas organizações, o seus modos de organização, sejam destruídos, desmontados.”

Pompeu acredita que há, em tudo isso, uma tentativa de apagar o outro. “O que pensa diferente de você, você destrói. É isso que o governo Bolsonaro está fazendo. É assim em todas as áreas. Quem está trabalhando com o governo Bolsonaro, está a serviço do fim da diversidade, da capacidade de pensar diferente, de respeito aos direitos humanos”, diz. “Você tem os artistas como alvo, porque os artistas estão na contramão disso. Os artistas propõem justamente o diferente a esse discurso da violência, esse discurso de ódio, esse discurso da guerra que o Bolsonaro traz.”

A volta da censura

Além do estrangulamento orçamentário. o bolsonarismo, representado não apenas pelo presidente, mas pelo pensamento conservador que tomou de assalto o poder em estados ricos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, trava uma batalha ideológica ferrenha com objetivo de manter seu exército de seguidores. Ou pelo menos manter a sociedade não engajada alheia aos debates.

Os episódios de censura protagonizados pelo governo de João Doria em São Paulo e a prefeitura de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro são novos capítulos do vexame global por que passa o Brasil. Porto Alegre também deu sua cota de contribuição para a vergonha nacional. Veja nas reportagens da TVT e vídeo do público com grande manifestação do na Bienal do Rio.

O Conselho Superior de Cinema e o Conselho Nacional de Cultura foram transferidos para a Casa Civil. A Agência Nacional de Cinema (Ancine) – responsável pelo fomento, regulação e fiscalização do mercado audiovisual brasileiro – teve editais de filmes suspensos unicamente por serem de temática LGBT. O presidente chegou a dizer que vai extinguir a agência se não puder censurar filmes por decisão ideológica.

Em pouco mais de oito meses de governo, a gestão Bolsonaro promoveu cortes no orçamento total da cultura, que perdeu R$ 109 milhões, e na Lei Rouanet, cujo teto caiu de R$ 60 milhões por projeto para R$ 1 milhão. A execução do orçamento para o setor é a menor dos últimos seis anos: R$ 427 milhões, até o dia 30 de agosto. O Fundo Nacional de Cultura não gastou nenhum centavo até o mês de agosto. A Ancine aplicou menos de R$ 10 mil. Também cortou patrocínios na área da cultura realizados pela Petrobras e pela Caixa Econômica Federal.

Além da absoluta falta de recursos, a cultura tem sido atacada no governo Bolsonaro pela censura. “A censura vem pra isso, pra calar a boca dos artistas, tentar impedir que eles promovam as suas ações, que eles falem sobre o que está acontecendo no mundo. Eles querem escolher aquilo que vai ser apresentado nos espaços públicos federais”, critica.

Rudifran dá um, entre tantos exemplos. “É o que tá acontecendo agora, por exemplo, na Funarte, com a censura de um espetáculo, o Rés Pública, do grupo Motosserra Perfumada. Esse grupo saiu da programação da Funarte pela sua sinopse. O sujeito leu a sinopse de um espetáculo que nem existe ainda e cancelou. Isso é censura. Pode chamar do que quiser, mas isso é censura.”

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