domingo, 9 de fevereiro de 2020

Ira bolsonarista contra filme de Petra Costa

Por Gabriel Valery, na Rede Brasil Atual:

“Documentário indicado ao Oscar é um alerta sobre as democracias”, noticia o veículo norte-americano CNN. A manchete sobre o documentário Democracia em Vertigem (2019) apresenta uma entrevista com a diretora, a paulistana Petra Costa. Na difícil corrida em busca por votos na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, Petra vive a glória e os impactos da indicação.

Na contramão da ira de seguidores de Jair Bolsonaro, articulados nas redes sociais e em na mídia corporativa, a cineasta e o mundo especializado defendem a qualidade técnica de Democracia em Vertigem – e do cinema brasileiro. E aproveitam para defender também a democracia, o papel da arte e da cultura e denunciar a ascensão do autoritarismo da extrema-direita no mundo.

Outro renomado cineasta brasileiro, Kleber Mendonça Filho, de O Som ao Redor (2014), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), endossa a importância da presença de Petra no Oscar: “O governo brasileiro enlouqueceu, utilizando sua máquina de comunicação contra um filme e uma cineasta. Incrível divulgação e prestígio para a produção original Netflix já que a corrida pelo Oscar encerra na quinta-feira”. Por Bacurau, Kleber ganhou o Prêmio do Júri em Cannes. Agora, o cineasta foi indicado para compor o júri no Festival de Berlim.

Autoritarismo

Nesses dias que antecedem a noite da distribuição das estatuetas, que ocorre no próximo domingo (9) – a entrega dos votos dos membros da Academia será feita até a meia-noite de hoje (5, horário de Los Angeles) –, a diretora realiza turnê por diferentes veículos de imprensa nos Estados Unidos. Em foco, uma visão ácida sobre a morte das democracias no atual momento político e as artimanhas e armas de correntes políticas autoritárias para impor suas agendas econômicas neoliberais agressivas e ultraconservadoras no setor cultural.

Ainda no ano passado, o cineasta Spike Lee destacou a importância de Democracia em Vertigem durante exibição do documentário no Museu de Arte Moderna de Nova York. “Esse filme, do grande país Brasil, nos dá um outro olhar para a ascensão do fascismo. Que é global. E liderado pelo ‘agente laranja' (eu não o chamo pelo nome)”, disse o cineasta norte-americano. Assista:

O exemplo de Petra para revelar os perigos que rondam as democracias é o brasileiro. Seu documentário, reconhecido e premiado, faz uma pintura do cenário político brasileiro. Do contexto golpista em 2016, que impediu uma presidenta democraticamente eleita (Dilma Rousseff) de cumprir seu mandato, até a eleição de um representante da extrema-direita, Jair Bolsonaro, que frequentemente desrespeita a liberdade de imprensa e as instituições e ataca com voracidade a cultura de seu próprio país.

Mas como um país em processo de construção democrática, de busca por estabilidade e justiça social, caiu nas mãos da extrema-direita? Petra pincela, ao falar sobre seu filme para a CNN: “Ele fala sobre o fenômeno global de como as democracias morrem hoje em dia. Não com tanques, não com militares assumindo o poder, mas com a erosão das instituições e a disseminação de fake news via campanhas massivas em redes sociais”.

Os cães ladram

As denúncias e a voz empoderada de Petra provocaram uma onda de ataques de hordas bolsonaristas, que mantém um forte esquema de milicias digitais para difamar inimigos. Ironicamente, utilizam de mentiras para acusar Petra de “disseminar fake news” a partir de sua visão de mundo impressa no documentário. Os ataques também vieram de órgãos do governo aparelhados pela ideologia de extrema-direita. Petra deixa a reflexão provocativa: “Os cães ladram, é sinal que…

Em resposta ao mais recente ataque, que veio ontem (4), do perfil oficial da Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro no Twitter, Petra comentou: “O governo usou o perfil da secretaria para me atacar, me chamando de ‘anti-patriota’. Este é outro passo em direção ao autoritarismo. Não podemos permanecer calados”.

É possível entender a aversão dos radicais ao longa a partir da apresentação de Bolsonaro, feita por Petra. “Esse é Jair Messias Bolsonaro, um capitão reformado do Exército (…) Aqui, ele exalta o torturador e assassino mais infame da história do Brasil”, narra, acompanhada do discurso do extremista ao declarar voto pelo impeachment de Dilma, quando ainda era deputado federal.

“Pela memória do coronel Carlos Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, disse, em referência a um dos notórios torturadores da ditadura. Mais tarde, em entrevista, Bolsonaro mostrou mais um pouco da sua ideologia do ódio: “O agronegócio é apaixonado por mim quando falo que, se depender de mim, nas fazendas, vão ter fuzis como cartão de visitas para o MST, vai ser cartucho de 762”.

Entretanto, ataques de milícias digitais, políticos de direita e pseudointelectuais conservadores frustrados com a altura da escalada de Petra soam irrelevantes diante das conquistas e influências. A luta de Petra encontra eco em discursos de grandes celebridades que vão desde o ativismo de Jane Fonda, Susan Sarandon, Leonardo Di Caprio, Mark Ruffalo e Queen Latifah, até de brasileiros como Caetano Veloso, Chico Buarque, Paulo Coelho e mais um sem-número de intelectuais e pessoas ligadas ao cinema.

Petra afirma encarar sua obra como uma missão. “Encarei como uma missão cidadã contar ao mundo os bastidores de tudo que aconteceu em nosso país: o nebuloso 2016 até a ascensão da extrema-direita em 2018. A indicação ao Oscar 2020 é a recompensa da nossa luta em defesa da democracia e da arte (…) Por fim, como mulher, diretora, brasileira, latino-americana me sinto honrada com essa indicação que, por si só já é uma grande vitória. Não apenas minha, mas de todas e todos nós.”

Força do cinema

Para Caetano Veloso, Democracia em Vertigem é “o cinema como arma”. “O filme de Petra está a causar um grande impacto! É forte, capaz de ensinar o Brasil aos brasileiros e a quem não é brasileiro. Quem não está por dentro do problema atual que veja este filme”, comentou.

Na última semana, em jantar que precede o Oscar, Petra puxou para conversa gente como Robert de Niro e Brad Pitt, a fim de ampliar a denúncia contra o radicalismo da extrema-direita no Brasil. Como convidada especial de Petra em Hollywood, a líder indígena Sônia Guajajara, que denuncia ações de Bolsonaro contra indígenas e contra a sustentabilidade do meio ambiente brasileiro, notadamente a Amazônia.

Chegar ao Oscar após temporada intensa de prêmios e ótimas críticas em diferentes veículos em todo o mundo (97% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes) é, por si, uma grande vitória. A urgência do tema retratado, com o exemplo brasileiro amedrontando os democratas em todo o mundo, abriu as portas para a voz e a crítica de Petra.

Mesmo com todo esse cenário de prestígio, a conquista da estatueta é um desafio diferente. Outras obras marcantes, fortemente elogiadas e também merecidamente indicadas, como Honeyland, estão no páreo. Levando ou não a estatueta, Democracia em Vertigem já marcou seu lugar na história do cinema global. E contou ao mundo a história que a imprensa corporativa brasileira não quis contar, ao aceitar pagar o preço da ascensão do fascismo em nome de sua ideologia econômica.

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