Editorial do site Vermelho:
Um dia depois de evocar o lema nacionalista “O Petróleo é Nosso” para justificar sua atabalhoada intercessão na Petrobras, Jair Bolsonaro declarou que seu governo quer “enxugar o Estado”. Expressão dessa reviravolta foi a medida provisória (MP) que visa acelerar a privatização do sistema Eletrobras – a proposta foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União e apresentada pelo próprio presidente ao Congresso Nacional na noite desta terça-feira(23).
A agenda privatista integrava a lista das principais promessas da campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 – e também seu atestado de alinhamento ao ultraliberalismo encarnado pelo economista Paulo Guedes. Porém, mais por incompetência do governo do que por falta de compromisso, o entreguismo andou num ritmo aquém do esperado pelos abutres do mercado. O burocrático processo de venda das “joias da Coroa”, como a Eletrobras e suas subsidiárias, pouco havia avançado.
Daí a espetacularização com que Bolsonaro anunciou a MP da Eletrobras – que, em linhas gerais, autoriza o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a fazer estudos sobre a desestatização da empresa. Após as perdas de R$ 102 bilhões que a Petrobras acumulou em dois dias na Bolsa de Valores, o mercado – em especial o setor financeiro – exigia uma espécie de recompensa simbólica do governo.
A ação presidencial na Petrobras, a despeito dos prejuízos, não pôs em risco a criminosa política de preços – Paridade de Preços Internacionais (PPI) –, que atrela o valor do combustível no Brasil às cotações do petróleo e do dólar no mercado internacional. Ainda assim, foi curioso observar o surpreendente discurso antiprivatista do presidente um dia antes da MP. “O petróleo é nosso? Ou é de um pequeno grupo no Brasil?”, esbravejou Bolsonaro na segunda-feira (21).
Ora, seria louvável que o presidente acreditasse francamente que o Brasil deve ter soberania enérgica – e, por extensão, controle sobre as grandes empresas estatais ou mistas que lideram o setor. A heroica e massiva luta popular em defesa da Petrobras, à revelia das elites entreguistas do País, culminou na fundação, em 1953, sob o governo Getúlio Vargas, desta que viria a ser uma das maiores petrolíferas do mundo e uma das grandes fontes de orgulho nacional.
A criação da Eletrobras, em 1962, por João Goulart, também obedeceu à mesma lógica. Incentivar o setor público na complexa, mas estratégica produção e distribuição de energia elétrica em escala nacional era um meio de persistir na batalha da soberania. A exemplo da Petrobras, a Eletrobras logo se firmou como a maior empresa de seu setor na América e uma das gigantes do mercado mundial.
A companhia entrou na era da sociedade mista nos anos 1990, com capital privado – mas, ainda assim, tendo o Estado brasileiro como sócio majoritário, tal qual a Petrobras. A cantilena bolsonarista da segunda-feira poderia ser adaptada: afinal, a Eletrobras é nossa? Ou é de um pequeno grupo no Brasil?
A crer no segundo discurso de Bolsonaro, dos brasileiros a Eletrobras não será mais. “Nós queremos, sim, enxugar o Estado, para que nossa economia possa dar a resposta que a sociedade precisa”, falou Bolsonaro à imprensa, usando o termo “sociedade” onde, na realidade, só cabia “mercado”, “investidores”, “setor financeiro”, “rentismo” ou outro verbete do gênero. Não à toa, até um expoente do liberalismo como o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara Federal, tuitou que “MP da Eletrobras é pura enrolação”.
No entanto, se a privatização da empresa vingar, conforme os planos da equipe econômica, liderada pelo banqueiro Paulo Guedes, a Eletrobras ficará nas mãos não de um “pequeno grupo no Brasil” – quem dera! Tudo indica que a companhia será entregue ao capital privado estrangeiro, representado tão-somente por uma das gigantes multinacionais do setor – as chamadas majors.
No fim das contas, o que explica a estrepitosa contradição entre os dois discursos de Bolsonaro, em pouco mais de 24 horas, são as evidências de um governo caótico e perdido, que se enrola até mesmo quando procura forjar uma gestão a serviço dos rentistas. Nas palavras do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), “Bolsonaro fez um teatro para entregar ao Congresso a privatização da Eletrobrás – uma ceninha para afagar Paulo Guedes, diante das humilhações constantes que tem sofrido”.
Ainda assim, diante de uma “proposta antinacional e antipovo”, cabe aos congressistas, segundo Orlando, barrar a MP. “A privatização do setor elétrico deu em 15 dias de apagão no Amapá. Não admitimos isso para o Brasil! Além disso, essa aberração não passa no Congresso. Não deixaremos o Brasil no escuro, como ocorreu no Amapá.”
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