No início de abril de 2018, a despeito do bombardeio semiótico promovido implacavelmente durante anos a fio pelo consórcio Globo-Lava Jato para criminalizar Lula, a unanimidade dos institutos de pesquisa prognosticava a vitória do ex-presidente já no 1º turno da eleição presidencial de outubro.
Ficava claro que apesar do longo e metódico processo de devastação da reputação e da imagem do Lula, não haviam conseguido inviabilizá-lo eleitoralmente.
Àquelas alturas, diante da certeza de que seria impossível derrotá-lo pela via eleitoral, decidiram então acelerar o arbítrio contra ele.
A partir daí, a identidade estratégica entre a Lava Jato e a cúpula militar em torno do projeto antipetista de poder, que transcorria com paralelismo de ação, mas com convergência de propósitos, se cruza numa intersecção política que passou a ser sincronizada e coordenada.
Sem a execução do “serviço” pela gangue de Curitiba chefiada por Moro; ou seja, sem a prisão farsesca do Lula, o plano da cúpula militar de assumir o poder por meio da eleição manipulada do Bolsonaro jamais se concretizaria.
O general-conspirador Villas Bôas sempre expressou gratidão a Sérgio Moro, considerado por ele um “protagonista da cruzada contra a corrupção”, que se destacou “para que o ‘rio da História’ voltasse ao seu curso normal” [11/1/2019], referindo-se a um Brasil “livre do Lula”.
No dia do Exército Brasileiro de 2017, Villas Bôas agraciou Moro com a condecoração da Ordem do Mérito Militar, a mais alta comenda do Exército. Uma “condecoração criada para galardoar militares, civis e instituições, nacionais ou estrangeiros, que tenham prestado serviços relevantes à nação brasileira, especialmente ao Exército Brasileiro“.
O jogo já estava armado. No julgamento burlesco do TRF4 em 24 de janeiro de 2018 os desembargadores coincidiram, incrivelmente, até nas vírgulas dos votos; e, também, nos anos, meses, semanas, dias, horas e minutos da sentença do Lula. Ainda serão conhecidos, nas mensagens do Deltan, os bastidores daquela sessão excepcionalíssima do TRF4.
O atropelo para perpetrar o atentado jurídico e manipular a eleição presidencial ficou escrachado na velocidade atípica dos trâmites judiciais subsequentes.
Em 5 de abril de 2018, quando Moro decretou ilegalmente a prisão do Lula, o TRF4 sequer tinha publicado o acórdão da sentença, e tampouco julgado os embargos declaratórios.
A sessão na qual o STF descumpriu a Constituição e negou a liberdade do Lula enquanto a sentença condenatória não tivesse transitado em julgado [CF, inciso LVII do artigo 5º], iniciou na tarde de 4 de abril, e terminou na 1ª hora da madrugada de 5 de abril.
Às 17:31h daquele mesmo dia 5, entretanto, numa velocidade inusual para os padrões da justiça brasileira, e sem que o STF tivesse publicado o acórdão da decisão, o TRF4 oficiou Moro a determinar a “execução da pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
E, apenas 19 minutos depois, às 17:50h, num despacho de 4 páginas escrito com rapidez supersônica, Moro assinou eletronicamente a ordem de prisão sustentando que “Não cabem mais recursos com efeitos suspensivos junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região”.
Como um Soberano absoluto, Moro ainda arrematou que “Hipotéticos embargos de declaração de embargos de declaração constituem apenas uma patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico”.
O emparedamento do STF pelo “Partido Militar”
O famoso twitter do “Pinochet brasileiro” Villas Boas colocando o STF contra a parede para forçar a Suprema Corte a manter a prisão ilegal do Lula quando Moro a decretasse, saiu às 20:20h de 3 de abril de 2018, ainda a tempo de repercutir no Jornal Nacional da Globo.
A ameaça foi feita, portanto, na véspera do julgamento do habeas corpus pelo STF. E, como confessou Villas Bôas, a decisão de fazê-la foi do conjunto do Alto-Comando do Exército Brasileiro, que atuou como “diretório político” do “Partido Militar”.
Este é o episódio mais visível do garrote da cúpula militar no STF em 2018 para garantir a vitória do Bolsonaro naquela eleição fraudada pelo sequestro do Lula. Mas, além deste, outros eventos com menor carga de publicidade, mas nem por isso menos relevantes, foram fundamentais para o êxito da tutela e o desfecho do plano castrense.
Já no curso da eleição, e com Lula preso desde 7 de abril, uma matéria muito insinuante no site da Marinha em 3 de setembro de 2018 disse que “O ministro Dias Toffoli, do STF, está prestes a assumir o comando da mais alta corte do país e começa aos poucos montar a sua equipe de assessoria. Uma das ações do ministro tem sido sinalizar com as Forças Armadas. Ele teria entrado em contato com o Comandante-Geral do Exército, General Eduardo Villas Bôas, e pedido uma indicação para compor a sua assessoria pessoal. Conforme as informações, o General atendeu o ministro e apontou um nome de confiança”.
A matéria da Marinha “antevia” que “Em seu gabinete, o ministro encontrará vários assuntos polêmicos para resolver, um deles, por exemplo, é a prisão após a condenação em segunda instância”.
Numa mensagem subliminar, o site da Marinha disse que “Os procuradores da Operação Lava Jato e o juiz federal Sérgio Moro são defensores da prisão em segunda instância e, para eles, mudar a jurisprudência do tribunal, seria retroceder no combate à corrupção”.
O site G1 noticiou, em seguida, que “O nome que Villas Bôas indicou é o do general de Exército Fernando Azevedo e Silva”. Na ocasião, o hoje ministro da Defesa desempenhava funções executivas e de comando na campanha do Bolsonaro à presidência.
Reportagem do Estadão de 7 de outubro de 2018 dizia que “Exército vê em Toffoli garantia da eleição”. De acordo com o jornal, “O ministro deu aos militares três ‘sinais importantes’. Um integrante do Alto-Comando os enumerou: a decisão de não pôr em votação a prisão em segunda instância, o veto à entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado pela Lava Jato, e o pronunciamento na Faculdade de Direito do Largo São Francisco”, no qual o revisionista Toffoli disse que “Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”.
Em outro discurso, composto como música para os ouvidos castrenses entre os 2 turnos da eleição, Toffoli declarou: “Nunca mais fascismo; nunca mais comunismo”.
Episódio citado no livro Os Onze, de Felipe Recondo e Luiz Weber, sugere que o STF estava com a faca no pescoço. No dia 23 de outubro de 2018, depois da reunião do TSE que fechou os olhos para os crimes eleitorais da chapa Bolsonaro-Mourão, que deveria ter sido cassada – disseminação de fake news via WhatsApp financiada por empresários corruptos com caixa 2 – Toffoli “descreveu um cenário sombrio” [pág. 16] para colegas da Suprema Corte com assento no TSE.
E, numa espécie de rendição à intimidação armada, Toffoli “lembrou que o então comandante do Exército, general Villas Bôas, tinha 300 mil homens armados que majoritariamente apoiavam a candidatura de Jair Bolsonaro” [pág. 17].
Os políticos fardados do “Partido Militar” davam mostras ostensivas de pressão indevida. O general da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa ameaçou que “se o Supremo Tribunal Federal deixar o ex-presidente Lula solto, estará agindo como indutor da violência entre os brasileiros, propagando a luta fratricida, em vez de amenizá-la”.
Mesmo quando Villas Bôas confessou, em novembro de 2018, que pretendia intervir caso o STF concedesse o habeas corpus a Lula, Toffoli manteve-se em cúmplice silêncio.
Toffoli cumpriu, com isso, o rito completo do batismo de adesão à escalada militar. Além do revisionismo histórico, cassou a liberdade de imprensa e de expressão para silenciar Lula na eleição e, mais decisivo, manteve Lula incomunicável e amordaçado, como sequestrado de guerra da Lava Jato e dos militares na “Guantánamo brasileira” em Curitiba.
Intimidação do STF originou governo ilegítimo
Este processo de intimidação e de tutela militar sobre o STF para manipular a eleição de 2018 por meio do impedimento da candidatura do ex-presidente Lula resultou na vitória manipulada do Bolsonaro.
Estamos diante de um governo ilegítimo, que é nominalmente exercido por Bolsonaro e seu clã, mas que, em realidade, é comandado pelo “Partido Militar”.
A soberania popular está com um fuzil apontado na sua direção.
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